Grandes superfícies multadas em 920 mil euros por venderem com prejuízo
Em vigor há dois anos, nova lei previa multas máximas de 2,5 milhões de euros. Descontos duplicaram nos últimos cinco anos e já valem 41% das vendas de produtos.
Numa altura em que quase metade dos produtos de grande consumo são vendidos em promoção, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) avançou com multas de 917.750 euros aos operadores do comércio, praticamente todas por vendas abaixo do preço de custo.
Os dados referem-se ao período entre Fevereiro de 2014 e Junho deste ano. Em 2014 entrou em vigor o novo regime das chamadas práticas restritivas do comércio, que veio dar mais competências à ASAE para instaurar e decidir sobre estes casos e aumentou 83 vezes o valor das coimas máximas (passaram de 30 mil euros com cúmulo jurídico para 2,5 milhões de euros).
De acordo com dados facultado ao PÚBLICO pelo Ministério da Economia, que tutela a ASAE, dos 118 processos instaurados desde Fevereiro de 2014, 42 têm decisão final. Destes, apenas quatro se referem à falta de tabelas de preços; os restantes 38 implicam casos de vendas com prejuízo. A ASAE avança que a margem deste prejuízo tem variado desde 0,5% até 25% e os casos analisados envolvem preços de produtos como a carne de porco, bacalhau, leite, azeite, detergentes, acessórios para automóveis ou livros, só para citar alguns exemplos.
Dos 917.750 euros de coimas determinadas até à data, a ASAE refere (sem especificar), que" relativamente a algumas delas ainda se aguarda pelos desfechos dos recursos judiciais". Um dos casos será a multa de cerca de 500 mil euros ao Pingo Doce, que avançou com uma impugnação. O caso remonta a 2014 e em causa esteve uma campanha de promoção para o dia 1 de Maio, com a qual a empresa tinha a intenção de gerar “um dia de vendas fortes”, indicou, na altura, fonte oficial da cadeia da Jerónimo Martins.
Das 42 decisões concluídas pela autoridade alimentar, 15 foram contestadas.
A venda com prejuízo implica que uma loja ou empresa comercialize um produto ao cliente por um preço inferior ao que originalmente comprou (acrescido dos impostos e encargos com transportes). Entende-se que esta prática prejudica os fornecedores e os concorrentes do vendedor, pressionando uma baixa dos preços no mercado.
Promoções já pesam 41%
Com os descontos a ditar o ritmo das vendas nos hiper e supermercados, as vendas abaixo do preço de custo ganharam importância em tempos marcados pela crise e por um travão nos gastos. Segundo os dados mais recentes da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), nos últimos cinco anos as promoções duplicaram e, em 2015, 41% dos bens de grande consumo foram vendidos em actividade promocional. “Os fabricantes e os fornecedores cooperam com o consumidor oferecendo grandes promoções. Cerca de 47% dos produtos vendidos em promoção são de marcas detidas pelos fabricantes e 30% pelos retalhistas o que é interessante: todos procuram seduzir o consumidor”, analisa Ana Isabel Trigo de Morais, directora-geral da APED.
A responsável da associação, que representa as maiores empresas do sector, como a Jerónimo Martins e a Sonae (dona do PÚBLICO), adianta que tem havido “grande intensidade de fiscalização” por parte da ASAE nas lojas. E que o valor das multas até agora decididas “indica que houve um esforço do sector para se ajustar ao cumprimento das novas leis”. “De uma coisa temos a certeza: o regime de coimas é muito desajustado da realidade em Portugal, com coimas excessivas, mesmo comparando com outras legislações semelhantes, nomeadamente a espanhola, onde as coimas são mais limitadas. Coimas até 2,5 milhões de euros são valores estratosféricos para a nossa realidade”, critica.
Ana Isabel Trigo de Morais diz ainda que foram criadas “muitas expectativas à volta da lei” e que, dois anos depois, ainda subsistem dúvidas quanto à noção de vendas com prejuízo. “Estamos à espera que os tribunais venham fixar a interpretação das vendas com prejuízo. A dinâmica concorrencial continua muito intensa e vai continuar. Ter essa dinâmica bloqueada por burocracia legal ou legislação desajustada da realidade não ajuda à economia portuguesa”, atira.
Pedro Pimentel, director-geral da Centromarca, que representa empresas de grande consumo como a Delta ou a Bel, comenta que o número de multas aplicadas pela ASAE seria maior se a autoridade económica tivesse mais inspectores. “Temos consciência de que a ASAE fez um trabalho meritório. Tem uma equipa minúscula a tratar deste assunto, 12 pessoas para todo o país…”, sublinha. “Quando há um espectro tão grande de promoções seria de esperar que o número fosse mais alargado”, admite.
O director-geral da Centromarca defende ainda que, mesmo com poucos inspectores, “seria de esperar que a ASAE tivesse pressão política para actuar”. O actual Governo “ainda não deu prioridade ao tema”, sustenta.
A principal infracção detectada pela ASAE são as vendas com prejuízo (80% dos 118 processos), mas na lista de más práticas estão ainda a recusa de venda de bens ou de prestação de serviços (7%), a não apresentação das tabelas de preços com as condições de venda, quando solicitadas (cerca de 4%) e a “não redução a escrito de disposições sobre condições de venda a fornecedores”, com cerca de 2%.