"Não há nada mais bonito do que uma mulher de sari"

Depois da China, a Hermès está agora à conquista do mercado indiano. Criou uma colecção de saris e abriu uma megaloja em Bombaim. Não por acaso: o mercado de luxo na Índia vale cerca 1,7 mil milhões de euros e tem um crescimento anual previsto de 20%

Na primeira visita oficial à Índia da ministra dos Negócios Estrangeiros paquistanesa, Hina Rabbani Khar, não foi o tratado de paz entre os dois países que mais despertou a atenção da imprensa local, mas, antes, o estilo e a jovialidade da própria Hina Rabbani Khar.

" Pak puts on its best face " - qualquer coisa como "o Paquistão mostra a sua melhor cara"- foi a manchete do jornal The Times of India e, mais do que o esvoaçante traje tradicional - calças e túnica azul com lenço a condizer -, foram os acessórios que geraram mais comentários, entre eles, uma mala Birkin, um dos modelos míticos da casa parisiense Hermès.

O jornal de grande circulação Navbarat Times chamou a Khar a "ministra com ar de modelo". O tablóide Mumbai Mirror foi ainda mais longe com um " Pak bomb lands in India " ("bomba paquistanesa aterra na Índia") e a conhecida blogger de moda Amara Javed escreveu que Khar era "mais glamorosa do que Catherine Middleton", a princesa britânica. O frenesim à volta desta visita em Outubro de 2010 despertou também a atenção da imprensa internacional e a revista Time referiu que o impacte do estilo de Hina Rabbani Khar ilustra a relação que a Índia tem com produtos de luxo: uma relação de fascínio - porém, não isenta de idiossincrasias.

No que toca a malas e outros acessórios de moda as marcas ocidentais têm procura. Já no que diz respeito a roupas femininas, ainda nenhuma etiqueta conseguiu bater os criadores locais. Isto porque durante o dia há mulheres que usam roupas de estilo ocidental, mas em situações mais formais continuam devotas dos saris, seis metros de tecido habilidosamente enrolados em volta do corpo - ou seja, as mulheres indianas compram luxo, mas procuram a tradição. Não por acaso a Hermès pegou no sari como cavalo de Tróia.

Numa tentativa de atrair estas mulheres até à loja que a marca abriu em Bombaim em Julho de 2011 e de as seduzir a usar as suas criações de alta costura, a Hermès lançou em Outubro uma edição limitada de 28 saris exclusivamente desenhados para o atractivo mercado indiano - no caso, para a atractivo mercado dos indianos mais ricos, já que cada sari custa entre os seis e os oito mil dólares (entre os 4,6 mil e os seis mil euros).

"A colecção de saris é um tributo à cultura indiana e à elegância das mulheres indianas. Não há nada mais bonito do que uma mulher de sari", diz ao P2 o director regional da Hermès para o Médio Oriente, Índia e Sudoeste asiático, Bertrand Michaud.

Há limites?

Os míticos lenços Hermès inspiraram a colecção, desenvolvida num dos ateliers da marca, na cidade francesa de Lyon, e sob a direcção do director artístico da Hermès, Pierre-Alexis Dumas. Na maior parte dos modelos percebe-se de imediato o estilo europeu. Outros estão mais próximos do sari tradicional, ainda que com pontos de arrojo - nas transparências, por exemplo, universo em que os criadores locais começaram já a testar também limites. Qual é o ponto, na criação de moda, em que um sari deixa de ser um sari? "A criação das peças foi baseada nos padrões Hermès, com colorações, materiais e técnicas desenvolvidos especialmente para a confecção desta colecção. No entanto, os saris mantêm a sua identidade", refere Michaud.

Segundo a Hermès, esta colecção não é mais do que a realização de um desejo da marca em transformar os coloridos saris tradicionais numa peça sofisticada e fácil de usar. Na produção das peças, para além de se utilizarem as técnicas dos artesãos que há mais de 170 anos valorizam os produtos que a marca francesa comercializa, desenvolveu-se uma nova técnica de impressão, para criar um único estampado nos seis metros de tecido. Quanto a materiais, foram seleccionadas a musselina, a caxemira e a seda. Depois de escolhido o sari, quem quiser pode também mandar fazer por medida um choli , a blusa justa, normalmente de manga curta ou meia manga que se usa por baixo do sari.

