UE completa maior projecto de integração europeia desde a criação do euro
Os dois primeiros pilares da união bancária europeia estão a postos, mas ainda falta o terceiro.
O processo ficou concluído com uma votação no Parlamento Europeu (PE) de um pacote legislativo que encerrou dois anos de intensas negociações com os governos da UE para a criação das duas primeiras etapas de uma nova união bancária europeia.
Mesmo se os críticos consideram as novas regras complexas e insuficientes, a verdade é que a nova união bancária vai operar uma verdadeira revolução na gestão do sector financeiro: os poderes de supervisão (vigilância) dos bancos e de decisão sobre a liquidação dos que estiverem em risco de falir, a par do financiamento dos respectivos custos, vão ser transferidos da responsabilidade nacional, como era o caso até agora, para o nível europeu, que centralizará todo o processo.
Isto significa que o que aconteceu na crise financeira de 2008/2009, em que cada país da UE socorreu de forma isolada os seus bancos falidos, com sérios custos para os seus cidadãos em termos de políticas de austeridade para reduzir as dívidas assumidas, vai passar a ser feito de forma colectiva e com base nas mesmas regras.
“A união bancária não é uma bala de prata que vai resolver tudo (...), mas esperamos que crie um verdadeiro mercado que permita que o crédito às pequenas e médias empresas seja concedido de forma mais fácil e a taxas mais competitivas do que tem sido desde a crise”, afirmou Elisa Ferreira, eurodeputada socialista portuguesa, que pilotou as negociações com os governos em nome do PE.
Isto porque, frisou, “nos Estados que são vistos como mais frágeis os seus bancos absorvem a fragilidade do país, porque se pensa que têm menor probabilidade de serem salvos, porque o seu país não é tão forte como outros. Por essa razão, estes bancos têm maior dificuldade em obter eles próprios crédito e conceder crédito suficiente ou em condições aceitáveis para a economia”, justificou.
O primeiro passo da união bancária foi dado há um ano com a decisão dos governos de transferir para o Banco Central Europeu (BCE) a responsabilidade pela supervisão dos principais bancos, que passarão a ser vigiados com base em regras comuns. Este passo permitirá acabar com a tendência habitual dos supervisores nacionais de esconder os “podres” dos “seus” bancos, o que continua a pesar sobre a credibilidade do sistema bancário europeu.
Se e quando o BCE decretar que um banco está em riso de falir, entra em cena o segundo pilar da união bancária – o processo de “resolução” (liquidação ou reestruturação da instituição) – que foi formalmente aprovado esta terça-feira pelo PE depois de longos meses de negociações com os governos da UE.
A partir do sinal de alarme do BCE, um “conselho de resolução” formado pelos reguladores nacionais dos países onde o banco a liquidar opera, mais cinco personalidades permanentes, terá a responsabilidade de aprovar um plano para a resolução da instituição.
Os custos deste processo serão antes de mais assumidos pelos accionistas e outros credores do banco em causa e, em última análise, pelos depositantes com mais de 100 mil euros. A contribuição destas entidades deverá ser equivalente a pelo menos 8% do valor de todas as actividades do banco.
A partir deste montante, a “resolução” poderá ser financiada a partir de um fundo alimentado pelos próprios bancos até um montante a rondar os 55 mil milhões de euros.
Este fundo, que inicialmente deveria demorar dez anos a ser constituído e que só se tornaria plenamente “europeu” no final do período, demorará afinal apenas oito anos a construir e terá 70% das suas dotações financeiras “mutualizadas” ao fim de três. Isso significa que cada país deixará de ficar limitado aos fundos do seu compartimento nacional e poderá ir buscar ao “bolo” comum os meios necessários.
O PE também conseguiu simplificar o processo de decisão de liquidação dos bancos e, sobretudo, limitar o poder de intervenção política dos governos. As decisões do conselho de supervisão serão de cariz sobretudo técnico e poderão incluir o encerramento de um banco mesmo contra a vontade do país onde opera, podendo os governos apenas intervir em casos excepcionais.
“O que o PE queria era assegurar que todos os bancos fossem tratados da mesma forma, independentemente dos países em que operam e que este processo não reflectisse os jogos de poder dos diferentes países”, justificou Elisa Ferreira. Isto, porque “diferentes Estados-membros têm diferentes capacidades de resolver os seus problemas consoante o seu poder político”. “Se estamos realmente num mercado interno, não podemos pensar na base de compartimentos nacionais e de poderes nacionais a defender os seus próprios bancos, porque seria uma subversão total de um sistema único para gerir bancos no interior de uma moeda única”, insistiu.
Com a nova união bancária, toda a operação de liquidação ou reestruturação de um banco falido passará a ser paga pelos próprios bancos, frisa a deputada portuguesa. “Estamos convencidos de que os contribuintes nunca mais serão chamados a salvar bancos [, a menos que haja] uma crise gigantesca [, porque] temos os poderes, temos as instituições e temos os textos legais para reduzir ao mínimo uma situação que esperamos que nunca ocorra”, vincou.
Para a próxima legislatura do PE, que arranca em Julho, faltará avançar com o terceiro pilar da união bancária: a criação de um sistema comum europeu de garantia de depósitos bancários inferiores a 100 mil euros.
Segundo Elisa Ferreira, no entanto, as instituições europeias também terão de decidir sobre a oportunidade de dividir os grandes bancos sistémicos em unidades mais pequenas, com uma separação das actividades de risco das actividades de depósitos e de crédito, de modo a evitar que a eventual falência de um grande banco deite abaixo o sistema financeiro.
“A questão é: seremos nós politicamente capazes de avançar com este passo suplementar na próxima legislatura? Esta é a questão que permanece”, defende a eurodeputada.