Paradoxo dos juros
Em Janeiro de 2012, mais que um semestre depois do inicio do resgate da troika, os preços das obrigações portuguesas a 10 anos correspondiam a uma taxa de juro superior a 17%, o que era representativo da percepção de risco que os investidores atribuíam ao nosso País. Esta mesma taxa, em Janeiro de 2010, era inferior a 5% e, curiosamente, muito próxima das taxas equivalentes praticadas pela França ou pela Alemanha.
Custa-me bastante entender, claro que em especial agora, depois da história contada, como é que Portugal, tão pouco tempo depois de ter aderido ao Euro, conseguia emitir dívida com taxas de juro tão próximas das economias mais fortes na Europa, mas o que é um facto é que conseguia, como se de repente e por obra e graça da adesão, passássemos a ter um risco de incumprimento negligenciável. Sei que há justificações muito mais profundas mas tivemos de facto uma espécie de estado de graça que nos permitiu financiamentos a taxas muito baixas que, como sabemos, permitiu uma montanha de investimentos públicos e uma alteração nos padrões de consumo que agora torcemos a orelha por ter utilizado.
Em 2010 e 2011 as nossas taxas de juro só subiam. De repente parece que os mercados tomaram consciência de um percurso insustentável da nossa economia e do risco que Portugal não tivesse a capacidade de cumprir com o serviço da dívida. O governo entretanto eleito, pelas palavras do primeiro-ministro e do seu ministro das finanças, anunciavam uma versão substancialmente diferente do programa eleitoral, eram necessárias medidas que restabelecessem a confiança no País. Já o anterior ministro das finanças tinha anunciado que uma taxa de juro superior a 7 ou 8% seria completamente insuportável mas o que é certo é que chegamos ao dobro.
Olhar para a evolução das taxas como um indicador da “performance” da economia parece lógico e é genericamente aceite. Surge então a bandeira do actual governo desde o início de 2012. A estratégia estava certa, o caminho era difícil mas estava a dar resultados, a tendência de evolução das taxas de juro já tinha invertido, e assim continuamos até hoje. O Estado testa o mercado com uma emissão de dívida a 5 anos e no inicio deste mês uma outra a 10 anos, que o nosso ministro das finanças considerou um “enorme sucesso” pois conseguimos, para três mil milhões, uma taxa perto dos 5,7%. Estes dias, a mesma taxa desceu para 5,2%, um valor que não observávamos desde o verão de 2010. Mas então a nossa economia teve um percurso assim tão favorável desde o início de 2012 que justifique esta descida nas taxas de juro? Pois nem os números e muito menos o que sentimos no dia a dia nos mostram tal coisa!
A economia portuguesa continua em recessão e a taxa de desemprego, perto dos 18%, é a terceira pior da Europa, mais grave só a Grécia e Espanha. Mas então como é que os mercados reagem tão favoravelmente a este conjuntura?
Se olharmos para os diversos relatórios que vão sendo produzidos pelas empresas de rating temos uma outra perspectiva, que eu tendo a concordar, sobre este paradoxo da economia não estar a melhorar e as taxas continuarem a descer. Sabemos que estas empresas, que classificam a qualidade das variadas emissões de dívida, mantém uma “nota” baixa para Portugal pelas razões que todos conhecemos, em resumo, por não ser evidente que as politicas que têm sido seguidas conduzam a uma melhoria na economia que se venha a traduzir num risco de crédito mais baixo. Faço parte dos que criticam muito do que estas empresas fazem, nomeadamente o evidente conflito de interesses quando apreciam negativamente a dívida emitida pelos seus clientes, mas aprecio pela correcção as análises que têm produzido em relação ao nosso País. É evidente que a própria descida das taxas de juro, ou antes, uma diminuição dos custos de financiamento (que não é bem o que temos) seria positivo numa perspectiva creditícia, o que poderia conduzir a uma melhoria do rating da nossa dívida mas o que se passa é que a evolução dos dados económicos têm tido um efeito contrário nessa avaliação.
As nossas taxas de juro, verificadas nos mercados secundários, tem descido fundamentalmente pela política monetária que tem sido seguido pelo Banco Central Europeu, sim esse de que tantas vezes ouvimos cobras e lagartos mas que tem conseguido, através dos recursos que disponibiliza aos Bancos, através da sua actuação nos próprios mercados secundários e fundamentalmente através das promessas do que ainda poderá actuar nos mercados, mesmo que para isso precise emitir moeda, reduzir as taxas de mercado praticadas.
Portugal precisa agora (não está em causa se já poderia ter feito mais por isso) de inverter a tendência do crescimento económico. Precisamos crescer e preferencialmente acima dos 3%, precisamos diminuir o desemprego e não temos dinheiro que outros têm para estímulos económicos. Precisamos então que esta tendência de descida de taxas de juro continue, pelo menos até aos 3% ou aos 2,5%.
Mas as taxas de juro não baixam por decreto, como por vezes alguns discursos políticos fazem parecer, o juro é a tal medida de confiança, da percepção do risco de quem nos empresta. Precisamos de políticas que continuem a satisfazer os critérios dos nossos principais credores actuais de forma a conseguir essa redução nas taxas de juro porque essa será a única forma de, conjugada com estímulos não monetários, podermos esperar que a economia comece a crescer e que o desemprego diminua.
Curioso, e felizmente, esta pretensão de uma baixa nas taxas de juro acompanhadas com crescimento económico é consensual nos principais partidos que nos governam e que nos continuarão a governar. Claro que há uma crispação política sobre a operacionalidade destes objectivos, uns criticam o excesso de austeridade como impeditivo ao crescimento, outros insistem em passar menos cheques por forma a manter a tendência das taxas de juro.
Uma coisa temos que ter consciência, a nossa dívida continuará a aumentar nos próximos anos e só será sustentável a um preço baixo e se a economia do País crescer. Nestas ideias até há consenso, as pessoas é que não se entendem, muitas vezes sabemos porquê e não é pelas melhores razões.