Banco de Portugal e Ministério Público não recorrem da prescrição do caso Jardim Gonçalves
Supervisor alega que o Conselho Superior de Magistratura não soube fazer as contas ao tempo que o processo demorou até à decisão.
As duas entidades consideram que se trata de uma decisão que se apoia "em factos", o que retira possibilidade de vir a ser reversível num procedimento de recurso.
No meio da polémica que a prescrição suscitou, o Banco de Portugal vem entretanto sustentar que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) “não soube contar” o prazo que decorreu entre o início da instrução do processo BCP e a decisão condenatória final do Banco de Portugal, um período que se prolongou por dois anos e quatro meses, e não por cinco anos - como veio garantir na quinta-feira o CSM -, assegurou ao PÚBLICO um alto quadro da entidade liderada por Carlos Costa.
“O CSM não soube fazer os cálculos, pois o processo BCP foi instaurado a 26 de Dezembro de 2007”, semanas depois de o BdP ter recebido de Joe Berardo as denúncias [e prova dos factos considerados ilícitos], enquanto “as condenações [do BdP] foram proferidas em Abril de 2010”, explicou o mesmo responsável. Uma declaração que surge num contexto de “tira-teimas” entre o supervisor e o órgão que avalia e exerce o poder disciplinar sobre os juízes e que, esta quinta-feira, tomou uma posição pública sobre a anulação do julgamento a Jardim Gonçalves.
Recorde-se que o BdP, no processo BCP, foi apoiado juridicamente pelo gabinete de advocacia Sérvulo Correia & Associados. De acordo com a documentação oficial, entre Agosto de 2009 e Fevereiro de 2011, o valor do contrato ascendia a quase 685 mil euros por serviços de assessoria jurídica prestados no quadro da preparação e do julgamento do processo BCP: 650 mil euros entre 7 de Agosto de 2009 e 14 de Fevereiro de 2011; e 35 mil euros entre 3 de Março de 2009 e 11 de Setembro de 2009.
Para o CSM, a decisão do Tribunal de considerar prescritos os ilícitos de que o fundador do BCP era acusado deve-se ao facto de o supervisor bancário ter demorado cinco anos a tomar uma decisão de condenação. Uma posição que o BdP rejeita, alegando que o CSM parte do princípio de que o BdP começou a instruir o processo em 2005, quando na realidade isso aconteceu em Dezembro de 2007 e até à condenação (Abril de 2010) passaram dois anos e quatro meses. Um período que justificou 97 audições testemunhais e audições aos 11 arguidos.
O BdP acusou Jardim Gonçalves de manipulação de mercado e de falsificação de contas entre 1999 e 2007 e aplicou-lhe uma multa de um milhão de euros e a inibição de actividade.
O braço-de-ferro entre o BdP e o CSM está a ser travado ao mais alto nível, o que justificou uma troca de comunicados entre as duas instituições, isto depois de, na semana passada, o juiz António da Hora, do Tribunal Criminal de Pequena Instância Criminal, ter decretado como prescritos (extintos) todos os ilícitos de que Jardim Gonçalves era acusado. O ex-banqueiro já tinha alegado que as contra-ordenações do BdP contra si prescreveram em Março de 2013, pois as suas funções executivas no BCP terminaram em 2005.
O BdP culpa agora António da Hora de ter, em 2011, anulado injustificadamente o processo contra Jardim (o que levou a vários recursos por parte da acusação), decisão que levou a “uma interrupção do julgamento por dois anos e meio” e obrigou o processo a regressar à estaca zero. Na quarta-feira, o BdP responsabilizou publicamente a Justiça pela anulação do julgamento o que levou, no dia seguinte, o CSM a apresentar uma outra versão dos factos: o processo começou no BdP em 2005 (e não em Dezembro de 2007 como garante o BdP) e só “cinco anos e cinco meses depois” é que chegou ao tribunal, isto na sequência de um recurso interposto pelo fundador do BCP.
Jardim Gonçalves e a sua equipa são acusados pelo supervisor de vários ilícitos relacionados com a sustentação da cotação do BCP, por recurso a 17 sociedades offshore, com sede nas Ilhas Caimão, que compraram acções próprias do banco no início da década de 2000. Para o BdP, as infracções foram cometidas de modo consciente e, por esta razão, os ex-gestores actuaram de forma dolosa.
Carlos Costa, que deu, em 2001, na sua qualidade de director da área internacional do BCP, parecer favorável à renovação de créditos de algumas destas sociedades offshore, foi testemunhar no tribunal: “Não tinha conhecimento de qual era a prática da gestão discricionária [quais os títulos que as sociedades tinham nas suas carteiras], nem conhecimento de que não havia ultimate beneficial owner [beneficiário último]". Costa explicou ainda que as suas funções no BCP não o obrigavam a ter esse grau detalhado de informação sobre as offshore(sociedades não residentes).
O CSM já veio sublinhar que a extinção de processo só afecta o referente a Jorge Jardim Gonçalves, mantendo-se em curso as acções referentes a mais oito arguidos (sete ex-gestores do BCP), no que respeita aos actos posteriores a 2005: Christopher De Beck, António Rodrigues, Filipe Pinhal, António Castro Henriques e Luís Gomes, além do próprio BCP.
O CSM determinou a abertura de um inquérito para apreciação da tramitação do processo desde que foi remetido ao tribunal pelo BdP.