Portugueses vivem sonho asiático na Indonésia

As exportações portuguesas para a Indonésia duplicaram num ano, com cada vez mais empresários a olharem para a chuva de oportunidades no gigante do Sudeste Asiático.

Foto
A OCDE prevê que a Indonésia cresça 4,1% ao ano até 2060, mais do que a China AFP

A partir daí, e “devido ao trabalho que a embaixada fez”, foi “fácil” encontrar um parceiro local e estabelecer contactos com potenciais clientes, recorda Miguel Ferreira, director-geral da empresa de Castelo Branco, frisando que nos primeiros 15 dias na Indonésia conseguiu mais do que em seis meses no Brasil.

Em Outubro, a empresa deslocou uma equipa de técnicos à Indonésia para testar uma máquina inovadora para a colheita da cássia em áreas pantanosas e em cinco dias foi possível obter resultados. “A opinião final do nosso cliente é extremamente positiva”, acrescenta.

“O compromisso era que se a máquina operasse convenientemente seria efectuada uma encomenda significativa de máquinas, o que ainda não aconteceu”, conta, realçando que na Indonésia “as decisões são demoradas”. Neste mercado, é importante “ter cuidado com o parceiro que se escolhe e, acima de tudo, estar preparado para que as coisas não corram bem logo à partida”, adverte.

O director-geral da Vicort mostra-se confiante de que a encomenda será formalizada ainda este ano, até porque está programada uma visita de técnicos para darem formação nas próxima semanas. Se o negócio for avante, a empresa portuguesa espera vir a vender 100 a 150 máquinas por ano, passando a Indonésia a ser o seu mercado “número um”.


Desbravar o mercado

O caso do Surf Total foi completamente diferente. Pedro Almendra começou a deslocar-se à Indonésia só pelo “prazer do surf”, mas acabou por desenvolver contactos que lhe permitiram em 2010 lançar um site de notícias sobre a prática da modalidade no país, depois de ter, nove anos antes, criado a edição portuguesa. “Penso nisto como uma forma de ajudar a desenvolver e a divulgar o desporto e o negócio vem por acréscimo. Tens de fazer uma simbiose com o meio, nunca podes ser um parasita”, defende.
 
Apesar da falta de “cultura de praia” e da “grande superstição com o mar” entre os indonésios, Pedro Almendra acredita que “o surf será um desporto nacional”, visto que “a Indonésia tem das melhoras ondas do mundo”, o que atrai muitos estrangeiros, e os “jovens indonésios estão cada vez mais sensíveis para este desporto”. Daí que o sucesso do site poderá crescer bastante, até porque “não é um meio ainda muito competitivo”, considera.
 
Pedro Almendra vinca a importância de estabelecer ligações na Indonésia, por isso tem uma parceria para a área das notícias no site e já colocou 15 programas do Surf Total numa televisão de Bali. Agora, procura expandir-se a outras televisões.
 
O empresário adverte que na Indonésia é preciso uma maior atenção nos negócios do que em Portugal, porque “é uma sociedade muito mais imatura”, onde faltam “certos princípios” e onde “há muita corrupção”. Quanto à distância, Pedro Almendra vinca que “hoje em dia, com a globalização, não há longínquo”.
 
O negócio da segunda China
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) prevê que a Indonésia cresça 4,1% ao ano até 2060, mais do que a China. O país, que saiu praticamente ileso da crise internacional, tem uma localização estratégica no Sudeste Asiático e possui abundantes recursos naturais. O potencial do país, que integra o G20, está a tornar imperativa a presença de grandes marcas no mercado.
 
Trata-se do quarto país mais populoso do mundo – metade dos cerca de 240 milhões tem menos de 30 anos –, com uma classe média crescente e ávida de consumo. Os vencimentos são baixos, mas a tendência é de aumento. Por exemplo, em Novembro o salário mínimo em Jacarta subiu 44%, para 176 euros.
 
Em resposta escrita ao PÚBLICO, o coordenador do Ministério dos Assuntos Económicos da Indonésia (EKON) informa que os sectores que mais têm contribuído para o rápido crescimento económico no país são os das comunicações, transportes e construção.
 
