Logótipo do Ministério da Cultura

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Durante a última campanha eleitoral, quando Francisco José Viegas considerou fundamental (numa conversa com o PÚBLICO) "libertar a cultura do peso excessivo dos decisores do Estado", dificilmente pensava na identidade visual do organismo que o seu Governo viria a extinguir. Mas devia.

É que esta é uma das mais pesadas heranças que os antecessores do novo secretário de Estado da Cultura lhe deixaram. Apagá-la ou redesenhá-la será uma tarefa hercúlea, tanto em termos simbólicos como logísticos. Por isso terá de ser bem desempenhada.

O logótipo do ex-ministério, o seu mais conciso e importante símbolo, vive desde 1997 em paredes de departamentos, museus e monumentos, em cartões de visita, cartazes, telões, anúncios, relatórios, livros ou em ecrãs de cinema, de televisão, de computador. E não nos livraremos dele tão cedo.

Proposta vencedora de um concurso promovido pelo primeiro ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, este projecto de Ricardo Mealha é composto por um monograma - um M, um

e um C - e pelas palavras Ministério da Cultura, escritas em versaletes (letras com forma de maiúsculas e peso de minúsculas). Designers mais atentos verão nas suas duas letras truncadas e uma linha influências do logótipo do Museu d"Orsay; Mealha inspirou-se antes na marca Armani Exchange.

Longe de pensar um ministério como uma marca de roupa, Mealha propôs um logótipo que comunicasse "que não se estava a brincar à cultura em Portugal". Mesmo desafiando ortodoxias (como a ortodoxia da tipografia), este deveria expressar o lugar do poder da cultura no país. "Não era um logótipo brincalhão ou "minimal", era um logótipo que deveria traduzir uma forte presença de Estado." O C dourado falava "não de luxo ou ostentação", mas de "valores seguros e duradouros". De um ministério que vinha para ficar.

Entre as identidades ministeriais igualmente (re)desenhadas nos anos seguintes - muitas também tornadas obsoletas -, esta foi a que maior valor simbólico ganhou junto da comunidade que envolve. Afinal, a colocação de um logótipo - num cartaz de uma peça de teatro, na primeira página de um catálogo, na capa de um disco - é muitas vezes a prova mais tangível de apoio estatal de uma manifestação, produto ou entidade cultural. E, também, uma expressão da dimensão simbólica da cultura no Governo de um país.

Mas nem sempre o Governo se satisfez com uma leve e simbólica afirmação de poder. Em 2006, a então ministra Isabel Pires de Lima convidou Mealha a reforçar a identidade do ministério a nível horizontal (Governo) e vertical (seus organismos e dependências), fazendo com que equipamentos como a Biblioteca, a Cinemateca e os Teatros Nacionais tivessem identidades análogas à do Ministério. Mealha sugeriu antes a manutenção de cada identidade e sua associação ao elemento "em versaletes" do logótipo. Não aceite a sugestão, ele acabou por coordenar o design de 12 novos logótipos. Nem todos foram aplicados pelos respectivos dirigentes.

Nada que o surpreenda, aliás: "Esta profusão de logótipos não tinha necessariamente a ver com as necessidades do Estado, mas com as do Governo", além de obedecer não à lógica de "uma imagem de Estado, mas de empresa", onde a hierarquia prevalece à autonomia. Algo tornado evidente pelos pouco simbólicos protestos e mudanças de direcção nestas instituições.

Não existindo mais M

C, que fazer com o que resta? "Esta é a melhor altura para pensar nisto", diz Mealha, propondo a criação de um think tank de designers, de gerações e abordagens diferentes" que, com "o moderador certo", cheguem a "um consenso e proponham uma nova organização para a imagem do Estado português, válida para os próximos 20-30 anos". Um trabalho colectivo, "não do atelier A, B ou C", que faça "com que tudo funcione melhor".

Não é definindo - "de cima para baixo" e por decisores como o actual secretário de Estado da Cultura - a identidade de todas as instituições do Estado que se melhora a sua comunicação; para Mealha, equipamentos como teatros ou museus "deverão ter uma imagem que seja adequada" à sua natureza, história, local e públicos que, como tal, seja decidida e implementada de forma autónoma.

A nível estatal, valerá a pena investir na criação de um sistema flexível, duradouro, fácil de entender, implementar e adaptar a mudanças governamentais - não necessariamente institucionais - que minimize danos e maximize ganhos na relação simbólica, e gráfica, entre governo e cidadãos. Amanhã é segunda-feira: não esperemos mais tempo.

frederico@05031979.net

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