Hospital de Cascais retém ambulâncias e atrasa socorro a doente que veio a morrer
Estabelecimento chega a ficar com as macas das unidades móveis de socorro por mais de 24 horas. Mulher que vivia a 200 metros dos bombeiros faleceu depois de meia hora à espera
a Uma mulher de 72 anos morreu terça-feira na Parede, concelho de Cascais, na sequência de uma paragem cardiorespiratória, depois de ter estado cerca de 30 minutos à espera de socorro. Embora a vítima se encontrasse a cerca de 200 metros do quartel dos bombeiros da Parede, teve de ser a corporação de Paço de Arcos, localizada a cerca de sete quilómetros, a responder à chamada. Isto, porque 12 ambulâncias do concelho, incluindo as da Parede, estavam impedidas de sair de Cascais devido à retenção das macas no hospital.O problema da retenção das macas e ambulâncias naquele estabelecimento de saúde está longe de ser pontual, denuncia o presidente do secretariado dos bombeiros do concelho, Rui Rama da Silva. "A situação arrasta-se desde há vários anos e piorou bastante ultimamente. Como o hospital não tem meios para fazer face a todas as situações de emergência, sempre que há maior afluência de utentes a assistência pré-hospitalar fica comprometida, porque simplesmente não nos devolvem as macas. Chegam a retê-las durante mais de 24 horas", conta. O relato é secundado pelo comandante dos Bombeiros Voluntários da Parede, Pedro Araújo, para quem a situação vivida no Hospital de Cascais é "inadmissível e terceiro-mundista". "As pessoas ficam nas macas onde são transportadas, algumas das quais são literalmente tiradas dos cavaletes e postas no chão, onde os médicos e enfermeiros prestam assistência de cócoras", censura.
Segundo Pedro Araújo, o caso mais grave registou-se terça-feira e culminou com a morte da mulher de 72 anos no seu domicílio, na Rua Trindade Coelho. "Fomos alertados às 14h55 para uma situação grave de uma senhora com dificuldades respiratórias, mas não pudemos responder, porque as nossas quatro ambulâncias e respectivas macas, incluindo as de substituição, estavam retidas no hospital onde ficaram mais de seis horas. O INEM e o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) ainda contactaram meios em Carcavelos, Estoril e Oeiras, mas apenas Paço de Arcos acorreu ao pedido, tendo chegado ao local cerca de meia hora mais tarde".
Quando o auxílio chegou, a mulher já estava em paragem cardiorespiratória, falecendo, ainda em casa, pouco depois. Na sequência da morte da doente, os bombeiros tiveram de permanecer no local mais de duas horas, podendo sair apenas por volta das 17h40. "A partir do momento em que os únicos bombeiros disponíveis estão mais de duas horas num serviço por causa do atraso no socorro, o que aconteceria, se houvesse mais situações de emergência?", questiona o comandante dos bombeiros da Parede.
Pedro Araújo enviou ontem um ofício ao conselho de administração do Centro Hospitalar de Cascais a informá-lo do sucedido e a solicitar "urgente intervenção na caótica situação vivida na urgência", mas não obteve resposta. O PÚBLICO também contactou o centro hospitalar e a Administração Regional de Saúde, não tendo igualmente obtido resposta.
Para Rui Rama da Silva, a assistência pré-hospitalar não pode pagar com mais mortes a factura do novo hospital, a inaugurar em 2010. Por isso, reclama, é necessária desde já "maior articulação" com os centros de saúde, de forma a mitigar o fluxo de utentes que acorrem à urgência. Já para Pedro Araújo, o "impensável" encerramento na segunda-feira do centro de atendimento de urgências (Catus) da Parede, com mais de 100 utentes diários, terá contribuído para o "caos" verificado nos últimos dias no Hospital de Cascais.