Três anos depois da chegada da troika, procura externa volta a prejudicar crescimento
O contributo da procura externa líquida para o crescimento homólogo da economia caiu, pela primeira vez desde a chegada da troika, para terreno negativo nos primeiros três meses deste ano. É o regresso a um padrão de crescimento considerado pouco sustentável.
De acordo com os dados das contas nacionais publicados esta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística, a economia portuguesa cresceu 1,3% no primeiro trimestre de 2014 face a igual período do ano anterior e registou uma queda de 0,6% em relação ao quarto trimestre de 2013. Estes valores representam ligeira correcções em alta quando comparados com as estimativas rápidas de crescimento homólogo de 1,2% e de contracção em cadeia de 0,7% que tinham sido apresentadas pelo INE no mês passado.
Os dados mais completos agora apresentados revelam também o que explica a evolução da conjuntura económica no primeiro trimestre deste ano, tendo-se tornado cada vez mais evidente que a economia portuguesa está nesta fase a crescer mais por força da recuperação do consumo e do investimento e cada vez menos através de uma evolução mais positiva das exportações do que das importações.
De facto, olhando para a variação dos indicadores em termos homólogos, o crescimento do PIB de 1,3% registado durante o primeiro trimestre é explicado por um contributo positivo de 2,8 pontos percentuais da procura interna, que se explica pela aceleração do consumo privado e do investimento, mas que é contrariado pelo contributo negativo de 1,6 pontos percentuais da procura externa líquida, que representa o saldo entre as importações e as exportações.
Esta é a primeira vez desde o segundo trimestre de 2010 que a procura externa líquida apresenta um contributo negativo para a variação homóloga do PIB português. Desde que chegou a troika, com o acentuar das medidas de austeridade, registou-se em Portugal uma forte contracção do consumo e do investimento, o que por sua vez fez cair fortemente as importações. Como as exportações resistiram e até melhoraram a sua prestação, verificou-se que a procura externa líquida conseguiu dar, no meio da recessão económica, contributos positivos para o PIB.
O Governo e a troika sempre apresentaram estes resultados como um sinal de que a economia estava a caminhar para um modelo sustentável de crescimento económico, menos baseado na procura interna e com um saldo externo positivo.
No entanto, agora que surgem sinais de retoma do PIB e o consumo e o investimento recuperam dos mínimos, as importações voltam a crescer de forma muito rápida, algo que acontece em simultâneo com um início de ano mais fraco para as exportações. De acordo com os dados do INE, as importações aceleraram de uma taxa de variação homóloga de 6,4% no último trimestre de 2013 para 8,5% no primeiro trimestre deste ano. Nos mesmos períodos, as exportações abrandaram de 9,1% para 4,3%.
O INE divulga, também esta segunda feira, dados para o comércio de bens durante o mês de Abril que voltam a revelar um desempenho mais fraco das exportações.
Quando a análise se faz comparando a evolução do PIB em cadeia (ou seja face ao trimestre imediatamente anterior), a conclusão é a mesma. A contracção do PIB de 0,6% é explicada por um contributo negativo de 0,8 pontos da procura externa líquida, que é apenas parcialmente compensado por um contributo positivo de 0,2 pontos da procura interna.
Na procura interna, surge uma boa notícia para quem quer encontrar sinais de que poderemos estar a caminho de um crescimento sustentável da economia. O investimento está a recuperar após vários anos de quedas para valores mínimos. Depois de no quarto trimestre de 2013 ter registado o primeiro crescimento homólogo desde 2010, com uma variação de 0,3%, agora acelerou para uma taxa de crescimento de 12,2%.
A variação de existências muito positiva, em particular no que diz respeito aos produtos petrolíferos, contribuiu decisivamente para este resultado. No entanto, ainda é de notar o crescimento de 10,8% do investimento em máquinas e equipamento e de 25,5% em equipamentos de transportes. Em relação a estes últimos, a dúvida está em saber se não estaremos apenas perante a necessidade urgente de rejuvenescimento das frotas automóveis das empresas depois de vários anos de decréscimo de compras de viaturas.
De qualquer modo, o regresso do investimento, especialmente em máquinas, pode dar à economia outro potencial de crescimento no futuro.
O consumo privado, por sua vez, acelerou de uma taxa de crescimento homólogo de 0,6% no quarto trimestre de 2013 para 1,6% nos primeiros três meses deste ano. Também aqui os automóveis estão a desempenhar um papel fundamental, já que é neste tipo de bens, de características duradouras, que se nota uma maior recuperação depois de anos de evolução muito negativa. O consumo de bens duradouros cresceu, segundo os dados do INE, a uma taxa de variação homóloga de 17%, o valor mais alto desde o segundo trimestre de 2010.
Nos bens não duradouros e nos serviços, a recuperação é muito menos impressionante. Ainda assim, a variação homóloga passou de -0,2% para 0,3%.