De acordo com o Governo indonésio, Portugal pode olhar para o país apostando, por exemplo, na exportação de têxteis, madeira, cortiça, produtos químicos, produtos lácteos, telecomunicações, papel, celulose, minerais, metais, máquinas, ferramentas, peças de automóveis, veículos e outro material de transporte.
 
Já o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Pedro Reis, que também respondeu ao PÚBLICO por escrito, destaca que as melhores oportunidades estão nos sectores das “infra-estruturas, tecnologias ambientais, energias renováveis, maquinaria, Tecnologias de Informação e Comunicação e serviços”, mas não desaconselha o investimento em nenhuma outra área.
 
Atendendo ao progresso do país e ao plano do Governo indonésio para desenvolver as infra-estruturas, Pedro Reis incentiva o investimento neste país junto das “empresas portuguesas de engenharias, arquitectura, obras públicas e construção”, dado que Portugal tem “reputação internacional” nestas áreas.
 
Na Indonésia, é quase imperativo estar presente no mercado, seja estabelecendo-se no país, seja através de um parceiro local, não só para bater a concorrência quando surgem novas oportunidades, mas também para lidar com problemas como a corrupção e a burocracia. As relações pessoais e de confiança são importantes nos negócios, daí que seja necessária alguma paciência.
 
O Governo indonésio oferece vários benefícios fiscais para investidores externos. Por exemplo, caso se trate de grandes investimentos nas áreas de refinarias petroquímicas e das energias renováveis, as empresas ficam isentas.
 
Os empresários podem também encontrar oportunidades de investimento no site da BKPM, a entidade reguladora do investimento na Indonésia.
 
Empresários desconhecem potencial de Portugal
No primeiro semestre deste ano registou-se uma subida de 192% nas exportações portuguesas relativamente ao período homólogo de 2011, de 3,3 milhões de euros para 9,6 milhões. Estes valores estão, porém, ainda muito longe das importações, que desceram de 52 para 26 milhões no mesmo período.
 
Ainda que a estabilidade nas relações políticas entre os dois países, retomadas após a independência de Timor-Leste, esteja consolidada, a aproximação económica é incipiente. “As nossas exportações, apesar de um aumento significativo, são ainda bastante reduzidas, atendendo ao potencial exportador do nosso país e às necessidades da procura indonésia”, refere Pedro Reis, apontando: “Apenas a distância geográfica e algum desconhecimento mútuo justificam a timidez das trocas comerciais”.
 
Perante o aumento das manifestações de interesse, Pedro Reis esclarece que a AICEP pode apoiar as empresas oferecendo “formação e informação relevante” a montante. “Depois, no terreno, fornecemos intelligence local sobre o mercado, identificamos potenciais parceiros (investidores, distribuidores, importadores, etc), acompanhamos presencialmente o projecto de internacionalização da empresa, etc.”, acrescenta.
 
Contudo, o director-geral da Vicort, empresa presente em nove mercados, diz que é “com alguma mágoa” que conclui que foi mais ajudado pela embaixada indonésia do que pela diplomacia portuguesa, que está “muito pouco dotada de meios financeiros para fazer seja o que for”.
 
Os empresários podem ainda fazer uso das ligações históricas e culturais, começadas a construir com a chegada dos portugueses à Indonésia em 1512, para o comércio das especiarias.
 
A presença lusa não está só nos livros de História. Há um vasto património luso edificado, há o cristianismo, que aqui chegou através dos portugueses, há centenas de palavras semelhantes entre os dois idiomas e há ainda pessoas com nomes de família portugueses, pelo que entrar no mercado por zonas onde essa presença é mais visível, como as Flores, as Molucas ou Aceh, poderá ser uma boa alternativa à efervescência de Jacarta.
 
Esta herança é mais conhecida por indonésios do que por portugueses. Aliás, são muitos os que sabem que os portugueses foram os primeiros europeus a chegar aqui, o que se traduz em respeito e credibilidade no mundo dos negócios. Daí que o presidente da AICEP sublinhe: “Esta é uma realidade económica que interessa às empresas portuguesas”.

Sugerir correcção
Comentar