Economia verde com futuro nublado?
Como não existe enquadramento legal, o “negócio das sementes” pode florescer, mas provavelmente delapidando as populações vegetais.
Se neste documento se contempla e muito bem o espaço urbano é, porém, omisso o espaço agrícola. Fala-se em gestão florestal, mas esquecem-se os matos e a gestão agrícola. A agricultura é uma das actividades económicas com mais impactes, sobre-explorando o solo, alterando a qualidade da água e do ar, apesar de poder também assegurar nichos de biodiversidade. Os agricultores que recebem apoios financeiros ficam sujeitos à condicionalidade obrigatória, desde que a área da exploração agrícola inclua um habitat protegido pela lei. No caso de possuir espécies protegidas legalmente pela Directiva Habitats, a situação complica-se. A sua existência terá de ser devidamente mapeada e, embora haja biólogos competentes em consultoria ambiental, nem sempre são os técnicos especializados a realizar o trabalho. Por outro lado, os prazos e montantes envolvidos são quase sempre incompatíveis com uma boa execução. Não será tanto um problema de mercado, mas antes de fiscalização a quem produz resultados e de incentivos financeiros a quem é obrigado a pagar.
Os três grandes pilares em que assenta este Compromisso – i) desenvolvimento das actividades verdes; ii) eficiência dos recursos; e iii) protecção ambiental – apontam apenas soluções a jusante. Para existirem actividades verdes que permitam a melhor eficiência dos recursos e protecção do ambiente, terá de haver investimento em conhecimento científico e em pessoal especializado. A aposta em prestação de serviços pode resultar no imediato, porque são antigos bolseiros cansados da precariedade do emprego científico que asseguram este trabalho. Mas a médio e longo prazo o investimento na formação e especialização, que cabe às universidades, acaba por se perder, porque são consideradas áreas “pouco científicas” para os rankings. É a perversidade do sistema. A falta de botânicos e especialistas nestes domínios científicos menos competitivos é um alerta que cobre as páginas da conceituada revista Nature. Constroem-se pilares com pés de barro, porque não são asseguradas as bases que permitam implementar as políticas adequadas. Nem sequer a sua fiscalização. Cometem-se erros em actividades ligadas à protecção do ambiente, por ausência de ética pública. Se se estabelece um compromisso, o seu cumprimento deverá ser fiscalizado e punido o incumprimento.
Sempre que se fala em eficiência de recursos ou protecção ambiental, está sempre subjacente a tónica da energia, das renováveis, da redução das emissões de gases com efeito de estufa e a alteração climática. Se os leitos dos rios deixarem de ser condicionados e a paisagem — florestal, matos, agrícola ou urbana — for gerida por forma a salvaguardar a biodiversidade, os serviços dos ecossistemas serão mantidos, as emissões de gases reduzidas e as alterações climáticas minimizadas. Menciona-se a necessidade de assegurar a convenção da biodiversidade, mas pouco se explica como é que Portugal irá respeitar esse compromisso europeu. O que significa ter um número de espécies e de habitat em estado de conservação “favorável” em cada região biogeográfica? Quem vai fazer o levantamento e a fiscalização da veracidade dos dados reportados? O Instituto de Conservação Natureza e Florestas (ICNF) que mantém a erosão em recursos humanos? Para além da conservação em cada região há uma forte omissão na exigência de, em 2020, 75% da flora ameaçada autóctone ter de estar conservada em banco de sementes devidamente acondicionado, para conservação a longo prazo. Portugal possui dois bancos de sementes internacionalmente reconhecidos: o banco português de germoplasma vegetal do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, situado em Braga, que conserva essencialmente sementes de cultivares agrícolas ou arvenses, e o banco de sementes da flora autóctone presente no Jardim Botânico da Universidade de Lisboa. São as actividades deste último, reportadas anualmente ao ICNF, que asseguram o cumprimento dos compromissos nacionais de conservação ex situ. No entanto, é este cuja sobrevivência está presentemente ameaçada. A curadoria foi, durante anos, assegurada por bolsas cujo regulamento não prevê a renovação sucessiva e indefinida e os incentivos e preocupações ambientais não justificam o investimento, por parte da instituição, em recursos humanos especializados. São justificações perante o injustificável, que afastam técnicos com vários anos de formação, apenas apreciados e agraciados a nível internacional.
Paralelamente, como não existe enquadramento legal, o “negócio das sementes” pode florescer, constituir uma actividade verde, feita em nome da necessidade de criar uma marca .pt, mas provavelmente delapidando as populações vegetais, porque é realizada sem critérios científicos sobre a preservação da diversidade genética das populações e que pode conduzir à sua extinção. Estou em crer que não era este o resultado final que o Compromisso para o Crescimento Verde pretendia. Mas é o que pode acontecer.
Professora catedrática da Universidade de Lisboa