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Clima: os avisos e a inacção

Como explicar a inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre o clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?

As últimas cidades beneficiadas pela invasão de uma multidão de delegados nacionais, políticos, jornalistas, membros de ONG e cientistas foram Copenhaga, Cancun, Durban e, este ano, Doha, no Qatar, país que tem o recorde das emissões de gases com efeito de estufa per capita (55 toneladas de CO2 equivalente por ano e por pessoa em 2005).

A COP 15 de Copenhaga gerou uma grande expectativa e esperança, mas os resultados finais foram esqueléticos. Desde então o clima nas COP mudou muito, mas o ritual continua num mundo em acelerada transformação social, financeira e económica.

Mas há outra transformação no sistema terrestre e em particular num dos seus subsistemas, o sistema climático, que está também a acelerar. As duas transformações, uma nos sistemas humanos, outra nos sistemas naturais, estão perigosamente ligadas por relações de causa e efeito em ambos os sentidos.

Entretanto os cientistas vão procurando fazer o seu trabalho de análise do sistema climático, do clima futuro e dos impactos das alterações climáticas antropogénicas nos vários sectores socioeconómicos e sistemas biofísicos. Recentemente, em Novembro, foram publicados dois artigos e um relatório que penso serem importantes para compreender melhor a nossa situação actual e futura.

Comecemos por aquele que diz respeito ao oceano e às regiões costeiras, onde vive cerca de 40 % da população mundial a menos de 100km do mar, ou seja, cerca de 2900 milhões de pessoas. O nível médio do mar subiu mais de 20 cm desde os tempos pré-industriais até 2009. Qual a razão desta subida? A mais importante actualmente é a dilatação térmica da camada superficial dos oceanos que estão a aquecer devido ao aumento da temperatura média global da atmosfera. A segunda razão é o degelo dos glaciares das montanhas e a terceira, a mais preocupante e mais difícil de estudar, é a fusão dos campos de gelo na Gronelândia e na Antárctica.

Esta terceira componente foi analisada, utilizando novas tecnologias de observação, por 47 cientistas de 26 centros de investigação e publicada na Science em 30 de Novembro. A conclusão principal é que o degelo das calotes polares entre 1992 e 2011 contribuiu 11,1 mm para a elevação do nível médio do mar, o que corresponde a cerca de 1/5 da subida total. Actualmente derretem em média num ano 344 mil milhões de toneladas de gelo, 76% na Gronelândia. O ritmo de fusão dos campos de gelo polares está a acelerar, sendo actualmente três vezes superior ao da década de 1990. Isto significa que é cada vez mais provável termos um aumento do nível médio do mar no fim do século próximo de um metro.

Mas o problema não fica por 2100! O nível médio do mar continuará a subir aceleradamente se não conseguirmos reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Todos estes avisos são especialmente importantes para Portugal, onde o risco de erosão, perda de terreno e inundação se irá agravar com a subida acelerada do nível médio do mar.

O segundo artigo analisa os efeitos fisiológicos da seca em 226 espécies de árvores em 81 locais através do globo com diferentes tipos de floresta, envolveu 25 centros de investigação, e foi publicado na Nature em 21 de Novembro. As árvores de todo o mundo transportam diariamente milhares de milhões de litros de água do solo para a atmosfera por meio de um sistema vascular muito complexo e sensível às condições climáticas. O artigo conclui que a maioria das espécies de árvores observadas está com o seu sistema hidráulico perto do limite de segurança, o que as torna muito vulneráveis às situações de seca.

Este resultado é importante por ser muito provável que a temperatura e as secas aumentem à escala global com as alterações climáticas. Para as árvores e para o sistema terrestre as consequências de secas mais prolongadas e temperaturas mais altas são potencialmente dramáticas. As florestas tenderiam a passar de sumidouros para emissores de CO2 e as perdas de biodiversidade seriam muito elevadas. Também neste caso estamos perante um sério aviso para Portugal, dada a vulnerabilidade das nossas florestas às secas, às temperaturas mais elevadas e aos fogos.

O terceiro estudo é um relatório do Banco Mundial intitulado “Turn down the heat. Why a 4ºC warmer world must be avoided”,  publicado também em Novembro. Com o actual ritmo de emissões para a atmosfera vamos ultrapassar 2ºC de aumento da temperatura média global, e chegar próximo dos 4ºC. O relatório faz uma análise detalhada das consequências desse aumento em vários sectores socioeconómicos e conclui que os impactos seriam muito gravosos, especialmente para os países menos desenvolvidos.

O conhecimento existe, os decisores políticos e o público em geral estão melhor informados e avisados. Como explicar então a inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre o clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?

Os delegados e os membros de Governo que participam nas reuniões não desempenham prioritariamente o papel de evitar uma interferência antropogénica perigosa sobre o sistema climático, nem de defender as gerações futuras, aquelas que irão sofrer mais as consequências desastrosas daquela interferência. Defendem em primeiro lugar os interesses nacionais dos países que representam e que obedecem a preocupações e agendas de curto prazo, agravadas pela actual crise financeira e económica de origem ocidental, mas que tende a globalizar-se.

Será necessário primeiro reconhecer que pertencemos a uma sociedade global sujeita a riscos globais, na qual a solidariedade activa entre todos deve ser prioritária.

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