Scott Brown A nova superestrela dos republicanos

Em pouco mais de uma semana, passou de um quase desconhecido a nova coqueluche da política americana. É competitivo, impaciente, determinado, um líder natural e, talvez por isso, há quem já pense nele para a corrida à nomeação republicana nas eleições de 2012. Para já o novo senador do Massachusetts tem apenas um modelo - John McCain. E muitas expectativas. Por Rita Siza, Washington

Scott Brown, o recém-eleito novo senador do estado do Massachusetts, acorda todos os dias às cinco da manhã para fazer o seu treino de triatleta. Todos os dias do ano, fins-de-semana e feriados incluídos. Ele diz que é porque tem uma "personalidade do tipo A" - competitiva, disciplinada, agressiva, impaciente. Outros dizem que é simplesmente compulsivo.

"Não sei estar quieto. Mesmo quando estou sentado no sofá a ver televisão, estou a colar selos em envelopes. Se estou a pedalar na bicicleta de manutenção, estou a ler o jornal", contou ao diário Boston Globe.

Em pouco mais de uma semana, Brown, 50 anos, passou de um quase desconhecido a nova coqueluche da política americana e principal atracção dos media, que procuram recuperar o tempo perdido durante a campanha eleitoral a escrever perfis e análises sobre ele. A sua surpreendente vitória valeu-lhe títulos bombásticos e rasgados elogios: ele é um "candidato carismático", com uma "intrigante narrativa pessoal"; um político "natural", "relaxado e confiante"; um "outsider", desempoeirado, independente e rebelde. Tudo isso e ainda por cima bem-parecido.

O comediante Jon Stewart, no seu Daily Show, descreveu-o como "aquele tipo nu que guia uma carrinha de caixa aberta" - referências à sessão fotográfica que Brown fez para a revista Cosmopolitan, há mais de 25 anos, e ao (agora) célebre anúncio televisivo da sua campanha, em que aparecia ao volante da sua estafada carrinha GMC, cujo conta-quilómetros marca mais de 200 mil milhas (mais de 320 quilómetros).

Scott Brown nasceu em Setembro de 1959 no Massachusetts e, de acordo com todos os relatos, não teve uma infância e adolescência particularmente fáceis e felizes. Os seus pais divorciaram-se e ambos voltaram a casar mais três vezes. Scott e as irmãs tiveram frequentemente de mudar-se com uma tia e uma avó: houve alturas em que a mãe só sobrevivia com os subsídios do Estado e não tinha recursos para cuidar dos filhos.

Da Guarda para o Senado

Aos 12 anos foi preso por furto, e a sua pena, além de um sermão do juiz, foi escrever um ensaio de 1500 palavras sobre o "disparate" que tinha feito. O mote: "Quem te vai ver jogar basquetebol na cadeia?" Aos 19 alistou-se na Guarda Nacional do Massachusetts - e manteve-se no serviço activo até agora, com a patente de tenente-coronel. Recebeu treino de infantaria e de aviação, embora o seu trabalho seja essencialmente jurídico. Esteve destacado no Cazaquistão e no Paraguai, mas nunca foi enviado para a guerra.

A célebre capa da Cosmopolitan, em que aparecia deitado com os genitais cobertos, aconteceu quando Brown tinha 22 anos e alimentava uma carreira paralela de modelo para pagar as propinas da faculdade de Direito. A revista classificou-o o "homem mais sexy da América". Três anos mais tarde formou-se na Boston College School of Law, deixou o seu part-time e começou a trabalhar como advogado na área do imobiliário.

E depois, para compor o quadro, Brown casou com Gail Huff, uma jovem repórter e, como ele, aspirante a actriz. Gail, agora com 47 anos, tem uma consolidada carreira de jornalista televisiva, o que explica o facto de não ter aparecido ao lado do marido em nenhuma acção de campanha. "Ela sempre fez um esforço notável para separar a sua vida pessoal e profissional", comentou o director de informação da WCBV (canal 5 de Boston), onde Gail ingressou em 1993.

À frente do programa matinal Eye Opener, Gail trabalha entre as três da madrugada e as dez da manhã. No dia seguinte à eleição foi trabalhar como de costume e não anunciou ainda os seus planos para o futuro: vai suspender a carteira profissional e mudar-se com o marido para Washington ou continuar a sua carreira? Ninguém sabe.

O casal tem duas filhas e vive em Wrentham, uma pequena cidade de 11 mil habitantes nos subúrbios de Boston que é caracterizada como "a quinta-essência da Nova Inglaterra". A filha mais velha, Arianna, estuda Medicina na Syracuse University; a irmã, Ayla, é uma das estrelas da equipa de basquetebol do Boston College e antiga concorrente do programa televisivo American Idol. Ayla tem tentado, com pouco sucesso, iniciar uma carreira musical (tem um disco para sair, cuja faixa principal, I"m so happy, pode agora ser dedicada à eleição do pai). "Elas estão livres e desimpedidas, se houver alguém interessado...", anunciou o pai no seu discurso de vitória.

