Tribunal de Contas critica falta de transparência nas privatizações da EDP e REN

Empresa que gere participações empresariais do Estado mostrou falta de transparência na contratação de assessores financeiros e não soube acautelar conflitos de interesses nos processos de privatização da EDP e da REN, conclui auditoria.

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Venda da EDP foi a que gerou mais receita para o Estado PÚBLICO

Segundo o TdC, estes processos de privatização (realizados entre 2011 e 2013) tiveram encargos totais de consultadoria de aproximadamente 28 milhões de euros, dos quais 411 mil euros referentes a assessoria jurídica e o remanescente relativo a consultadoria financeira (que incluiu 50 mil euros da avaliação das empresas e 27 milhões da assessoria da venda).

Queixando-se da dificuldade no acesso a alguma informação e documentos da Parpública, o TdC sublinha negativamente a forma como a holding (hoje presidida por Pedro Ferreira Pinto, mas à época de início das privatizações era dirigida por Joaquim de Oliveira Reis, e, depois, por Joaquim Pais Jorge) geriu situações de conflito de interesses. Diz o TdC que “a Parpública não assegurou que os consultores financeiros (seja para a avaliação prévia ou a assessoria no decurso do processo de venda) ficassem impedidos de assessorar posteriormente os potenciais investidores, no mesmo processo, o que veio a acontecer com a contratação do BESI no processo de (re)privatização da EDP e da REN”.

Não só o banco de investimento do antigo BES prestou serviços ao Estado como avaliador, como depois foi consultor financeiro dos compradores: a China Tree Gorges, no caso da EDP, e a State Grid, compradora da REN. “Constata-se, assim, que a Parpública não tomou as devidas precauções para evitar os conflitos de interesse, o que não é consentâneo (…)  com a experiência da empresa”, aponta o TdC.

A auditoria refere outra situação relacionada com os consultores financeiros em que a “actuação da Parpública torna-se passível de censura pública”. O TdC recorda que as avaliações económicas e financeiras da REN e da EDP couberam ao Millennium BCP, Caixa Banco de Investimento (CaixaBI) e BESI, entidades que já estavam pré-seleccionadas para o efeito. Mas os restantes trabalhos de consultadoria financeira foram efectuados conjuntamente pelo CaixaBI e pela Perella, que foi subcontratada pelo banco de investimento da CGD “com o consentimento tácito da Parpública, sem estar incluída na lista dos pré-qualificados para a assessoria financeira aos processos de privatização”.

O Tribunal sublinha que a Parpública “não poderia, por acção ou por omissão, consentir a subcontratação por um candidato pré-qualificado de outra entidade que não figurava na lista”. Um subcontratado que agiu “de forma interventiva e autónoma (…) com o assentimento da Parpública”, reforça um sublinhado do TdC.

E embora, em sede de contraditório, a holding pública tenha vindo “alegar que a participação da Perella se resumia à mera figura de auxiliar”, prevista na lei, o Tribunal lembra que a Perella dividiu equitativamente com o CaixaBI os honorários pagos pela Parpública para a assessoria financeira (27 milhões).

O TdC assinala ainda uma “dualidade de critérios” no processo de selecção dos assessores. É que para a escolha dos avaliadores e assessores jurídicos foram várias as entidades convidadas a apresentar propostas, mas para a assessoria financeira, “cujo valor foi largamente superior ao dos dois primeiros” só foi convidada uma entidade: o CaixaBI.

A instituição presidida por Guilherme d’Oliveira Martins vai mais longe e diz que a holding pública evidencia “falta de transparência” no que toca à “contratação de consultores externos associados aos processos de privatização”; acusa-a de incumprir as orientações da Direcção Geral do Tesouro e Finanças (DGFT) em matéria de contratação de consultadoria técnica e também contesta o entendimento da Parpública de que não está sujeita ao código de contratação pública (CCP) e de que não tem por isso de publicar os respectivos contratos no portal BASE.

