Tomas Tranströmer é o primeiro poeta a receber um Nobel no século XXI

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Tranströmer sofreu um AVC em 1990 SCANPIX SWEDEN/REUTERS

Após um intervalo de 15 anos, o Nobel da Literatura voltou a premiar um poeta: um sueco de 83 anos, cujas "imagens condensadas e translúcidas" foram elogiadas pelo júri da Academia

O sueco Tomas Tranströmer, de 83 anos, tornou-se ontem o primeiro poeta a ser galardoado com o Nobel da Literatura no século XXI. Desde 1996, quando o prémio foi atribuído à polaca Wislawa Szymborska, que a Academia Sueca não escolhia um poeta. E seria preciso recuar quase quatro décadas para se chegar ao último sueco que merecera esta distinção - ou, em rigor, os últimos suecos, já que Harry Martinson e Eyvind Johnson dividiram o prémio em 1974, decisão que provocou controvérsia, uma vez que ambos integravam o júri.

Mas a escolha de Tranströmer não foi uma surpresa. As casas de apostas davam-no como favorito, ao lado do poeta sírio Adonis, e desta vez acertaram. Reconhecido no seu país e fora dele como o mais importante poeta vivo da literatura sueca - está traduzido em mais de 50 idiomas -, este 104.º Nobel da Literatura começou a ser referido como candidato ao prémio nos anos 70, quando já publicara uma parte significativa da sua, aliás bastante breve, obra poética.

O próprio júri destacou, no seu comunicado, o facto de Tranströmer não ser um "poeta prolixo", acrescentando, todavia, que "as suas imagens condensadas e translúcidas" nos oferecem "um refrescado acesso à realidade".

Coube a Peter Englund, o secretário permanente da Academia Sueca, dar a notícia à mulher do premiado, já que o poeta tem grandes dificuldades em articular palavras desde que sofreu, em 1990, um acidente vascular cerebral, que também lhe paralisou o lado direito do corpo. Vasco Graça Moura, que traduziu alguns dos seus poemas para a antologia 21 Poetas Suecos (Vega, 1980), refere-se a esta tragédia pessoal do autor sueco no poema pianissimo, onde, aludindo a versos do próprio Tranströmer, diz supor que este deve ainda "escutar/Haydn interiormente".

A música é justamente um dos tópicos recorrentes de Tranströmer, que, a par da sua profissão de psicoterapeuta, que só abandonou depois de adoecer, é também pianista e organista. Ainda hoje toca piano com a mão esquerda, já que não consegue mover a direita, e segundo a mulher, Monica Bladh, estava justamente a ouvir música quando Englund telefonou a dar a boa nova.

Já depois de ter sofrido o AVC, Tranströmer publicou vários novos livros de poemas, o último dos quais, Den stora gätan [traduzível por O Grande Enigma] saiu em 2004 e consiste numa singular apropriação da tradição japonesa do haiku. O seu livro de estreia tinha sido publicado exactamente meio século antes, em 1954, com o título 17 dikter [17 Poemas]. A sua obra resume-se a uma dúzia de títulos, incluindo um volume em prosa: a autobiografia Minnena ser mig [As Recordações Vêem-me]. Em Portugal, estão apenas traduzidos alguns poemas soltos, mas encontram-se na net (veja-se o site http://www.triplov.com) muitos poemas de Tranströmer traduzidos por Luís Costa a partir de versões alemãs.

Vasco Graça Moura, o primeiro a traduzi-lo para português, com o auxílio da autora sueca Marianne Sandels, sublinha "a grande força lírica" e a "preocupação social" de Tranströmer, atribuindo-lhe "uma faceta um pouco surrealista". Além do poema Lisboa, cuja versão portuguesa aqui reproduzimos, o autor dedicou ainda um poema ao Funchal, no qual evoca um restaurante de peixe na praia.

Também o romancista e crítico literário José Riço Direitinho sugere que a poesia de Tranströmer "parece ter raízes na poesia modernista", quer expressionista, quer surrealista. E assinala a luta entre a terra e o mar como um dos seus tópicos frequentes, especialmente nos poemas em que o autor evoca as ilhas do Báltico e os seus verões de infância.

A generalidade dos críticos salienta ainda o talento de Tranströmer para a justaposição inesperada de imagens, muitas vezes colhidas em detalhes do quotidiano, mas às quais subtilmente confere uma ressonância particular, que tanto pode ser política como mística. Uma técnica a que talvez não seja alheia a lição de Ezra Pound, e que pode mesmo fazer pensar em Emily Dickinson, mas numa linguagem muito mais pacificada e gramaticalmente menos subversiva.

Lisboa

No bairro de Alfama os eléctricos

amarelos cantavam nas calçadas íngremes.

Havia lá duas cadeias. Uma era para

ladrões.

Acenavam através das grades.

Gritavam que lhes tirassem o retrato.

"Mas aqui!", disse o condutor e riu à

sucapa como se cortado ao meio,

"aqui estão políticos". Vi a fachada, a

fachada, a fachada

e lá no cimo um homem à janela,

tinha um óculo e olhava para o mar.

Roupa branca no azul. Os muros

quentes.

As moscas liam cartas microscópicas.

Seis anos mais tarde perguntei a uma

senhora de Lisboa:

"será verdade ou só um sonho meu?"

Tomas Tranströmer

Tradução de Vasco Graça Moura

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