Consumo de peixe em Portugal é dos mais prejudiciais ao planeta
Depois dos alertas da OMS sobre o perigo da ingestão das carnes transformadas, um relatório que é hoje divulgado avisa que o elevado consumo de peixe em Portugal também pode ser um problema ambiental.
Portugal é o país mediterrânico cuja alimentação mais faz mal ao planeta. E, por irónico que pareça, a maior culpa é do elevado consumo de peixe – um alimento saudável.
Esta conclusão surpreendente resulta de um estudo publicado esta quinta-feira pela Global Footprint Network, a organização responsável pelos cálculos da “pegada ecológica”. Este indicador representa a área da Terra necessária para produzir o que cada pessoa consome ou necessita, dos alimentos a roupa, dos combustiveis a edifícios.
Para Portugal, este valor é de 4,5 hectares por habitante. É o quarto país mediterrânico com a maior pegada ecológica, depois de França, Eslovénia e Itália.
Mas na alimentação, o país lidera o ranking. Cerca de 1,5 hectares de terra ou mar são necessários para garantir o almoço, o lanche e o jantar dos portugueses. Ninguém necessita de tanto espaço produtivo para matar a fome entre os países do Mediterrâneo, região sobre a qual incide o estudo. A seguir vêm Malta (1,25 hectares por pessoa), Grécia (1,22) e Espanha (1,15).
Dois factores contribuem para este resultado. O primeiro é simples: em Portugal, come-se muito. A FAO – a agência das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura – recomenda como saudável uma dieta diária de 2500 quilocalorias por pessoa. Em Portugal, consomem-se 3500 – 40% a mais. “Isto não é exclusivo de Portugal. Encontramos valores similares noutros países, como Espanha, Grécia e Itália”, afirma Alessandro Galli, director da Global Footprint Network para a área do Mediterrâneo.
O segundo factor encerra uma grande ironia. Portugal é um dos países com maior consumo per capita de peixe no mundo – um dado positivo pelo lado da saúde. Mas o apetite nacional dirige-se muito para espécies de topo, como o bacalhau e o atum, que requerem mais recursos para se desenvolver.
O atum, explica Alessandro Galli, alimenta-se de sardinhas, que por sua vez se alimentam de plâncton, os minúsculos organismos em suspensão na água. Na prática, é preciso uma área muito maior da plataforma continental para produzir o plâncton necessário para um peixe num elo superior da cadeia alimentar. “O impacto do consumo de um quilo de atum equivale ao de dez quilos de sardinhas”, explica Alessandro Galli.
A importação também pesa. Em 2014, 481 mil toneladas de pescado vieram de fora, contra 283 mil toneladas da exportação, segundo dados oficiais.
Dizer que comer peixe faz mal à Terra é mais uma má notícia para a mesa nacional. Na segunda-feira, a Agência Internacional de Investigação do Cancro da Organização Mundial de Saúde anunciou ter classificado as carnes processadas – como chouriços, presuntos e bacon – como produtos cancerígenos. As autoridades nacionais de saúde apressaram-se a esclarecer que o importante é garantir o uma dieta equilibrada.
No caso do pescado, Alessandro Galli diz que não está em causa deixar de os comer, mas sim escolher melhor. “A minha recomendação é comer peixe mas diversificar, preferir peixes em posição mais baixa na cadeia alimentar, como as sardinhas”, diz.
Porém, neste momento, a maré também não está para as sardinhas. O stock ibérico desta espécie nunca esteve tão baixo e os cientistas dizem que no próximo ano não se deve capturar mais do que 1600 toneladas nos mares de Portugal e Espanha – apenas 10% da quota de 2015. Mas outras espécies, como o carapau e a cavala, são hoje mais abundantes.
Os dados agora divulgados são uma nódoa na imagem positiva dos hábitos alimentares do Mediterrâneo. Alessandro Galli argumenta, porém, que a verdadeira dieta mediterrânica é composta sobretudo de produtos como legumes, verduras, cereais e azeite, com consumo moderado de carne ou peixe.
“O meu argumento é o de que a dieta mediterrânica é boa para o ambiente, mas acabámos por nos afastar um pouco dela”, afirma.
Com o peso da alimentação, Portugal vai muito além da sua capacidade biológica de satisfazer o consumo dos seus habitantes. A pegada ecológica é de 4,5 hectares por pessoa, mas o país só tem 1,3 hectares produtivos per capita.
A meta não é ser auto-suficiente, algo que seria impossível para a generalidade dos países. Mas, para a Global Footprint Network, cada nação deveria ter como guia a biocapacidade global para sustentar o consumo dos seus habitantes, que é de 1,8 hectares por pessoa.