“Obviamente que os preços na restauração vão baixar”

José Manuel Esteves, director-geral da Ahresp, garante que a reposição do IVA nos 13% para os serviços de refeições, cafetaria e água lisa, vai permitir às empresas reduzir preços. Criação de emprego vai ser monitorizada.

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José Manuel Esteves, director-geral da Ahresp DR

José Manuel Esteves, director-geral da Associação da HotelariaRestauração e Similares de Portugal (Ahresp), diz que, ao contrário do que foi escrito “pela comunicação social”, os preços na restauração vão, afinal, baixar. Primeiro, nas empresas que nasceram no pós “hecatombe” do aumento do IVA para 23%, depois nas que sobreviveram à crise. É o mercado a funcionar, argumenta. Mas para justificar a reposição do imposto, que terá um impacto negativo para os cofres do Estado de 350 milhões de euros, o sector da restauração terá de criar emprego e dar provas disso. José Manuel Esteves está tranquilo: argumenta que “é impensável não haver criação” de postos de trabalho, quando as empresas se debatem com falta de pessoal. E para agilizar a contratação de novos trabalhadores, defende a criação de uma espécie de “via rápida” para o sector. A forma como o imposto será aplicado tem suscitado muitas questões mas o director-geral da Ahresp garante que, por exemplo, os menus terão 13% aplicados. António Costa, primeiro-ministro irá dissipar algumas dúvidas amanhã, nas jornadas da associação, onde também estarão presentes cinco ministros do Governo socialista.

O IVA na restauração desce para 13%, mas só para serviços de alimentação e algumas bebidas. Foi um balde de água fria?
Não. Foi uma excelente notícia e o cumprimento de uma promessa eleitoral do actual Governo. A primeira instituição com quem o primeiro-ministro depois de ter tomado possa reuniu talvez tenha sido a Ahresp, para acertar os detalhes sobre a forma como foi aplicado. Perante o volume orçamental que se estimava com o impacto da reposição dos 10 pontos percentuais no IVA - 77% de subida de imposto, uma barbárie de que não há memória a nível internacional – acordámos que seria aplicado a partir de 1 de Julho. Depois, em relação a outras matérias foi estabelecida uma plataforma de trabalho que ainda está em funcionamento.

Essa plataforma foi decidida logo nessa reunião de Janeiro?
Sim. No que toca às bebidas demonstrou algumas preocupações - para além dos efeitos económicos e financeiros no orçamento – com a problemática do álcool e dos açúcares. Ali, tomou a decisão de criar uma comissão de trabalho que vai monitorizar a aplicação da reposição nos 13% e isto é relevante. O Ministério das Finanças, no que toca às receitas, o Ministério do Trabalho, no que toca à criação de emprego (que é o grande enfoque desta medida) e a Ahresp vão manter a partir de agora um grupo de trabalho permanente que vai fazer, até ao final do ano, a qualificação e a quantificação do resultado da reposição. Ainda estamos a acertar detalhes e pormenores sobre quais são as bebidas abrangidas pela reposição do IVA. A cafetaria e a água lisa ficam incluídas nos 13%, há questões a acertar sobre, por exemplo, os sumos e néctares. Há questões de como se aplica esta dupla tributação às nossas refeições completas.

Os menus terão 23%?
Ainda estamos exactamente a ultimar detalhes com a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais onde antes da aprovação do Orçamento do Estado [a 16 de Março] haverá novidades. Neste momento há várias interpretações legais, umas que defendem que prevalecem os produtos com mais peso (neste caso as refeições, portanto, a 13%), outras que referem uma tributação diferenciada. Mas há serviços que não são separáveis, como o tudo incluído na hotelaria, um buffet, um evento ou casamento com tudo à discrição, por exemplo. Até aos menus completos, uma sopa, prato e bebida. Taxar os menus completos a 23% iria contradizer o que foi acordado. A decisão é taxar as refeições a 13% e nunca um menu poderá ter 23%.

Como é que se vão aplicar na prática estas duas taxas de IVA? As empresas terão de investir em novos programas de facturação.
Claro que terão de fazer actualizações, mas serão feitas com alguma satisfação.

Mas depois terão de mudar tudo em 2017 quando o IVA ficar nos 13%...
Mas sofremos nos últimos quatro anos, neste período de barbaridade em que além de nos ter aumentado em 77% o IVA, o Ministério das Finanças promovia alterações aos sistemas fiscais e de facturação regularmente. Ou eram os documentos de transportes, ou os inventários permanentes… Houve quatro correcções aos sistemas de facturação. Aí sim. Com a carga toda que estávamos a suportar – porque não repercutimos o aumento do IVA nos clientes e por isso nos descapitalizámos – ainda nos exigiam este esforço regular. Tudo culminou com mais um grave problema que foi o NIF ser usado para o sorteio dos automóveis poluidores. Criou-se um volume de trabalho enorme e as Finanças nunca se preocuparam em promover a utilização do código de barras, que nos ajuda imenso a fazer a leitura na hora. Tudo isto foram custos em períodos de sacrifícios terríveis. Agora trata-se de repor uma taxa, as empresas não vão ter problemas em adaptar [o sistema de facturação]. Todos os problemas fossem esses.

