Nova emissão coloca excedente de tesouraria em 20.000 milhões de euros
Portugal conseguiu obter um novo empréstimo de 3000 milhões de euros nos mercados. O dinheiro que está a acumular pode servir para evitar cautelar, mas custa 50 milhões de euros em juros ao mês.
Esta terça-feira, o tesouro português cumpriu o objectivo de ir buscar aos mercados um novo empréstimo de 3000 milhões de euros. Fê-lo através da emissão de títulos de dívida a 10 anos, que os investidores que participaram na emissão compraram em troca de uma taxa de juro de 5,112%. A procura total dos investidores ascendeu, de acordo com os dados publicados pela Agência para a Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, a 9800 milhões de euros. Em Maio do ano passado, Portugal realizou uma emissão de dívida a dez anos com a taxa de juro a ficar nos 5,669%, tendo a procura atingido os 10.000 milhões de euros.
Esta nova emissão de dívida, feita um mês depois de uma outra de 3100 milhões de euros a cinco anos, surge numa altura em que o tesouro português acumula já um montante bastante significativo de excedentes de tesouraria. De acordo com os dados publicados pelo IGCP, Portugal terminou o ano com depósitos que ascendem a 14.300 milhões de euros. Com as duas emissões realizadas (e não tendo havido qualquer amortização de títulos de longo prazo), entraram nos cofres mais 6100 milhões de euros, o que significa que agora o excedente de tesouraria já andará próximo dos 20.000 milhões de euros.
Ao longo deste ano, o Estado português terá onde gastar esse dinheiro. Por um lado, são 11.800 milhões para fazer face aos défices públicos e às injecções de capital que sejam necessárias. Depois são 11.100 milhões de euros em amortizações de dívida de longo prazo (incluindo 4600 milhões em Junho e 6140 milhões em Outubro).
No entanto, mais receitas irão entrar. A troika ainda irá até Maio desembolsar mais 7800 milhões de euros do empréstimo acordado em 2011 e o Governo conta ainda com um acréscimo de 2500 milhões em produtos de retalho como os certificados de aforro e com a entrada de 2000 milhões em investimentos dos fundos da Segurança Social. Isto para além de novas emissões de dívida de longo prazo que venham a ser feitas, até porque o Governo está a preparar o relançamento de leilões regulares de obrigações de tesouro.
O Executivo aposta assim em manter um excedente de tesouraria bastante reforçado, tal como tem sido admitido pelo próprio Governo e referido nos relatórios de avaliação da troika.
Esta estratégia tem um grande objectivo: dar ao Estado português uma margem de manobra muito confortável na procura de financiamento no mercado quando terminar o programa da troika. Com os montantes já garantidos, o tesouro poderia, caso as condições de mercado se deteriorassem, ficar sem realizar qualquer emissão até ao princípio de 2015. Os 20.000 milhões surgem, neste cenário, como uma espécie de seguro que dá ao Executivo a possibilidade de ambicionar uma saída limpa do programa sem necessidade de um programa cautelar (que faria mais ao menos o mesmo mas seria fornecido pelos parceiros europeus a taxas mais baixas).
A acumulação de excedentes, por outro lado, tem uma grande desvantagem: o seu custo. Portugal está a emitir dívida a taxas de juro próximas de 5%. Estes 20.000 milhões de euros acumulados em depósitos não são utilizados e não conseguem garantir um rendimento semelhante aos seus detentores. Traçando um cenário em que o Tesouro conseguia obter, com investimentos de curto prazo e risco reduzido um rendimento anual de 2%, a perda por ter este dinheiro “parado” ascende a cerca de 50 milhões de euros ao mês.
Desde 2011, com a chegada da troika, que se verifica um aumento do excedente de tesouraria nos cofres do Estado. No entanto, nos dois primeiros anos, isso aconteceu sobretudo devido à entrada do financiamento da troika, que neste momento, tem uma taxa de juro média de 3% para uma maturidade de 13,6 anos, ou seja, bastante inferior ao que está a oferecer o mercado.
A Irlanda utilizou a mesma estratégia para conseguir a sua saída limpa do programa da troika. Acumulou um excedente de tesouraria de 25.000 milhões de euros (que de acordo com as contas do Executivo têm um custo de 56 milhões de euros ao mês) e abdicou do programa cautelar.
O especialista em finanças públicas Paulo Trigo Pereira defende que esta estratégia mostra que “há uma tendência eleitoralista que provoca a saída limpa, em vez do programa cautelar”. “Isto tem um custo elevado. Estamos a agravar a taxa de juro média e a agravar o stock da dívida”, afirma, afirmando que, em contrapartida, “um cautelar sem grandes condicionalismos dava o sinal correcto da situação em que se encontra Portugal”.
João Duque, professor do ISEG, tem a mesma opinião. “É uma estratégia cara e o problema é que estamos muito endividados e com um serviço brutal. A questão que eu coloco é: se as eleições estivessem marcadas para 2018, estariam agora a acumular estes depósitos?”, pergunta.