Riscos políticos em Portugal dificultam "saída limpa" do programa de ajuda externa

Já não são tanto as divergências dentro do Governo, mas a falta de entendimento entre o Executivo e o PS sobre a política orçamental que está a preocupar a zona euro.

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Passos e Seguro não dão sinais de aproximação Enric Vives-Rubio

Este sentimento foi recolhido pelo PÚBLICO em Bruxelas, junto de diplomatas e responsáveis políticos, numa altura em que o país começa a preparar a saída do programa de ajuda da zona euro e do Fundo Monetário Internacional (FMI) que assegura o seu financiamento desde Maio de 2011.

Oficialmente, o programa termina a 17 de Maio, o que significa que Portugal terá a partir daí de voltar a recorrer aos mercados financeiros para cobrir as suas necessidades financeiras.

A grande questão que se coloca é saber se Portugal poderá sair simplesmente do programa e financiar-se de imediato de forma autónoma, ou se, pelo contrário, precisará de uma rede de segurança sob a forma de um "programa cautelar". Nesta eventualidade, a zona euro abrirá uma linha de crédito a que o Governo poderá recorrer em caso de volatilidade excessiva nos mercados mediante novos compromissos de redução do défice orçamental.

Oficialmente, também é o Governo português que terá de decidir como é que quer sair do programa de ajuda, embora seja certo que não poderá ir contra a vontade da zona euro.

Exemplo irlandês
A Irlanda, que terminou o seu programa de ajuda em Dezembro, optou por uma saída que o seu Governo classificou de "limpa", ou seja, sem qualquer programa cautelar.

Por enquanto, a aposta está a dar frutos: os investidores regressaram à dívida irlandesa, os juros estão a baixar de forma significativa e as agências de notação começam a alterar a classificação de investimento de risco que pesava sobre o país.

Se esta situação favorável se alterar, ou em caso de perturbações anormais no mercado, Dublin poderá pedir a qualquer momento à zona euro um programa cautelar. A mesma possibilidade está ao alcance de Portugal se o país optar por uma "saída limpa".

Perante o exemplo irlandês, o Governo português tem vindo a afirmar que quer sair do programa da mesma forma, um cenário que ainda não se impôs em Bruxelas, mas que também não é descartado.

A "saída limpa" é a opção preferida pelos governos da Alemanha e restantes países do Norte, que resistem sempre a qualquer cenário que os obrigue a voltar ao respectivo parlamento para aprovar novos programas de ajuda, sejam eles cautelares ou resgates puros e duros.

Ao invés, os governos com finanças públicas mais frágeis, a começar pela França, querem evitar a todo o custo que eventuais desconfianças dos mercados relativamente a um dos membros do euro – neste caso Portugal – venham a desestabilizar todos os outros.

Pierre Moscovici, ministro francês das Finanças, disse aliás na sexta-feira que "talvez" Portugal venha a precisar de um programa cautelar.

"Há países que preferem que Portugal saia com cinto e suspensórios", resumiu um diplomata europeu. Ou seja, com todas as protecções possíveis a funcionar. Acima de tudo, estes países "não querem que Portugal tenha de negociar um programa cautelar à pressa e em situação de crise", justificou. Por essa razão, sublinhou, "Portugal terá de demonstrar que poderá sair sem programa cautelar".

Olli Rehn, comissário europeu responsável pelos assuntos económicos e financeiros disse igualmente na sexta-feira, a propósito de Portugal, que "mais vale prevenir que remediar", sublinhando que é essa a missão dos programas cautelares. Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, já dissera o mesmo  no início do ano.

Em favor de uma "saída limpa" está a redução dos juros sobre a dívida verificada nos últimos meses a par do sucesso das recentes operações de troca de títulos de curto prazo por outros de longo prazo (para reduzir os encargos com os reembolsos nos próximos) e de emissão de dívida a 5 anos.

Círculo virtuoso
A execução orçamental melhor do que o previsto em 2013 também ajuda a reforçar o círculo virtuoso em que o país conseguiu entrar nos últimos meses, depois do susto para a zona euro que representou a crise política do Verão passado, e as ameaças de não cumprimento das condições do programa de ajuda. Com os mercados a penalizarem então fortemente a dívida pública, vários responsáveis da zona euro consideravam durante o Verão que só por milagre Portugal conseguiria escapar a um segundo resgate pleno.

Com a estabilização da situação política e o afastamento de eleições antecipadas, o estado de espírito dos parceiros do euro, e dos investidores, alterou-se.

Tanto assim é que Portugal está, tal como a Irlanda, a beneficiar da fuga dos investidores dos mercados emergentes, como o Brasil e a China. Ao regressarem à Europa, os investidores estão a virar-se para os países mais frágeis, desde que ofereçam um mínimo de segurança, porque garantem rendimentos superiores aos da Alemanha e outros países "virtuosos".

Este "sentimento positivo" do mercado poderá no entanto inverter-se de forma drástica e de um dia para o outro se surgir alguma dúvida sobre a determinação do país de eliminar os actuais desequilíbrios das finanças públicas, avisou outro diplomata europeu. "Portugal só está a beneficiar destes fluxos de capitais porque cumpriu e continua a cumprir o seu programa", sublinha considerando que, se surgirem dúvidas nos mercados sobre o compromisso nacional com a estratégia orçamental, será a debandada geral.

"O maior risco para uma saída limpa é político", frisa igualmente um responsável europeu, para quem um cenário possível é a falta de consenso entre todos os partidos políticos do arco da governação sobre a estratégia de consolidação orçamental "não para o próximo ano, mas para os próximos dez".

O facto de o PS, na oposição, ter decidido contestar o orçamento de Estado deste ano junto do Tribunal Constitucional é aliás apontado, precisamente, como um sintoma da inexistência do consenso que é esperado pela zona euro.

"Se o Tribunal Constitucional tomar decisões com impacto orçamental poucas semanas antes do fim do programa, poderá criar um clima de incerteza tal que não deixe a Portugal alternativa senão pedir um programa cautelar", referiu outro diplomata europeu.

Todas as fontes europeias ouvidas pelo PÚBLICO lembram aliás que o segredo do sucesso irlandês tem precisamente a ver com a existência de um sólido consenso nacional sobre a trajectória orçamental e que é vista pelos mercados financeiros como uma garantia de reembolso da dívida.

Nesta perspectiva, e de acordo com um dos responsáveis já citados, Portugal só poderá esperar seguir os passos da Irlanda e operar uma "saída limpa" se conseguir gerar o mesmo grau de consenso interno, ou "pelo menos um compromisso" entre os principais partidos, sobre a estratégia orçamental.

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