Talvez não seja assim tão surpreendente que tenha sido a Hermès a primeira marca ocidental a criar uma colecção destas. Em 2010, em busca de outro grande mercado, a Hermès lançou-se na China e conseguiu dinamizar a tradição artesanal chinesa. Michaud assume que "quando [a Hermès] prepara a entrada num país tenta sempre oferecer um novo produto de interesse para a clientela local". Mas refere que, com os saris, o objectivo da marca é misturar-se no estilo de vida, na cultura e tradições indianas, oferecendo tudo o que se pode encontrar em capitais como Paris, Londres ou Nova Iorque.

Um porta-voz da consultora americana AT Kearney, disse ao jornal Financial Times que para as marcas ocidentais entrarem na Índia têm de criar produtos de que os indianos gostem. E, é sabido, há algum tempo, que as marcas de moda procuram vender as suas colecções de roupa feminina na Índia sem grandes resultados.

A Hermès espera contrariar esta tendência com a abertura da loja de Bombaim - uma das maiores que a marca tem da Ásia -, localizada num edifício histórico em Horniman Circle, uma das artérias mais cobiçadas da cidade. Uma vitória, uma vez que um dos grandes entraves à entrada das marcas de luxo é o estreito mercado imobiliário, que torna difícil encontrar locais que garantam a visibilidade pretendida.

"Cada produto da loja de Bombaim foi escolhido especificamente para o mercado indiano", sublinha Bertrand Michaud. A Hermès considera que há uma elite indiana que é conhecedora dos produtos de luxo de qualidade. "É bem conhecido o gosto requintado que os indianos têm pelo trabalho artesanal, o que faz com que a Hermès tenha naturalmente o seu lugar neste país." Para atender a uma elite, claro.

Segundo a revista Time , o mercado dos artigos de luxo chinês, por exemplo, já era de 12 mil milhões de euros anuais em 2010, e espera-se que cresça para mais do dobro até 2015, para 30 mil milhões de euros. Assim, a China será responsável por cerca de 20% das vendas globais de produtos de luxo. A Índia terá menos multimilionários, porém, na lista do mais ricos de 2011 da revista Forbes, oito indianos surgiram entre os 100 mais ricos, contra apenas dois chineses.

Na loja, estão disponíveis as 16 famílias de produtos onde aparece o nome Hermès: malas de mão e de viagem, diários em pele e outros pequenos artigos em couro, selas, pronto-a-vestir feminino e masculino, jóias, relógios, cintos, luvas, calçado e chapéus, jóias.

Quanto a lucros, a Hermès também não se queixa. A empresa criada em 1837 por Thierry Hermès continua a ser um negócio da família, que detém ainda 73% do negócio. Em 2009 apresentou um volume de vendas de 1,914 milhões de euros, gerando - segundo a própria Hermès - empregos para mais de oito mil pessoas.

O mercado de luxo na Índia vale cerca de 2,2 mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros), com um crescimento anual previsto de 20%, segundo o jornal inglês The Telegraph . Juntamente com a China, é considerado um dos mercados emergentes mais atractivos para as marcas de luxo, principalmente com o aumento da elite indiana que surgiu após os anos de austeridade socialista, quando muita gente adoptou as vestes brancas de algodão usadas por Mahatma Gandhi.

Marcas como a Gucci, Armani, Ermenegildo Zegna e Jimmy Choo estão a entrar na Índia, apesar de as suas lojas permanecerem confinadas a Nova Deli e Bombaim, e grande parte delas em hotéis de cinco estrelas ou em centros comerciais.

Isto deve-se ao forte proteccionismo que a Índia tem à entrada de marcas ocidentais, cobrando elevadas taxas de importação dos bens de luxo estrangeiros, que podem chegar a ser 40% superiores às da maior parte dos países - levando os indianos a comprar fora do país.

Na inauguração da loja de Bombaim, o CEO da Hermès, Patrick Thomas, manifestou vontade de a marca estar em contacto com a sociedade indiana residente, que não tem o hábito de viajar, e não "num gueto que junta todas as marcas de luxo", como acontece nos hotéis e centros comerciais.

