Um espanta-espíritos à porta do n.º 195 da Avenida da Liberdade
Passos Coelho recusou tratar o BES com a reverência com que anteriores governos trataram o banco.
Não é de hoje que o banco e o grupo Espírito Santo são notícia nos jornais e nem sempre pelas melhores razões: Operação Furacão, Face Oculta, os sobreiros da Portucale, as contrapartidas da compra de submarinos, a Escom, ... pausa para respirar… Mensalão, Monte Branco, o alegado desaparecimento no BES Angola de cerca de cinco mil milhões de euros e, mais recentemente, a notícia de que as contas da holding familiar teriam sido maquilhadas. Isto, para além do facto de Salgado ter sido obrigado a corrigir a sua declaração de rendimentos, várias vezes, e de alegadamente ter recebido uma comissão de 8,5 milhões de euros do construtor José Guilherme por apoio aos negócios deste em Angola.
Durante anos, o grupo lá foi disfarçando o que havia para disfarçar. Os dividendos que o banco ia gerando garantiam que nada faltava aos 300 elementos da família. O banco e a família Espírito Santo não tinham uma protecção divina, mas alguma protecção teriam. E começaram a perdê-la quando Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque recusaram tratar o banco com a reverência com que anteriores governos o trataram. Adjudicaram a privatização da EDP à consultora Perella, apesar dos protestos do BES. E recusaram que a Caixa liderasse um consórcio bancário para emprestar 2,5 mil milhões de euros às holdings da família. O Governo esteve bem, mas não foi Passos quem tramou a família. Passos limitou-se a não fazer aquilo que o Governo de Sócrates permitiu que se fizesse na altura da guerra no BCP, ou seja, que a CGD fosse usada para financiar a compra de votos numa guerra de poder num banco.
Quem tramou Ricardo Salgado foram os amigos e os primos. Salgado comprou uma guerra com Pedro Queiroz Pereira, quando o banco apoiou a irmã numa disputa familiar pelo controlo da Semapa. Muito do que se sabe hoje do BES sabe-se porque Queiroz Pereira quis que se soubesse. Mas o presidente da Portucel não é o único amigo que deixou de ser amigo. A escolha de Álvaro Sobrinho para liderar o BES Angola também foi um tiro no pé. O Expresso noticiou que “desapareceram” 5,7 mil milhões de dólares do BESA durante a gestão de Sobrinho. Percebe-se que uma moeda de um euro possa desaparecer, se o bolso das calças estiver roto. Para desaparecerem 5,7 mil milhões é preciso ter um grande buraco nas calças. Álvaro Sobrinho incompatibilizou-se com Salgado e muito do que se sabe hoje sobre o BES sabe-se porque Sobrinho, que entretanto investiu na comunicação social em Portugal, quis que se soubesse.
Ricardo Salgado foi ficando cada vez mais isolado e José Maria Ricciardi achou que tinha chegado a hora de ocupar a cadeira do primo e começou uma guerra dentro da própria família. Muito do que sabe hoje sobre o BES sabe-se porque Ricciardi quis que se soubesse.
Neste processo é preciso realçar o papel do governador do Banco de Portugal, que até agora tem gerido a crise no banco com pinças, para não provocar um pânico desnecessário num sector sensível, mas com a firmeza necessária ao ponto de obrigar que todos os membros com o apelido Espírito Santo ficassem fora da gestão executiva do banco. Só que ainda continuam muitas pontas soltas.
O conselho superior da família escolheu Amílcar Morais Pires como sucessor de Ricardo Salgado. A grande vantagem de Morais Pires são os 28 anos de casa. E a grande desvantagem são os 28 anos de casa. Se o Banco de Portugal não considera Salgado apto para gerir o banco, vai aceitar que o seu braço direito o possa gerir? Morais Pires era o administrador financeiro do BES numa altura em que foram detectadas irregularidades. Se não sabia de nada, é preocupante. Se sabia de tudo, mais preocupante é. Se aconteceram irregularidades no banco ou nas holdings, a culpa não pode morrer solteira ou ser carregada apenas por um contabilista que tem o sugestivo nome de Francisco Machado da Cruz.
Como o Banco de Portugal não deixa que alguém com o apelido Espírito Santo possa entrar na sala da administração do BES, a família propôs que se ocupe a sala ao lado e se crie um novo órgão, o conselho estratégico, para albergar todos os elementos da família que foram corridos da administração do banco. Se os elementos deste conselho estratégico não estão aptos para gerir o dia-a-dia do banco, será que estão aptos para delinear a estratégia do BES? É algo sobre o qual Carlos Costa ainda terá de se pronunciar. O Banco de Portugal terá de dizer de forma clara se os elementos da família e os administradores que geriram o BES nos últimos anos estão ou não estão aptos para gerir e interferir na vida do banco. Não chega colocar um espanta-espíritos à entrada do banco. Já se percebeu que há quem não se importe de entrar pela porta das traseiras.