Sedes: é um “erro grave” pensar que tudo é aceitável porque o Estado está “falido”
Ao reduzir as actuais pensões, o Governo corta o contrato entre o Estado e o cidadão, diz associação presidida por Campos e Cunha. Não é uma verdadeira reforma, mas “mais uma” incerteza “desnecessária”.
Num documento intitulado “Acabar com a incerteza”, a associação presidida pelo antigo ministro das Finanças Luís Campos e Cunha faz um duro retrato do Portugal de hoje, olhando para trás e querendo olhar para a frente. Ponto de partida: a “confiança dos portugueses” está a ser minada por haver uma grande incerteza na sociedade portuguesa, “com consequências muito graves para a economia e para o bem-estar” dos cidadãos.
Um exemplo: “Quaisquer decisões, das mais simples, como jantar fora ou mudar de carro, até às mais complexas, como investir num projecto empresarial ou decidir ter um filho, são sistematicamente adiadas”.
A associação aponta o dedo aos governos dos últimos dez anos (Campos e Cunha teve uma curta passagem como ministro das Finanças no primeiro Governo de José Sócrates) e não deixa de fora de responsabilidades as instituições europeias. Mas “a ideia de que o Estado está falido e, como tal, tudo é aceitável é, e tem sido, um erro grave: o acordo com a troika fez-se exactamente para evitar essa falência”, sublinha a Sedes, colocando as palavras “falido” e “falência” em itálico para as enfatizar.
Entretanto, acrescenta, “por erros de comunicação, políticas erráticas e decisões fora de tempo, criou-se uma incerteza absolutamente desnecessária e um ambiente de desconfiança em relação ao Estado de Direito incompatível com a recuperação da economia, do investimento e do emprego”.
Segundo a Sedes, um exemplo paradigmático dessa incerteza tem a ver com o corte de 10% nas reformas e nas pensões de sobrevivência. “Todas as semanas escutamos anúncios de medidas que abrem novas frentes e criam medo e incerteza, como aconteceu recentemente com a questão das pensões de sobrevivência. Sem discutir se a política em causa é boa ou má, contesta-se sim a errância das decisões, a confusão dos conceitos, a impreparação das soluções, a intermitência dos anúncios, a contradição dos agentes (ministros, secretários de Estado, consultores, oposição)”.
Mas “seja a incerteza sobre as pensões actuais e futuras, sejam as alterações bruscas de impostos, sejam as dúvidas sobre a simples data de pagamento de subsídio de férias, são inaceitáveis” por não promoverem a estabilidade, enumera.
O conselho coordenador da organização “não nega a necessidade da reforma com vista à sustentabilidade do sistema” de Segurança Social, mas critica “justamente a não existência de uma reforma”, porque, diz, o Governo “retirou certeza jurídica ao sistema de pensões sem proceder a qualquer reforma visível”. A reforma de 2007 “foi profunda, teve particular cuidado em salvaguardar o Estado de Direito” e deu garantias constitucionais. Já “o argumento meramente contabilístico ou financeiro de curto prazo” que a Sedes reconhece no discurso do actual Governo não tem em conta “as consequências sociais e económicas muito negativas para muitos e muitos anos”.
A ideia “de que a geração em idade contributiva não terá pensões gera uma revolta contra o facto de se pagar hoje para nada se receber amanhã”, sustenta. “Alimentá-la encoraja todo o tipo de fugas à contribuição, agravando o exacto problema que visava resolver. Escamoteia-se, além disso, que as pensões dos reformados de há 20 anos foram pagas pelas contribuições dos actuais reformados. E cria-se uma incerteza fundamental (mais uma!) sobre o longo prazo, gerando infelicidade, mal-estar, comportamentos anormais de aforro e de aversão ao risco acima do necessário e causadores de desemprego já hoje”. E “fomentar a ‘luta’ entre gerações é uma injustiça, é perigoso e é politicamente irresponsável”.
Que austeridade?
A Sedes centra boa parte da sua tomada de posição na análise das opções do Governo sobre o sistema de pensões, deixando ainda outras críticas ao facto de a redução da despesa não ter sido pensada desde o início da actual legislatura, porque leva tempo a ser executada.
A associação reconhece a necessidade de aplicar medidas de contenção (“face ao descalabro que as contas públicas atingiram em 2009 e 2010, ninguém imagina que a estabilização financeira poderia evitar uma drástica austeridade”). Mas diz que “há várias austeridades possíveis e várias formas de fazer uma política de austeridade”. Desde logo, sublinha, “a carga fiscal, em larga medida a primeira opção adoptada por este Governo, pela sua dimensão e natureza, asfixia a economia e as pessoas”.
Stress, infelicidade – eis a percepção que a Sedes tem quando se fala em “medidas de austeridade, onde cada dia parecem nascer intenções de política nunca concretizadas mas que ficam a pairar como ameaça velada”.
O primeiro passo para a recuperação, enfatiza, é a aposta nas exportações, que têm vindo a aumentar o seu peso na formação do PIB, por contraponto ao consumo e ao investimento, que estão em queda. “O segundo passo para a retoma económica é o crescimento do investimento que, como vimos, tarda. Sem ele não há mais emprego nem crescimento do consumo privado, que tipicamente surge num terceiro momento”.
O que fazer, perguntam os membros do conselho coordenador da Sedes. “Em geral, todos podemos concordar com a importância do combate ao défice público como prioridade, suportado no Estado de Direito e, sobretudo, na confiança entre instituições, cidadãos e empresas”, começam por responder. Numa frase: “É urgente reformar o Estado, reformar o sistema político, reformar a forma de fazer política, de gizar, conceber, apresentar e executar as políticas públicas”.