Se este ano não há margem orçamental para repor o IVA em todos os serviços, acredita que em 2017 haverá, de facto, descida total?
Foi uma das preocupações do primeiro-ministro. Estamos a monitorizar até ao final do ano porque a intenção é aplicar a taxa intermédia de IVA a 1 de Janeiro de 2017 a todos os serviços de alimentação e bebidas, sem excepção.

Não tem qualquer dúvida de que as contas do Estado permitirão dar essa folga?
É isso que vamos monitorizar. Vamos monitorizar a aplicação deste pacote completo, nomeadamente, a criação de emprego, que é uma preocupação profunda. Vamos ter dados da Segurança Social, dos centros de emprego. É este conjunto que vai gerar poupanças ao Estado, com a diminuição dos gastos com subsídios de desemprego e aumento de receitas com a TSU e o IRS do empregado.

A criação de emprego foi uma moeda de troca?
Absolutamente.

Como é que podem garantir que vão contratar pessoas? Já disse que as empresas estão descapitalizadas.
De forma natural. Entre 2008 e 2015 a restauração e a hotelaria perderam 60.700 postos de trabalho, são números do INE. Entre 2011 e 2015, fecharam 11.300 empresas e perderam-se 1,2 mil milhões de euros de volume de negócios. As empresas em nome individual não estão nestas estatísticas dos encerramentos, não são contabilizadas, e são a maioria.  Na nossa oferta há empresas as que resistiram até hoje e tiveram de se descapitalizar porque não conseguiram repercutir preços no cliente e despediram para sobreviver. Estão no limite da qualidade do serviço que prestam e nós queremos ter um turismo vitorioso – que equilibra a nossa balança comercial. A qualidade só se atinge com bom serviço e trabalhadores qualificados. É impensável que um cliente entre num restaurante e fique de braço no ar à espera de ser atendido. Isto é urgente. Um inquérito que fizemos aos nossos empresários mostrou que mais de 70% das empresas vão contratar postos de trabalho urgentemente.

Conseguem fazê-lo com a margem que vão conseguir graças à reposição do IVA?
Absolutamente. Parte será usada para recapitalizar, evitando baixar imediatamente os preços de venda, mas a primeira urgência é repor postos de trabalho. A segunda é requalificar as instalações e equipamentos. É importantíssimos que Portugal continue a liderar nesta matéria: temos as melhores cozinhas do mundo. Mas temos mesmo. E este sector nunca recorreu muito à banca, sempre foi uma característica trabalhar com capitais próprios (na área da restauração). Logo a seguir é começar a baixar os preços de venda. Essa moda que anda aí sobre os preços…

Refere-se à moda de manter os preços com a reposição do IVA?
O sector é composto por uma maioria de empresas que resistiram e das quais já falei. E outras novas que abriram, já com uma organização de trabalho, com uma preparação diferente, modelos de negócios e número de trabalhadores adequados. Não estão neste momento com problemas de resultados positivos.

Aliás, em 2015 nasceram quase 4300 empresas no sector da restauração e alojamento e encerraram 1651, 370 foram para a insolvência. O saldo é positivo.
O saldo não é positivo. Porque faltam nesses dados as micro e pequenas empresas em nome individual. As novas empresas têm margem e rentabilidade. Quando a taxa do IVA for reposta têm imediatamente margem para baixar os preços aos clientes. Por isso, quando nos perguntam se os preços vão baixar, e contrariamente ao que se tem dito na comunicação social, a resposta da Ahresp é: obviamente que vão baixar. Uns no curto imediato prazo (as empresas que abriram depois da hecatombe e têm músculo para o fazer), outros assim que for possível. Quando as sobreviventes rapidamente se recompuserem, com postos de trabalho e investimento, também baixam preços. Porque será o mercado a funcionar.

Mas essa ideia não tem passado, pelo contrário.
Não. E agradeço a oportunidade para esclarecer. Com um pormenor: Portugal é o país da Europa que mais barato vende refeições. Igual a nós só a Estónia. França, Itália e Espanha têm IVA a 10% e França tem os preços de venda 30% mais caros, na restauração simples, popular. Porque é que ainda nos pedem para baixar os preços de venda? Para ficar com os preços iguais aos da Nigéria? Temos de dar qualidade e higiene e respeitar as boas práticas ambientais.

Mas vamos por partes. Vai ser possível baixar preços, correcto?
Exacto.

Serão os novos operadores a fazê-lo no imediato. Os restantes, assim que puderem.
Se numa rua um restaurante abre com preços mais baixos, na porta ao lado terão de rapidamente de se encostar. É com esta concorrência leal que os preços vão baixar. É o mercado a funcionar, num país que já tem os preços mais baixos da Europa.

