Stompin' at Savoy

Uma constelação de violinistas e violoncelistas talentosos, famosos e também mais ou menos na moda: Pieter Wispelwey, Yo-Yo Ma, Lynn Harrel, Maxim Vengerov, Joshua Bell e Sarah Chang.

O aviso já aqui ficou escrito: perseguir e alcançar as velhas glórias do rico catálogo da Savoy finalmente reeditadas numa nova série à altura do seu estatuto histórico, Savoy Jazz Originals, graças ao trabalho de Orrin Keepnews, tornou-se um trabalho de caçador furtivo. Porque desde que a sua distribuição internacional mudou de mãos (entregue nos USA à Atlantic e à deriva no mercado europeu), os novos Savoys podem aparecer a qualquer hora e em qualquer lugar. As referências agora descobertas pelo SONS têm origens diversas. A concorrência aumenta mas também baralha a oferta e complica a procura."Early Modern" (Savoy 92862; 73' 04"; 1949-54; imp. Lojas VC) colige as primeiras gravações que Milt Jackson fez para a Savoy e que embora não sendo as melhores - essas passam pelas cumplicidades com Lucky Thompson - continuam apetecíveis. Milt é um daqueles raros nomes de quem se pode dizer que sempre que entrou em estúdio saiu com nota alta, numa média que oscila entre o muito bom e o bom. A arrumação não é 100% cronológica: as sessões mais antigas, em 1949 no seio de grupos liderados por Julius Watkins, aparecem depois dos primeiros sinais do Milt Jackson Quartet, um grupo que entraria na história mantendo as iniciais mas mudando de nome - Modern Jazz Quartet, primeiro com Ray Brown e Kenny Clarke, depois com Percy Heath e Al Jones (Connie Kay chegaria mais tarde) e sempre com John Lewis. O espírito único do MJQ já começava a soprar a alma do quarteto (o futuro seria feito mais de acertos e maturidade do que de mudanças ou transformações) e algumas das suas peças emblemáticas já estavam no reportório ("Between the devil and the deep blue sea", "Softly as in a morning sunrise", "Round midnight", "Yesterdays"). Nos grupos de Watkins, o protagonismo do líder, cuja trompa era um caso singular na paleta instrumental do jazz da época, o vibrafonista é um bom actor secundário. E na última sessão, um All Stars dirigido por Kenny Clarke, o assunto é sempre swing + baladas e/ou blues, matérias em que Milt Jackson sempre foi um excelente contador de estórias, logo, um excelente tocador. "Goin' To Minton's" (Savoy 92861; 72' 08"; 1946-47; imp. Virgin Megastore) é um volume decisivo para a reabilitação do nome de Fats Navarro, cuja estatura musical só cabe num lugar: entre os maiores trompetistas de sempre do bebop. Na curta herança que deixou na Blue Note e na Savoy (a tuberculose interrompeu-lhe barbaramente a carreira antes dos 27 anos) está a impressão digital de uma raça de jazzmen e de trompetistas hoje em vias de extinção: um homem iluminado por uma sensibilidade melódica e uma energia musical exemplarmente equilibradas e amplamente patentes na força expressiva, com uma sonoridade "brassy" e uma elegante acutilância rítmica, que habita a maioria das sessões aqui reunidas. Os seus companheiros foram os guerreiros do bebop, Charlie Parker e Bud Powell, Kenny Clarke e Max Roach; o seu patrono, o homem que o hospedou na sua banda e lhe deu algumas das melhores pautas tocadas por Fats, foi Tadd Dameron. Lennie Tristano amou-o mais do que a Dizzy. Meio século depois, entre as tribos do jazz, só os que ainda desconhecem Fats Navarro podem dispensá-lo."The Discovery Sessions" de Art Pepper (Savoy 92846; 72' 27"; 1952-53; imp. Lojas VC) fazem parte do núcleo duro de qualquer ouvido sintonizado no jazz que no final dos anos 40 se tocava na West Coast (foi por essa altura que Parker e Dizzy por lá passaram deixando discórdias e deslumbramentos). Primeira sessão do saxofonista como líder, o quarteto em estúdio no dia 4 de Março de 1952 é um compêndio do jazz que se fazia na costa ocidental com os ouvidos no leste atlântico: Hampton Hawes, Joe Mondragon e Larry Bunker. O "outro" jazz - aquele que as leituras comodistas tornaram "história" identificando-o como "o verdadeiro jazz da West Coast" - viria depois e assoma aqui na derradeira sessão (Agosto de 53) nos contrapontos dos sopros do alto de Pepper e do tenor de Jack Montrose.De um lado e outro, porém, o que fica é a explosiva capacidade emocional de um dos saxofonistas altos mais generosos e "duros" das crónicas jazzísticas. Só um homem que fez da vida um mapa de cicatrizes (a sua autobiografia, "Straight Life", permanece um dos mais devastadores testemunhos da literatura do jazz) pode sobreviver e renascer das cinzas, usando a música como palco de um verdadeiro ritual exorcista. Mesmo conhecendo bem a extensa e muito valiosa discografia