Câmara avança com demolições no Bairro de S. Vicente de Paulo
Moradores que ainda restam queixam-se de que as alternativas de realojamento dadas pela Câmara do Porto os colocam afastados da actual vizinhança
a As pessoas já se contam quase pelos dedos. Rua a rua, o Bairro de S. Vicente de Paulo, no Porto, está a desaparecer numa amálgama de casas emparedadas onde resiste uma ou outra habitada. Por todo o lado, abrem-se clareiras, onde avançam demolições. "Na Rua 3, moram duas pessoas, na 2 estão cinco". Domingos Fonseca ainda vive no bairro e vê, à sua frente, uma enorme máquina a demolir quatro moradias. A boa vizinhança já lá vai. Até ao final do ano, deverão ir os últimos moradores.Houve uma altura em que Rosário ainda lutou. Procurou informação que provasse que a casa onde mora com os pais lhes pertencia e não à câmara. "Os primeiros alvarás [de 1949] diziam que as casas seriam dos proprietários ao fim de 25 anos", afirma. Mas, nos anos que se seguiram, os contratos foram alterados, o Bairro das Casas Económicas da Corujeira mudou o nome para S. Vicente de Paulo, e aquela indicação desapareceu. "Desistimos", diz.
"As pessoas não querem sair, mas sabem que terão que o fazer. Só queríamos ficar aqui perto, no Bairro do Monte da Bela ou no Falcão", explica. Contudo, as alternativas que têm sido apresentadas aos moradores não passam por aí. Em coro, várias pessoas recitam os nomes dos bairros propostos até agora: Cerco, Aleixo, Machado Vaz, Pasteleira, Regado.
Marcelina Cândida, de 75 anos, vive sozinha, na Rua 4, assustada com os ruídos das casas vazias a serem invadidas durante a noite. Há roubos, incêndios, sustos de levar a mão ao peito. "Nós estamos muito mal, não temos ninguém que nos ajude", lamenta. Está à espera de ser chamada pela câmara, mas não quer pensar em ir para longe e perder o convívio das vizinhas. Como Alice, que se mudou há décadas para o Monte da Bela, colado ao S. Vicente de Paulo, mas ainda se comove: "Estava a estender a roupa e vi uns homens a tirar o canelado [revestimento] das casas. Nunca pensei que fossem demolir. Mas, quando voltei das compras, estavam as casas em baixo. Chorei tanto, tanto".
A Câmara do Porto já indicou que todas as pessoas deverão ser realojadas ao longo do ano, pondo um fim definitivo ao S. Vicente de Paulo. Contudo, a autarquia nunca esclareceu o que pretende fazer com o terreno. No bairro, alargando os braços sobre a vista que abarca um horizonte largo e o Douro espreita, muitos repetem o que Alice diz, com ar pensativo: "Isto aqui vai dar muito dinheiro a alguém".