Cuidado Sarah Palin

A política foi sempre uma paixão para Scott Brown, garantem a família e os amigos. Mas, apesar de ter sido um empenhado membro da sua comunidade, envolvido nas actividades da igreja, do Lions Club, das associações de pais e de bombeiros e no desporto amador, a filiação partidária aconteceu numa fase mais "madura" da sua vida. Em 1994, seguindo as pisadas do pai e do avô, aderiu ao Partido Republicano. Quatro anos mais tarde, foi eleito congressista estadual e no mandato seguinte transitou para o Senado do Massachusetts.

Brown é considerado um dos membros mais conservadores da legislatura do Massachusetts mas, na transposição para a arena nacional, será um dos mais "liberais" da bancada republicana. Apoia o direito ao aborto e não vê necessidade de mudar a lei do seu estado que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo. E apesar de ter feito campanha contra o plano de reforma do sistema de saúde defendido pelo Presidente Barack Obama, diz-se favorável à expansão para a cobertura universal da população e votou a favor da lei que tornou os seguros de saúde obrigatórios no Massachusetts, adoptada em 2006 - e que é quase igual à proposta de lei do Senado que agora prometeu inviabilizar. "Essa lei pode ser boa para os outros estados, mas interfere com o sistema montado no Massachusetts", justificou.

A imprensa americana já especula sobre o futuro da carreira política de Brown para tentar antecipar que "tipo" de senador ele vai ser. A sua principal preocupação é ser reeleito em 2012? Ou ele só está mesmo interessado em fazer implodir a agenda do Presidente e dos democratas e afirmar-se como uma personalidade capaz de disputar a nomeação republicana em 2012? (Atenção Sarah Palin, já há sites a reclamar "Brown para Presidente"!)

Se for a primeira, então o senador estará disponível para trabalhar com a Casa Branca e aberto a negociar com os líderes da maioria do Congresso nas questões que importam ao seu eleitorado do Massachusetts, um dos estados mais liberais dos EUA. A tendência será integrar-se no grupo dos conservadores mais moderados, que inclui as duas senadoras republicanas do Maine, Olympia Snowe e Susan Collins, e o "independente" do Connecticut, Joe Lieberman.

No segundo caso, ele precisa de estabelecer firmes credenciais conservadoras, votando o mais possível à direita para colmatar o seu actual handicap - ele tem, por exemplo, a mais baixa classificação da National Rifle Association, um dos grupos de lobby mais influentes.

À chegada a Washington, o novo senador foi ambíguo nas respostas aos jornalistas e ainda mais vago do que os seus panfletos de campanha, que não só não continham propostas específicas como tão-pouco esclareciam qual a posição do candidato em questões como a energia e o aquecimento global, que vão estar em debate no Senado. Não disse em que comités gostava de ter assento nem qual seria o seu sentido de voto. Apenas garantiu que o veterano senador do Arizona e antigo candidato presidencial John McCain será o seu modelo.

"Dos cinco republicanos no Senado estadual [num total de 40 membros], ele era o mais discreto e descomprometido. Ele permanece uma entidade desconhecida, um político de quem nada se sabe, e nesse sentido ele é aquilo que o eleitorado quer que ele seja. Um recipiente vazio que as pessoas podem encher com as suas próprias expectativas. Foi essa a chave da sua eleição", escreveu Brian McGrory, colunista do jornal Boston Globe.

O facto de este desconhecido ter conquistado o lugar que Ted Kennedy manteve durante 47 anos e que nunca ninguém sequer sonhou poder alguma vez escapar aos democratas fez dele a nova superestrela do Partido Republicano, que aspira por vitórias ainda mais substantivas nas eleições intercalares de Novembro. Para já, o establishment conservador está radiante com o sucesso de Scott Brown: os seus novos colegas do Senado tratam-no por "41", o número de votos que agora detêm (e que acabou com a supermaioria de 60 dos democratas) na câmara alta do Congresso.

No entanto, há sinais de um relativo desconforto, com o popularíssimo e influente comentador da Fox, Glenn Beck, a dizer que "vai estar de olho" nele: "Não quero ser um desmancha-prazeres para aqueles que consideram que Scott Brown é o novo messias. A sua vitória foi muito importante [para os conservadores], por isso vamos cruzar os dedos e acreditar que podemos confiar nele. Mas Scott Brown é um político... Estou só a avisar."

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