"É muito inteligente da parte da Hermès fazer uma colecção de saris - até estou surpresa por ninguém se ter lembrado de o fazer antes", disse ao jornal Financial Times a chefe execut iva da consultora Indiana Creative Link, Caroline Young.

Mas não é só a Hermès que está de olho no mercado indiano. O seu competidor mais feroz, o grupo LVMH (Louis Vuitton Moët Hennessy) criou no final de 2010 um fundo de 640 milhões dólares (cerca de 500 milhões de euros) para investir na expansão das suas marcas na Ásia.

Marcas de roupa masculina como a Ermenegildo Zegna ou a Etro têm tido algum sucesso com a oferta peças de inspiração indiana, como os casacos de colarinho arredondado, que se tornaram especialmente desejados graças ao antigo primeiro-ministro Jawaharlal Nehru. Daí que a maior parte das marcas ocidentais aposte nas colecções de roupa masculina.

Para a consultora AT Kearney, os saris, juntamente com outras roupas tradicionais femininas, também podem ser um sucesso. "Muitas das marcas pensam que a Índia é um mercado que vai evoluir seguindo as normas ocidentais, mas não. Ele vai evoluir à sua maneira."

Os saris e a moda

E, pelo menos aparentemente, os criadores de moda indianos não se mostram incomodados com a entrada da Hermès no universo exclusivo dos saris. Pelo contrário, acreditam que trará uma concorrência saudável. Anand Brushan, um nome forte na moda de Nova Deli e Bombaim disse ao Times of India que, se os criadores de moda indianos vendem as suas roupas por todo o mundo, as marcas estrangeiras também têm o direito de fazer o mesmo com as suas criações na Índia. "A única coisa que um indiano tem a fazer é criar peças mais interessantes."

Outro criador, Charu Parashar, refere que os saris são uma forma clássica de vestir o corpo feminino, sempre presente na moda, e que é óptimo inspirarem uma marca internacional a fazer uma colecção. Até porque, refere Parashar, existem mais de cem maneiras de fazer um sari.

Sem surpresa, o mercado dos saris altamente ornamentados tem sido até agora dominado por criadores de moda indianos, que têm tido "mão forte" sobre esta peça icónica. Mas a mais recente aventura da Hermès foi já experimentada por alguns designers como Karl Lagerfeld, Jean-Paul Gaultier ou Valentino.

Em 1950, o criador de moda italiano Valentino fez um vestido-sari para Jacqueline Kennedy. Karl Lagerfeld foi o último a ir buscar inspiração à Índia, mais propriamente à colonização inglesa e às vestes tradicionais masculinas, que considera mais práticas do que as femininas. Falamos das peças que o director artístico da Chanel criou para a colecção de 2012 a que deu o nome Paris-Bombay .

Pelo meio, em 2008, Jean-Paul Gaultier, então à frente da direcção criativa da Hermès, apresentou vários vestidos-sari, numa colecção que baptizou como Indian Fantasies . Mas há muito que a Índia serve de inspiração às criações da casa de luxo francesa, como foi o caso do casaco de senhora Calcutta e o lenço de seda Caparaçons de la France et de l"Indie , ambos criados em 1950.

Em 1985, quando se comemorou o estreitar das relações culturais entre a França e a Índia, durante a governação de Indira Ghandi, a Hermès criou quatro lenços de seda em jeito de homenagem ao país: Fantaisies indiennes (por Loïc Dubigeon), India (por Cathy Latham), Chasse en Inde (por Michel Duchêne) e Srinagar (por Catherine Baschet).

Estima-se que indústria indiana de pronto-a-vestir movimente 1,5 mil milhões dólares? (1,1 mil milhões de euros) em 2012, de acordo com o Times of India . Contudo, a Hermès mostra-se reservada quanto à continuidade desta primeira colecção de edição limitada. Como o mercado indiano responderá à oferta da marca ainda é uma incógnita, apesar de Bertrand Michaud afirmar ao P2 que a colecção de saris foi um tremendo sucesso. "Há que esperar para ver o sucesso desta terceira loja e a fidelidade dos nossos clientes indianos, mas estamos muito confiantes neste mercado."

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