de Pepper, a luz que banha "Surf Ride", o disco original da sua estreia, continua a brilhar.A história é conhecida e sabe bem relê-la no duplo "The Adderley Brothers - The Summer of '55" (Savoy 92860; 2h 15'; 1955; imp. Lojas VC): quando chegaram a Nova Iorque no Verão de 55 os irmãos Julian "Cannonball" e Nat Adderley tornaram-se "the talk of the town", mais por força do sax alto de Cannonball, logo colocado à cabeça dos candidatos ao título de "o novo Parker" (Bird acabara de fazer o seu último voo). O palco da revelação foi o Café Bohemia, em Greenwich Village, quando o saxofonista se sentou na banda de Oscar Pettiford e Kenny Clarke e tomou conta da noite. Uma semana depois, os irmãos faziam a sua primeira sessão para a Savoy, levados por Kenny Clarke e ao lado do pianista, um jovem de 27 anos já consagrado, que os acompanhara no Bohemia - o prazer dos blues no piano de Horace Silver ainda hoje é uma das razões para voltar a este disco. Igualmente presentes o saxofonista da banda de Pettiford, o subestimado Jerome Richardson, um trompetista ainda com pouco nome, Donald Byrd, e o homem que, meses depois, se tornaria um pilar dos combos de Miles Davis, o contrabaixista Paul Chambers, então com 20 anos. A sessão seria editada com o título original de "Kenny Clarke: Bohemia After Dark". Quinze dias passados era a vez da estreia de Cannonball como líder com um álbum histórico, "Spontaneous Combustion", quarteto de luxo - Hank Jones e de novo a dupla Chambers/Clarke, além do irmão Nat, que viveria, doze dias depois, o seu próprio baptismo de fogo como "band leader" em "That's Nat". A ausência de Julian, substituído por Jerome Richardson, inaugurou um modelo futuro: a reunião dos irmãos Adderley em estúdio passou a fazer-se, regra geral, no seio do quinteto que partilharam, nunca nas sessões em nome individual de cada um. "That's Nat" é uma boa sessão sintonizada com o espírito do tempo e que nos recorda a injustiça que rodeou a carreira do mais novo dos Adderley. Nat foi um daqueles músicos de palco condenado a um destino ingrato: poucos se lembravam de chamá-lo, mas quando era convocado a sua corneta (instrumento a que se manteria fiel, em detrimento da trompete) soava sempre como um gesto de generosidade de que, depois, não apetecia abrir mão. O jazz está semeado de músicos assim, vozes cuja ausência não deixa um vazio mas cuja partida provoca saudade. Depois dos Savoys, a história dos Adderley precipitou-se. Julian entraria para o sexteto de Miles Davis, juntando-se a Coltrane e aí assinando um dos mais seminais álbuns do jazz, "Kind of Blue". E Nat, depois de passar pelas bandas de J. J. Johnson e Woody Herman, acabaria por reencontrar o irmão, dando início a um dos mais populares quintetos do jazz do pós-guerra.O último volume deste lote dos Savoy Jazz Originals será, muito provavelmente, o menos procurado. Mas é, com certeza, a reedição mais inesperada. Quantos ouvidos se lembram da voz de Little Jimmy Scott ? E entre os que nunca a conheceram, ou a esqueceram, quantos dela se agradarão? Vítima de uma doença hormonal que lhe afectou o natural desenvolvimento do corpo em geral e da voz em particular, Scott é um cantor de extrema ambiguidade, com um timbre que facilmente se confunde com uma voz feminina. Desse facto se ressentiu a sua carreira, iniciada nos anos 40 (Scott nasceu em 1925) e que teve o primeiro momento de maior visibilidade em 1948, quando se juntou à banda de Lionel Hampton. As suas primeiras gravações a solo, feitas para a Roost, datam dos primeiros anos 50 e abrem a caixa de três compactos agora produzida por Orrin Keepnews - "The Savoy Years And More..." (Savoy 92857; 3h 13'; 1952-1975; imp. Virgin Megastore) - e que constitui uma rara oportunidade para medir a real valia artística de Jimmy Scott, um excelente intérprete-actor de canções, daquela velha escola em que cada palavra pesa rigorosamente o seu próprio sentido. Uma realidade que se terá tornado mais evidente depois da sua ressurreição nos anos 90, agora com o apoio da máquina promocional da Warner. Mas injusto será não sentir que o barro do actual êxito de Scott já existia no período da sua associação à Savoy, a partir de 1955. Um ciclo de gravações enriquecido pela presença, mais ou menos assídua, de nomes como o grande saxofonista Budd Johnson, os guitarristas Mundell Lowe, Mickey Baker e George Barnes, os contrabaixistas Charles Mingus, Wendell Marshall e George Duvivier, além de Kenny Clarke ou Dave Bailey. À beira dos 75 anos, Jimmy Scott continua a ser o que já era nos anos Savoy: um exemplo de paixão e honestidade musicais.

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