Se têm os preços assim tão baixo, por que vão agora descê-los?
Temos séculos de experiência, assistimos a muitas crises e problemas e sabemos que o que comanda é o mercado.

Voltando à criação de emprego. Foram definidas metas específicas?
Não está quantificado, nem pode estar. É Bruxelas que diz: aplique-se a taxa reduzida de IVA ao sector da restauração em toda a Europa, porque é uma forma de combater a evasão fiscal e porque é um sector de forte empregabilidade, que não exige muitas qualificações e abrange fatias de população por níveis etários. Infelizmente ouvimos alguns fazedores de opinião questionar a qualidade do emprego que vamos criar. Não pode haver melhor qualidade do que dar emprego a milhares de famílias que trabalham neste sector. Estamos a trabalhar com o Ministério do Trabalho, Vieira da Silva, que está a comandar esta iniciativa e a área da monitorização será muito na Segurança Social. A meta que temos é rapidamente repormos os postos de trabalho destruídos, os 60.700 oficiais, mais os silenciosos.

Rapidamente, quando?
Obviamente que não será no imediato. Estamos a arrancar a 1 de Julho, mas no final do ano já teremos indicadores monitorizados para podermos fazer algumas correcções no percurso.

Significa que se não houver a esperada criação de emprego, aceitarão o IVA de novo nos 23%.
Estou a bater na madeira. É impensável não haver criação de emprego. É imperioso. Os nossos empresários estão a trabalhar sete dias por semana, das sete da manhã à meia-noite ou duas da manhã, não fazem férias há quatro anos. Não passa pela cabeça de ninguém não contratar. O que ficou claro na conversa com o Ministro do Trabalho é que é um projecto para ser estabilizado. O que queremos é que seja irreversível e estável.

O grupo de trabalho tem reuniões já marcadas?
Estamos a fazer o calendário de reuniões. Espero reunir logo a seguir à Bolsa de Turismo de Lisboa com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. A partir do dia 8 de Março vamos iniciar os encontros regulares.

Como foram estes últimos anos de lobby pela reposição da taxa A Ahresp criou uma task force e centrou todos os seus esforços e recursos neste assunto?
Não, aconteceu tudo de forma natural. Esta associação, pela sua representação e peso, pôs os seus recursos a trabalhar nisso. Fizemos muitas reuniões, muitos estudos.

Quantos estudos?
Nós fizemos dois e a Confederação do Turismo fez um. Até que o Governo português nos disse que não valia a pena continuarmos porque iam mandá-los para o caixote do lixo. Deixámos de fazer demonstrações técnicas. Começámos esta campanha em Outubro de 2011, quando foi anunciado o famigerado aumento. Já lá vão quase quatro anos e meio de luta. Mas temos uma série de dossiês na agenda. Temos os mais de cem custos de contexto e, nesta matéria, vai ser apresentado um simplex para o nosso sector na Bolsa de Turismo de Lisboa. Temos ainda os custos dos pagamentos electrónicos…

Mas esses já estão resolvidos com a introdução de limites máximos na taxa interbancária, ou não?
Não. Até hoje não foi reflectido nos nossos custos. Devíamos estar a pagar 0,3% pelos pagamentos com cartões de crédito e 0,2% pelos de débito, mas há empresas a pagar 1%. O Governo teve agora necessidade de criar um imposto de selo sobre o negócio dos pagamentos electrónicos, mas já estão a dizer que vão reflectir esse aumento nas nossas empresas, agravando a taxa.  (…) Há outras questões que nos preocupam, como a dos direitos de autor conexos. É inaceitável que qualquer grupo de indivíduos possa ir ao notário, aplique unilateralmente uma tabela que ninguém controla e chega com a polícia aos estabelecimentos e apreende material. Há depois toda a burocracia do emprego. Um membro do Governo disse recentemente que existem 1400 procedimentos no Ministério do Trabalho à volta da criação de um posto de trabalho e a sua manutenção. Vamos criar emprego, mas é preciso facilitar o processo.

Poderá ser criada uma espécie de via rápida para o emprego na restauração?
É um dos desafios que vamos colocar ao ministro do Trabalho. Sabemos que está muito atento à especificidade do sector, de laboração contínua, 24 horas por dia, 365 dias por ano, muito sazonal. A grande luta nossa – e estivemos na semana passada como Ministro das Finanças – é a simplificação e transparência fiscal. Antes era uma alegria. O Governo reunia todas as semanas em Conselho de Ministro e se não produzia dez leis novas achava que não mostrava serviço. Era o que chamávamos de “constância da inconstância legislativa”. Agora teremos legislação fiscal duas vezes por ano, negociada com antecedência com os agentes económicos

Quanto é que gastaram nos estudos ao longo deste processo?
Muitos milhares de euros, mas foram bem gastos. Os nossos órgãos sociais são mandatados para ir até à exaustão na defesa dos interesses dos nossos associados.

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