“Temos margem para discutir subida do salário mínimo acima dos 500 euros”

O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal rejeita a entrada em vigor do novo salário mínimo ainda este ano. Mas está disponível para discutir valores acima de 500 euros no próximo ano.

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Presidente da CCP defende que o Governo tem de usar a fiscalidade para favorecer a recapitalização das empresas Daniel Rocha

Por que razão a CCP é apontada, neste momento, como o principal obstáculo a um acordo em redor do SMN?
Discordo dessa análise. O congelamento do salário mínimo deve-se a um dos pontos – errados – do plano de ajustamento da troika, que sempre partiu do princípio de que a competitividade da economia portuguesa se deveria basear na baixa dos salários. Sempre criticámos isso, porque consideramos que o principal problema está na qualificação dos trabalhadores, e também dos gestores, e nas opções estratégicas. Durante estes anos, o Governo, seja por convicção, por opção negocial ou por incapacidade negocial, alterou alguns pressupostos do plano da troika, mas neste nunca mexeu. A CCP aceitava aumentar o SMN em 2012, em 2013, em 2104 e aceita para 2015. Sempre considerámos que o salário mínimo deveria ser aumentado porque tem um efeito positivo em termos de consumo e, por outro lado, porque seria um sinal para o mercado no sentido de dizer que Portugal não está centrado no empobrecimento. Não nos consideramos bloqueadores de nada. As empresas, se quiserem e tiverem possibilidades, podem aumentar o SMN desde já. Em última análise, esta é um prorrogativa do Governo, depois de ouvidos os parceiros sociais. Portanto, não assumimos qualquer ónus relativamente à decisão.

Se a CCP aceitava aumentar o SMN em 2012, 2013 e 2014, por que razão não aceita que esse aumento possa entrar em vigor a 1 de Outubro? Não são posições contraditórias?
Não. A CCP representa os sectores do comércio e dos serviços, nomeadamente serviços de mão-de-obra intensiva (limpezas, contact centers, restauração colectiva), que funcionam com contratos anuais e que não podem mudar as suas tabelas a meio do ano. Por outro lado, a CCP sempre disse que o SMN deveria ser revisto no último trimestre de cada ano e programado para o ano seguinte, para que as empresas possam fazer tabelas de preços tendo isso em conta.

É uma posição irredutível?
É uma posição de defesa empresarial, que não entra em demagogias fáceis. Vejo gente a defender “aumente-se o SMN já”, mas, em contrapartida, se as empresas que fazem a limpeza ou gerem as cantinas das suas empresas quiserem mudar a tabela de preços, não aceitam. Estamos muito mais flexíveis para discutir valores acima dos 500 euros ou aumentos faseados, um no início e outro a meio do próximo ano.

Até onde estão dispostos a ir?
Tivemos uma reunião de direcção, na quinta-feira, onde o tema foi abordado. Temos margem para entrar nessa discussão, mas teremos mais flexibilidade se o aumento for faseado, do que se for logo a 1 de Janeiro de 2015.

A discussão que está a ser feita no grupo de trabalho do SMN (onde participam todos os parceiros sociais) tem-se centrado na entrada em vigor ainda este ano ou é uma discussão mais alargada?
Tem sido fundamentalmente em torno do aumento ainda este ano. Não quer dizer que lateralmente não se tenha abordado outras questões.

E tudo se encaminha para que haja um aumento em Outubro?
Não sei. O Governo também não se tem comprometido.

A UGT pede 505 euros a 1 de Outubro, com efeitos durante o próximo ano. Parece-lhe razoável?
Os 505 euros não são um valor absurdo para atingir durante o próximo ano, não necessariamente a 1 de Janeiro. A questão de base [a oposição à entrada em vigor em Outubro] mantém-se.

Por que razão o Governo está tão empenhado num acordo? Tem a ver com a proximidade das eleições?
Terá de perguntar ao Governo. Até agora, seja por convicção ou porque tentou junto da troika e não conseguiu, este não foi um tema prioritário. Aproximam-se as eleições, no Governo há várias sensibilidades…

E neste contexto a CCP não está disponível para estar ao lado do Governo.
Não se trata de estar ou não ao lado do Governo. A nossa posição justifica-se pelos interesses dos sectores empresariais que representamos. Se o Governo quiser aumentar em Outubro, que decida. Nós manifestaremos a nossa oposição.

Tem-se falado da necessidade de fazer depender o aumento SMN e a política de rendimentos da produtividade. Em concreto, que indicadores estão em cima da mesa?
Até agora, falou-se apenas na palavra “produtividade”. Temos muitas dúvidas de que seja possível definir mecanismos automáticos de aumento do SMN.

