Da bica ao croquete, um exemplo de reciclagem

Reaproveitamento da borra de café para produzir cogumelos inspira vários projectos.

Os cogumelos surgem como se brotassem de um tronco de árvore
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Os cogumelos surgem como se brotassem de um tronco de árvore DR
Da bica ao prato, reutilizando a borra do café
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Da bica ao prato, reutilizando a borra do café DR

É num armazém meio escondido entre sebes, numa pequena propriedade rural perto de Alkmaar, 60 quilómetros a norte de Amesterdão, que Jan Willem Jansen, dono da distribuidora Ignite Films, põe em prática a sua ideia.

Ali dentro, em câmaras especiais que garantem a temperatura e a humidade certas, produzem-se 350 quilos de cogumelos por semana, aproveitando um lixo que qualquer mortal urbano conhece bem: a borra do café.

Não é um projecto pioneiro. Há já muitas iniciativas semelhantes, inclusive em Portugal. Mas neste caso, conseguiu-se juntar elos suficientes para se obter um ciclo completo, em que a própria rede de cafés e restaurantes que se quer desfazer daqueles resíduos adquire e revende o produto da sua reciclagem.

A ideia nasceu de um problema. Desde 1999  que a mulher de Jan Jansen mantém um orfanato com 72 crianças no Zimbabwe. Confrontada com a dificuldade de acesso a produtos básicos, a instituição começou a plantar parte da sua comida, incluindo cogumelos, cultivados num substrato de palha de café. Numa visita ao local, Jan Jansen imaginou que seria possível adaptar a ideia à realidade da Holanda, onde, como em qualquer país europeu, diariamente são servidos milhões de cafés.

Daí nasceu a Green Recycled Organics (GRO), que agora processa semanalmente 2500 quilos de borra de café, recolhidos em restaurantes da rede holandesa La Place, com quem foi estabelecida uma parceria.

Os próprios restaurantes separam o material em baldes plásticos, que depois são recolhidos e encaminhados para a GRO, perto de Alkmaar. A partir daí, o processo é simples. Ao pó já usado são adicionados esporos de cogumelo ostra (Pleurotus ostreatus). A mistura fica a incubar durante quatro semanas, em grandes sacos plásticos cilíndricos, pendurados numa espécie de estufa. Depois, passam para outro recinto onde, em dez dias, de cortes feitos nos sacos vão emergindo os cogumelos, como se brotassem de um tronco de árvore.

A colheita é vendida a 5-6 euros o quilo para a própria rede La Place, que a utiliza ou revende. A GRO dá ainda um passo suplementar, produzindo croquetes vegetarianos com os cogumelos, com uma marca própria, que também vai parar aos pratos e prateleiras da La Place.

Na prática, uma bica tomada num dos seus restaurantes acaba por retornar sob a forma de novo alimento. “Isto é a economia circular”, resume Jan Jansen.

70.000 toneladas
A quantidade de pó que sai da máquinas de café e vai normalmente para o lixo não é insignificante. Em Portugal, este tipo de resíduos soma algo entre 65 e 70 mil toneladas por ano, segundo João Cavaleiro, que desde 2012 mantém um projecto semelhante à GRO. Neste caso, são pequenas caixas vendidas em lojas gourmet e outros estabelecimentos, com a borra de café já inoculada com os esporos e pronta a produzir.

A ideia é pôr os cidadãos a produzirem os cogumelos em casa. “Serve também para combater uma cerca micofobia [aversão aos fungos] que existe em Portugal”, afirma Cavaleiro, um biólogo de 32 anos que se juntou a mais dois parceiros, Tiago Marques e Rui Apolinário, neste projecto nascido em Almeirim.

Por mês são recolhidas cerca de duas toneladas de borra nos restaurantes da região, que resultam em 1500 a 1600 caixas EcoGumelo.

Seja em grandes sacos ou pequenas caixas, depois dos cogumelos terem sido colhidos, a borra volta a se transformar num resíduo, que no entanto pode ser utilizado em vasos ou hortas. “É um bom fertilizante”, diz Fernando Castro, de outra empresa portuguesa que produz caixas para a produção doméstica de cogumelos, a CogusBox. São 300 por semana, cada qual contendo um quilo de borra de café, mas também restos de cartão e de rolhas, que também são bons substratos. “Há empresas que pagam para se verem livres do cartão”, afirma Fernando Castro.

A reciclagem – ou antes reutilização – dos produtos associados a uma simples bica também se estende às embalagens, como as que Alessandro di Lella, um holandês filho de italiano, recolhe junto de diversos estabelecimentos de restauração em Haia. Uma vez limpas, abertas e alisadas, são costuradas em forma de malas e sacolas, vendidas como artigos de moda, a preços que começam nos 20 euros.

“Se enviássemos isso para ser produzida algures na China, custaria menos”, diz Lella. “Mas dessa forma não estaríamos a salvar o ambiente”.

O jornalista viajou à Holanda a convite da Embaixada Holandesa em Lisboa.

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