Observatório põe em causa cálculos de Passos para sustentabilidade da dívida

Laboratório do CES/UC apresenta cenários de evolução da dívida para justificar uma “reestruturação profunda”.

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Carvalho da Silva, responsável do observatório, foi um dos subscritores do manifesto dos 74 Miguel Manso

Num boletim publicado por este laboratório associado do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, os cenários sobre a evolução da dívida pública põem em causa os pressupostos da equação utilizada pelo primeiro-ministro quando disse que Portugal tem condições para pagar a sua dívida.

Para o observatório, a “sustentabilidade da dívida e o cumprimento do tratado orçamental dependem de uma combinação de condições extraordinárias cuja probabilidade de ocorrer é extremamente reduzida”. E contrapõe que uma “análise realista” remete “necessariamente para a necessidade de uma reestruturação profunda”. Porque “o propósito de servir a dívida pública a todo o custo tende a resultar a prazo numa situação em que, apesar de todos os cortes orçamentais, a insustentabilidade acaba por se impor como um facto”, o observatório liderado por Manuel Carvalho da Silva entende que o Estado deve desde já tomar a iniciativa de desencadear um processo de reestruturação.

Um cenário referido no boletim seria avançar com uma renegociação — seja no quadro da União Europeia, seja directamente com os credores privados e oficias — que permitisse reduzir o stock da dívida para cerca de 60% do PIB, “combinado com uma diminuição das taxas de juro implícitas para cerca de 2%”.

Quando, em Março, foi lançado o manifesto dos 74, que o ex-secretário-geral da CGTP subscreveu, Passos Coelho apresentou os seus pressupostos para Portugal evitar uma reestruturação: “Se nós conseguirmos exibir nos próximos anos, em média, um excedente primário em torno de 1,8%, não me parece uma coisa muito irrealista, estamos muito próximo de chegar a uma meta dessa natureza. Se juntarmos um nível de inflação não superior a 1% e um crescimento anual entre 1,5% e 2%, temos a possibilidade de exibir o resultado que pretendemos: sustentabilidade da dívida pública com redução da dívida”.

É esta receita — conjugada com as obrigações do tratado orçamental referidas pelo Presidente da República no prefácio do livro Roteiros VIII — que é posta em causa pelo observatório. “Simulando a trajectória da dívida com os valores referidos pelo primeiro-ministro (excedente primário de 1,8%, crescimento nominal 2,6%) para uma taxa de juro implícita de 4% (referida pelo Presidente da República, mas omitida pelo primeiro)”, haverá uma “trajectória horizontal” da dívida, sugere-se no documento. Ou seja, neste cenário “a dívida em percentagem do PIB manter-se-ia indefinidamente no nível de 126,6% previsto pelo FMI para 2014”.

O observatório enfatiza ainda que, em relação ao crescimento, à taxa de juro da dívida e ao excedente orçamental primário (descontado o pagamento dos juros), “em nenhum dos últimos 14 anos se verificaram conjuntamente as condições de sustentabilidade” que Passos refere. “Entre 1990 e 2008, as taxas de juro da dívida pública foram sempre superiores a 4%” e “as projecções desta taxa para o futuro estão rodeadas de incertezas”; ao mesmo tempo, “só em cinco dos últimos 14 anos e em dois dos últimos dez anos se verificou um crescimento real acima deste limiar [1,6%]”; e quanto ao excedente primário “só encontramos um saldo primário superior a 1,8% recuando a 1991”.

No boletim, referem-se ainda as dificuldades em serem cumpridas as regras do pacto orçamental, que desde Janeiro de 2013 exige, entre outras regras, um limite de 0,5% de défice estrutural (excluindo os efeitos temporários e conjunturais) e a redução da dívida para 60% do PIB num período de 20 anos. E “nunca nos últimos dez anos as condições de sustentabilidade ou de cumprimento do tratado se verificaram”, frisam.

“Se a sustentabilidade da dívida depende de uma combinação de condições extraordinárias cuja probabilidade de ocorrer é – de acordo com a trajectória recente da economia portuguesa – extremamente reduzida, o cumprimento das condições do tratado orçamental implicaria o sacrifício de extractos sociais maioritários da população portuguesa e da própria missão do Estado Social”, sustenta ainda o observatório.

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