Obras em escola de Campolide mutilam painéis do mestre Querubim Lapa

"Para poupar os azulejos com desenhos tivemos de danificar os que não tinham motivos", justifica-se empreiteiro. Vereadora e directora da escola alegam ignorar o que se passou

a Painéis de azulejo que o mestre ceramista Querubim Lapa criou em 1956 para uma escola primária de Campolide, em Lisboa, foram mutilados durante obras de remodelação do refeitório do estabelecimento de ensino. Embora não se trate do trabalho mais relevante que o artista desenvolveu para a escola, que adoptou o seu nome, o sucedido está a indignar quer as técnicas camarárias que trabalharam no projecto, quer o próprio Querubim Lapa. O octogenário desloca-se hoje à escola para ver a dimensão dos estragos. "Isto não se faz. Trata-se de vandalismo. Eu devia ter sido consultado antes de a obra começar!", indigna-se, ao mesmo tempo que diz que tenciona responsabilizar a directora do estabelecimento. Mas esta última diz nada saber da obra, que está a cargo da câmara e da junta de freguesia, que a pagou. Também a vereadora da Cultura e da Educação da autarquia, Rosalia Vargas, garantia ontem à tarde ignorar o que se passou.
Já o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, o social-democrata Jorge Santos, desculpabilizou o empreiteiro, mostrando-se mais interessado na abertura do refeitório a tempo do início do próximo ano lectivo. "Infelizmente, alguns azulejos racharam durante a sua retirada da parede", lamentava, admitindo, ao mesmo tempo, que nunca esteve previsto que os trabalhos de desenrolassem com o acompanhamento de técnicos de azulejaria.
O engenheiro responsável pela obra, Amílcar Beringuilho, da firma de construção civil Brera, é o único a não enjeitar parte das responsabilidades: "Com a história de querermos fazer isto depressa para estar pronto em Setembro...".
Peixes, aves e folhas de árvores são os motivos com que Querubim Lapa decorou os lambris das duas salas da antiga cantina, numa alusão às refeições das crianças. Entre estes motivos isolados há muitos azulejos brancos, sem decoração. Parte de um dos lambris foi arrancado na passada semana pelos operários, que dizem que a memória descritiva do projecto era equívoca neste ponto. Mas os azulejos decorativos foram quase todos preservados, sendo possível aplicá-los de novo, garante o empreiteiro. Acontece que todos estes azulejos com motivos foram recortados do painel com rebarbadora para posteriormente serem removidos da parede. "Para poupar os azulejos com peixes, aves e folhas tivemos de danificar a sua envolvente, os azulejos brancos", explica Amílcar Beringuilho, pondo em causa o valor das partes dos painéis onde não existem desenhos. "É muito improvável que fosse possível fazer o trabalho de outra maneira", acrescenta.
Por agora, a Brera está à espera de uma decisão da câmara e de Querubim Lapa sobre o que fazer agora para remediar os estragos. A parede que divide as duas salas é, aliás, para demolir, e nela existe também um lambril com o mesmo padrão. "Seria preferível que eu redesenhasse os azulejos que fosse necessário", observa Querubim Lapa, uma das maiores figuras da azulejaria portuguesa.

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