A guerra está à porta e depois virá a paz
Ao chegar à capital do hiperpoder, vindo de uma Europa dividida, deparo-me com três situações. Washington está em guerra. Washington vai para a guerra. E Washington começa a pensar na paz para acabar com ambas as guerras. As pessoas precisam de despertar para estes três aspectos.Há alguma confusão aqui entre as duas guerras. Por vezes, quando os cidadãos dizem "a guerra", referem-se à guerra ao terrorismo, que ainda vivem intensamente no quotidiano. Outras vezes querem dizer "a guerra contra o Iraque", que está prestes a começar.A conclusão mais premente a tirar é a de que Washington vai entrar em guerra contra Saddam. A declaração solene deste de que não tem mais armas de destruição maciça é um choque para aqueles que ainda esperavam ser possível uma solução pacífica e uma bênção para os que pensam que o único caminho para o desarmamento eficaz é derrubá-lo pelas armas. Das conversas que tive com pessoas próximas da administração Bush, e dentro da própria administração, fiquei com a nítida sensação de que esta guerra é apenas uma questão de quando e como, e não de se haverá guerra ou não. No relatório de 12 mil páginas enviado às Nações Unidas, Saddam assinou a mais longa nota de suicídio da história. Se possível, a administração pretende contar com apoio multilateral e da ONU para a operação, pelo que o Iraque deixará os inspectores da ONU entrar em todo o lado para evitar dar argumentos aos EUA. Mas fontes dos serviços secretos garantem que Saddam está novamente a mentir e, caso seja necessário, partilharão alguma da sua informação secreta para obterem o apoio do Conselho de Segurança e das opiniões públicas.Em Washington ouvi repetir, na boca de americanos, todas as alegações feitas por europeus antiamericanos - ou supostamente antiamericanos. Que Bush está a fazer isto para desviar as atenções dos problemas económicos internos. Que é por causa do petróleo. Que quer terminar o trabalho que ficou por fazer na guerra do Golfo da primeira administração Bush. Que é uma vingança pessoal para derrubar "o homem que tentou matar o seu pai". Que vão atrás de Saddam porque não conseguem encontrar Osama bin Laden. Que é uma guerra tanto para Israel de Sharon como para os Estados Unidos. Que se trata de vencer as próximas eleições presidenciais, à semelhança do que sucedeu nas eleições intermédias de Novembro, onde os republicanos obtiveram uma vitória retumbante.Ouvi também justificações para a guerra na boca de gente de esquerda com um forte historial de defesa da intervenção humanitária na Bósnia, no Kosovo e noutras regiões. Saddam é culpado de genocídio e já usou armas de destruição maciça contra países vizinhos e contra o seu próprio povo. Há pois um perigo real de ele as usar novamente, o que torna legítima a intervenção. A única forma segura de o desarmar é depô-lo.Mas aquilo que mais me surpreendeu foi até que ponto pessoas dentro e próximas da administração Bush vêem esta futura guerra como parte da actual guerra contra o terrorismo. Quando digo "Washington está em guerra", não estou apenas a usar a palavra "Washington" como uma abreviatura diplomática para dizer os Estados Unidos - como em "Londres insiste" ou "Paris objecta". Refiro-me a Washington, esta cidade, actualmente gelada, acolhedora, mas com um único objectivo no Potomac.Na América rural profunda do Kansas e do Missouri, num fim-de-semana de Dezembro, perguntei aos agricultores, estudantes, crianças das escolas e aos clientes do casino das noites de sexta-feira se sentiam que estavam em guerra. As respostas iam desde um hesitante "não propriamente" até "bem, mais ou menos". Aqui, na capital da nação, a resposta é um retumbante "sim", com um olhar que diz "que estranha pergunta". É claro que estamos em guerra.À mesa, à hora da refeição, todos têm a sua história do 11 de Setembro: a corrida em pânico para a escola para ir buscar os filhos, a caótica evacuação do escritório, a coluna de fumo que saía do Pentágono, os rumores alarmistas. Embora ainda não tenha havido o segundo ataque terrorista que esperavam, todos acham que é apenas uma questão de tempo. Quando aqui vivi um ano, nos anos 80, Washington era uma cidade irreal. Todos os problemas do mundo - guerra, fome, doenças, revolução - eram discutidos ao pequeno-almoço, almoço e jantar, mas nenhum deles afectava o confortável dia-a-dia dos luxuosos gabinetes e dos aprazíveis subúrbios. Desde o 11 de Setembro, isso mudou. As vidas pública e privada fundiram-se dramaticamente. E quanto mais perto se está do centro do poder mais alarmado se fica com a miríade de cenários plausíveis para ataques terroristas. "É verdadeiramente aterrador quando começamos a ver em pormenor", disse-me um alto-funcionário. Por isso, qualquer que seja a verdade analítica, e por mais remota que esteja da realidade de uma guerra como a que assistimos na Bósnia e no Kosovo, Washington sente-se em guerra. Isto é um facto municipal de importância mundial. Mas Washington não se limita a ficar sentada e aterrorizada. Prepara-se para uma guerra contra o Iraque, que vê como parte da actual guerra ao terrorismo. Consciente de ser a capital imperial da maior potência da história mundial, também começa a pensar no caminho futuro para a paz que porá termo as estas duas guerras. Uma administração que iniciou o mandato afirmando-se ideologicamente contra o envolvimento dos Estados Unidos na chamada "nation-building" está agora totalmente empenhada nessa mesma "nation-building" no período pós-invasão (ou, se preferirem, pós-libertação) do Iraque.Mas isto é apenas para principiantes. O novo, democrático e próspero Iraque será um modelo e um chamariz para os seus vizinhos, tal como a Alemanha ocidental e Berlim ocidental foram para os seus vizinhos oprimidos na guerra fria. Os analistas falam em encorajar uma revolução de veludo para democratizar o Irão. Por outro lado, há o aliado rico, mas com um regime autoritário, a Arábia Saudita, de cujos poços islamistas wahabitas - poços de ódio junto aos poços de petróleo - brotaram muitos dos terroristas que atacaram os Estados Unidos no 11 de Setembro. Ninguém na administração Bush o afirma publicamente, mas há uma lógica clara que segue da democratização do Iraque à da Arábia Saudita. Se se querem ver livres dos mosquitos islamistas, têm de drenar o pântano. É isso que se diz nos corredores e antecâmaras do poder sobre o plano wilsoniano de redesenhar o Médio Oriente, comparável em ambição apenas ao projecto para a Europa de 1919 e 1949. Os europeus cansados e os habitantes da região poderão duvidar tanto do realismo deste projecto embrionário como da capacidade de os Estados Unidos o concretizarem. Faríamos melhor se pensássemos na forma como aplicá-lo e aperfeiçoá-lo.Professor no St. Antony's College, OxfordExclusivo PÚBLICO/"The Guardian"