Morreu o Sapal, o mais jovem golfinho do Sado
Cria tinha poucas semanas de vida. Corpo vai ser submetido a uma necrópsia para apurar as causas da morte.
Ainda tinha a barbatana dorsal ligeiramente dobrada, devido ao tempo (12 meses) passado no útero da mãe, a Ligeiro. Foi ela que deu o alerta na sexta-feira à tarde. “Vimos a mãe a tentar manter a cria à superfície, a fazer o ritual da morte”, como se estivesse a empurrá-la para a ajudar a respirar, descreve Pedro Narra, da empresa Vertigem Azul, que faz observação de golfinhos no Sado.
Os rituais continuaram até ao dia seguinte, conta, descrevendo um cenário “triste”, que “parecia um funeral”. O irmão do Sapal acompanhava a mãe enquanto esta tentava em vão reanimar a cria. Por volta do meio-dia, os técnicos da Reserva Natural decidiram retirar da água o corpo do golfinho, que deverá agora ser submetido a uma necrópsia, para apurar as causas da morte. O problema é que, regra geral, "os resultados demoram a aparecer e são quase sempre inconclusivos", lamenta Pedro Narra.
“Os sons emitidos pela mãe ouviam-se fora de água”, recorda. A Ligeiro ficou perto da embarcação até não poder mais . “No dia seguinte apareceu o Asa, acho que ouviu os sons e veio ao funeral”, acredita o responsável da Vertigem Azul. O Asa voltou ao estuário onde já foi uma estrela – há 14 anos foi içado por um helicóptero da Força Aérea, resgatado de um esteiro onde tinha ficado preso, tudo filmado pelas câmaras de televisão. Como ele, voltaram também outros dois roazes que já não eram vistos desde Junho. “Já só falta o Guilhas.”
Não é a primeira vez que morre uma cria no estuário do Sado, onde se encontra a única população de golfinhos residente em Portugal. Mas cada caso é visto com preocupação por quem acompanha e chama pelo nome os roazes-corvineiros [Tursiops truncatus]. O Sapal teria poucas semanas de vida – foi visto pela primeira vez no dia 7 – e as crias recém-nascidas são muito sensíveis, tal como as mães. “É como uma mulher que dá à luz, se tem um momento de stress pode perder o leite. Eles têm que mamar e o stress é prejudicial”, lembra Pedro Narra.
Durante o Verão não faltam barcos no estuário à procura dos golfinhos. Às embarcações com licença marítimo-turística somam-se os barcos de recreio de particulares. E nem sempre se respeitam as normas do regulamento: por exemplo, manter uma distância de 30 metros em relação ao grupo de golfinhos mais próximo, não ficar mais do que 30 minutos junto aos animais e não exceder a sua velocidade de deslocação. Há também quem se queixe da falta de fiscalização por parte das autoridades marítimas.
Quando deu a notícia do nascimento do Sapal, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) lembrava que as primeiras semanas são cruciais para a sobrevivência dos golfinhos, pelo que “não é desejável que um grande número de embarcações permaneça nas proximidades do grupo”.
O ICNF pedia ainda que as observações de cetáceos, uma das actividades que mais atrai os turistas ao Sado, na região de Setúbal, fossem dirigidas a outros roazes nos próximos tempos.
Contactado nesta segunda-feira pelo PÚBLICO, o ICNF confirmou a morte do Sapal e o ritual descrito por Pedro Narra: "o corpo do roaz estava a ser transportado pela progenitora que se afastava sistematicamente das embarcações que se tentavam aproximar."