Repor salários e pensões significaria “reabrir um problema”, diz Passos

Passos acena ao PS com compromisso orçamental “mais concreto” e acusa grupo do manifesto pela reestruturação da dívida de reunir quem anteviu uma “espiral recessiva”.

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Passos defende um “compromisso político alargado para os próximos cinco anos” Daniel Rocha

A consolidação orçamental “não termina em Maio de 2014”, insistiu o primeiro-ministro, afastando uma reposição dos salários dos funcionários públicos e das pensões pagas pela Caixa Geral de Aposentações. Se assim não fosse, isso significaria “reabrir um problema” orçamental, defendeu Passos Coelho na conferência Portugal Pós-Troika, organizada pelo Jornal de Negócios em associação com a Rádio Renascença num hotel em Lisboa.

“Não podemos repor automaticamente os rendimentos salariais que as pessoas auferiam no início da crise”, assumiu, considerando como a “única estratégia possível” indexar a reposição de salários e pensões à retoma e ao desempenho económico. E mostrou-se convicto de que os portugueses estão dispostos a sacrifícios, “desde que sejam condição para um futuro melhor”.

Passos reconhece ser “verdade” que as medidas aplicadas pelo Governo de cortes nas pensões e salários foram “apresentadas como transitórias”, mas insistiu que continuam a sê-lo, porque “transitório não é o que dura um ano”, mas o que é necessário “enquanto a disciplina financeira o justificar”.

As medidas que Passos diz garantirem a disciplina orçamental para além da actual legislatura, que termina em 2015, serão apresentadas no DEO. Voltando a apelar a um consenso com o PS, Passos lembrou que os socialistas subscreveram o tratado orçamental e defendeu que Seguro deve ser concreto a assumir que medidas devem ser tomadas para se cumprirem os pressupostos do tratado, que impõe limites ao défice e à dívida pública. “Mas o tratado orçamental não se cumpre sozinho” e é preciso um “compromisso mais concreto”, um “compromisso político alargado para os próximos cinco anos”, defendeu. Para Passos, apesar de o PS “concordar com o princípio geral” do tratado orçamental, “não tem concordado com a estratégia de redução do défice orçamental”.

Como o Documento de Estratégia Orçamental “deve compreender a estratégia que será conduzida pelo menos até 2017”, Passos desafiou Seguro a apresentar medidas concretas, garantindo que o Governo tem mostrado abertura para passar ao PS a informação necessária.

O primeiro-ministro prometeu sentar-se à mesa com o secretário-geral do PS. E disse esperar fazê-lo assim que, “até ao final deste mês”, o Governo disponha de “elementos concretos”, nomeadamente informação estatística do Banco de Portugal e do Instituto Nacional de Estatística. “Eu convidarei o secretário-geral do Partido Socialista para fazer esse debate e essa conversação assim que estejam disponíveis todos os elementos concretos”, prometeu.

Mais tarde, na mesma conferência, seria a presidente do Conselho das Finanças Públicas, Teodora Cardoso, a pedir um entendimento para “além do Documento de Estratégia Orçamental”. “Na situação de Portugal, com o rácio de dívida que o país tem, a necessidade de [garantir] um saldo primário existe” e essa meta deve ser acordada entre PSD, CDS-PP e PS, defendeu a ex-administradora do Banco de Portugal.

Primeiro-ministro: reestruturação é um “masoquismo”
Na mesma conferência, Passos voltou a reagir à posição tomada por mais de 70 personalidades num manifesto conhecido na terça-feira em defesa da reestruturação da dívida pública portuguesa. Quando foi questionado se Portugal tem capacidade para crescer sem aliviar o peso da dívida e sobre a inevitabilidade de uma reestruturação da dívida, como a defendida no manifesto, Passos insistiu que uma reestruturação “está totalmente fora de questão”. “Nem pensar”, afirmou.

Passos mostrou-se espantado por “gente tão bem informada” tomar uma posição nesse sentido, para a seguir acrescentar: “O assunto está tão fora de agenda que tenho dificuldade em explicá-lo.” E, sem referir nomes que subscreveram o texto, classificou o grupo do manifesto como “os mesmos que falavam numa espiral recessiva”, arrancando de uma parte da plateia da conferência uma salva de palmas.

Para o primeiro-ministro, o campo de soluções proposto – entre elas está o prolongamento dos prazos dos empréstimos, algo que o Eurogrupo aprovou no ano passado para Portugal e a Irlanda – não deve ser levado a sério. “É masoquismo” pôr esta discussão “em cima da mesa” nesta altura, afirmou ainda.

Entre as personalidades que subscreveram o documento estão economistas e personalidades com posições políticas muito diferentes, dos ex-ministros das Finanças António Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite ao ex-líder do Bloco de Esquerda Francisco Louçã, passando pelo líder da CIP, António Saraiva, o líder da CCP, João Vieira Lopes, o ex-secretário-geral da CGTP Carvalho da Silva, o ex-governador do Banco de Portugal José Silva Lopes ou o economista José Reis. Na lista estão ainda dois consultores do Presidente da República — Vítor Martins e Armando Sevinate Pinto.

Questionado directamente se Portugal beneficiaria de uma nova extensão dos prazos de pagamento dos empréstimos, Passos começou por responder: “Não sei se é necessário, confesso.” E lançou duas questões: “Mas nós estamos como a Grécia?” “Se já nos deram mais tempo para pagar, estamos a falar de melhores condições do que aquelas que já tivemos?” Passos procurou, aliás, durante toda a conferência, isolar Portugal da Grécia e associar a situação portuguesa ao caminho seguido pela Irlanda durante a aplicação do programa de resgate internacional. Foi nesse contexto que se referiu indirectamente à extensão, em sete anos, dos prazos de reembolso dos empréstimos, decidida em Abril do ano passado para Portugal e para a Irlanda.

Em defesa da posição do primeiro-ministro vieram, também nesta quarta-feira, Brian Hayes, secretário de Estado das Finanças da Irlanda, e Poul Thomsen, vice-presidente do departamento europeu do FMI e o primeiro representante daquela instituição na missão da troika em Portugal.

Da mesma forma que o governante irlandês defendeu que um país não deve pedir um processo de reestruturação da dívida quando está a tentar regressar ao financiamento de mercado, também o economista do FMI considerou que esta não é a altura para renegociar a dívida.

Em Estrasburgo, Durão Barroso não quis reagir ao manifesto, mas nem por isso a Comissão Europeia deixou de tomar posição. Se Barroso garantiu não ter lido o documento, o porta-voz do comissário para os Assuntos Económicos, Simon O'Connor, considerou em Bruxelas não ser “o momento para especular sobre uma reestruturação”, algo que, disse, “está completamente fora dos planos”. Segundo a Lusa, o porta-voz da Comissão rejeitou ainda que o executivo comunitário esteja a “preparar um esquema de reestruturação” e considerou que a dívida portuguesa é sustentável.

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