Por quê?
Uma das referências históricas tem sido a inflação e estamos num período de deflação, outro aspecto é o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que é anémico. A produtividade é uma discussão a aprofundar, mas pode alterar-se por via da emigração e de outros factores, sem que isso signifique uma grande alteração em termos de produto. Por isso, preferimos definir anualmente o SMN para o ano seguinte, em função da situação económica.

Não seria vantajoso criar um mecanismo em vez de deixar a decisão nas mãos dos governos?
O acordo de 2006 tinha um conjunto de pressupostos que não se verificaram e o governo anterior suspendeu-o. Com a instabilidade da economia não nos parece prudente entrarmos em mecanismos automáticos.

Está em cima da mesa uma alteração à lei do arrendamento que beneficia as micro e pequenas empresas, nomeadamente nos períodos de transição para a actualização das rendas. As mudanças vão ao encontro das propostas que têm feito?
Um dos erros históricos cometidos na economia portuguesa foi o congelamento das rendas. Foi uma das causas da morte dos centros das cidades. Defendemos que o arrendamento habitacional e o arrendamento comercial devem ser tratados de forma diferente. As alterações vão nesse sentido e parecem-nos positivas.

Em 2013, os dados recolhidos pela Nielsen mostravam que o comércio de proximidade na área alimentar estava a ganhar terreno aos hiper e supermercados. Mas em 2014 verificava-se uma inversão da tendência. Como é que isso se explica?
É difícil comentar, porque a classificação que essa empresa faz da estrutura comercial leva a interpretações com as quais nem sempre estamos de acordo. Os factores que beneficiaram o comércio de proximidade mantêm-se. Um deles é o envelhecimento da população, que tem menos mobilidade e por isso recorre a este tipo de comércio. Outro é a crise do poder de compra: as pessoas deixaram de encher o porta-bagagens de produtos. E, em terceiro lugar, o encarecimento dos transportes e dos combustíveis. Tudo isso veio favorecer uma reanimação do comércio de proximidade. Os próprios grandes grupos económicos também se envolveram em projectos nessa área.

A retoma do consumo está para ficar ou ainda é muito ténue?
Nota-se uma retoma em pequena escala, mas uma parte desta retoma tem a ver com a redução da poupança. O que está a acontecer é melhor do que antes, mas dificilmente estará muito consolidado. Até porque o modelo económico global não se alterou. Na prática, exportámos mais do mesmo, mas para outros mercados, o que foi positivo. Mas o financiamento continua a ser um problema fulcral para as empresas e o investimento continua a ser muito baixo.

Quais são os entraves ao investimento neste momento?
Portugal continua a ter um problema de capitalização das empresas. Esse é um dos aspectos que a troika não percebeu: o mercado português está muito dependente do financiamento bancário e isso é um paradigma que não se altera de um momento para o outro. O Governo tem de usar a fiscalidade para favorecer a recapitalização das empresas. Isso é tão ou mais importante do que as mexidas no IRC.

Essa questão já era um dos pontos do acordo para o Crescimento e o Emprego que assinaram em 2011.
Há, de facto, uma centragem excessiva do Governo nas temáticas do défice. De uma maneira geral, Portugal adoptou a estratégia do bom aluno, mas depois não tirou daí grandes vantagens.

Foi um esforço não reconhecido?
Como se viu recentemente com as declarações da senhora Lagarde [a directora do Fundo Monetário Internacional disse que Espanha foi o único país a progredir devido às reformas estruturais]. É preciso mudar alguns paradigmas. Vamos ver se as próximas eleições obrigam os diversos intervenientes políticos a alterar a maneira como encaram a economia e o relacionamento com a Europa. Mas não vemos grandes sinais.

Do lado dos partidos do Governo ou também nos candidatos à liderança do PS?
Esperamos que haja uma reflexão quer do lado dos partidos que estão no Governo, quer dos que estão na oposição. Mas confesso que tenho mais expectativas na sociedade civil do que nas forças políticas.

O novo regime de acesso ao comércio elimina um conjunto de taxas e liberaliza os horários. São mudanças positivas?
Tudo o que seja facilitar, estamos de acordo. Tem havido na área dos licenciamentos algum esforço, mas na área fiscal a carga burocrática sobre as empresas tem subido de forma vertiginosa.

Nos últimos três anos, a legislação laboral teve várias alterações. Que efeitos tiveram na actividade económica?
Baixou alguns custos, com a redução do pagamento do trabalho extraordinário e com os bancos de horas, e as alterações em termos de imagem internacional foram positivas. Já em coisas tão ou mais necessárias, como os custos da energia, não houve mudanças. E se olharmos para a Justiça estamos no caos.

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