Estas vendas geraram uma receita bruta de 3,2 mil milhões de euros, dos quais 2,7 mil milhões foram entregues pela Parpública ao Estado para amortização da dívida pública, refere o TdC. Apesar de considerar os modelos de privatização e os encaixes “adequados” e de referir o impacto positivo das operações nas avaliações regulares da troika, o Tribunal destaca que, “numa perspectiva de racionalidade financeira, o timing imposto” para a sua concretização representou para o Estado “um custo de oportunidade” por terem sido realizadas num “enquadramento económico muito negativo”, ao que se soma “a perda de dividendos futuros, anualmente distribuídos por estas empresas”.

Falhas estratégicas
O tribunal nota que um dos objectivos da acção foi apreciar a “salvaguarda do interesse público com respeito pela lei”. E a forma como se acautelou este interesse também não foi exemplar, refere o TdC. É que embora a lei-quadro das privatizações tenha passado a prever a salvaguarda de activos estratégicos em sectores fundamentais para o interesse nacional, o TdC recorda que a eficácia desta norma implicava que o Governo definisse o regime extraordinário para salvaguarda de activos estratégicos até ao dia 13 de Dezembro de 2011, o que só se verificou a 15 de Setembro de 2014, quase três anos depois. Segundo o TdC, a justificação do Governo para o atraso foi o envolvimento da Comissão Europeia na realização do diploma, o que levou a várias alterações, mesmo com os processos em curso.

Assim, mesmo que o decreto de privatização da EDP e da REN e o acordo de venda e de parceria estratégica contivessem referências à salvaguarda do interesse nacional, “não foi prevista qualquer cláusula de penalização para o seu incumprimento, pelo que, nestes dois processos, não foram tomadas medidas legislativas que acautelassem os interesses estratégicos do Estado Português após a conclusão do processo de privatização”, critica o TdC.

Da análise ao trabalho da recolha de legislação em vigor em vários países sobre a salvaguarda de activos que o Governo encomendou ao escritório de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (que recebeu honorários de 367 mil euros nestes processos), e que serviu de base ao regime aprovado em 2015, o TdC conclui ainda “que a postura do Estado Português revela-se menos adequada, quando comparada com a de alguns dos países europeus que protegem claramente os seus activos estratégicos”.

É que em vários Estados europeus, em sectores como a energia, as águas e a defesa nacional, a salvaguarda dos interesses nacionais faz-se através da fixação de limites na aquisição dos activos por entidades estrangeiras, do reforço do poder do Estado através das chamadas golden shares ou da garantia da maioria do capital em mãos públicas.

Falhas de informação
O reporte de informação no âmbito dos processos também foi claramente insuficiente, concluiu o TdC: “O Governo nunca instituiu medidas obrigatórias de reporte de informação por parte das entidades executoras dos processos de privatização, com vista à prestação de contas no âmbito desses processos, ficando por garantir a accountability necessária para estas operações”, refere a auditoria. O TdC relata ainda que sobre este assunto, a Parpública o informou que faz o reporte das operações de privatização ao Governo, mas não ao público em geral, quando, como destaca o Tribunal, as boas práticas da OCDE recomendam que a divulgação seja pública.

A falta de prestação de contas estende-se também à DGTF, que no seu relatório anual sobre o Sector Empresarial do Estado (SEE), não faz qualquer referência a estes processos, de forma a que se apreciem os fluxos de entradas e saídas de empresas do SEE, bem como os respectivos impactos na redução da dívida pública com a receita proveniente da venda destes activos. Os auditores do TdC lamentam ainda que não tenha sido efectuada (até 30 de Novembro de 2013) qualquer apreciação da forma como correram os processos que permitam tirar ilações para futuras privatizações.

Também o grau de envolvimento no processo da Comissão Especial de Acompanhamento (CEA) das privatizações merece reparos ao TdC. A sua nomeação tem ocorrido na fase final dos processos de venda, pelo que as competências têm-se cingido a emitir opinião sobre as propostas vinculativas, sem que haja acompanhamento do processo de privatização desde o seu início, diz ainda a auditoria.

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