Negócios com a Guiné Equatorial ajudam a perpetuar poder repressivo de Obiang Nguema
Numa investigação publicada em 2013, académica espanhola denuncia o "despotismo predador da família Nguema", acusada de lucrar com os ganhos do petróleo em detrimento da população. Empresa estatal deste país está prestes a entrar no capital do Banif.
Pouco se fica a saber sobre a GEPetrol, na sua página na Internet, onde não constam documentos ou relatórios e contas (dando nota dos seus investimentos e participações, por exemplo), mas onde a empresa se apresenta, desde a sua criação, em 2001, como um “elemento-chave para o desenvolvimento do país”. A gestão que faz dos recursos petrolíferos do país tem como objectivo o alcance dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), estabelecidos pela ONU, lê-se no site, sendo a prioridade a erradicação total da pobreza no país.
A Guiné Equatorial é um dos países menos desenvolvidos do mundo, onde a esperança de vida é de 51 anos, as escolas e os hospitais, além de serem muito poucos, são pobres, e onde a Internet – uma janela para o mundo, de dentro de um país sem informação livre – só chega a quem tem luz e, mesmo aqui, os cortes são constantes. E assim permanece, mesmo depois das primeiras descobertas de petróleo, em meados dos anos 1990.
O país é rico – mas apenas no indicador que mede o Produto Interno Bruto per capita. E é também por causa da riqueza e crescimento, graças ao petróleo, que apresenta a mais alta discrepância entre rendimento e desenvolvimento. Em 2011, estava no 45.º lugar no ranking de PIB per capita, mas apenas em 136.º no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano numa lista de 187 países da ONU.
Vazio de informação
É um país, em grande parte, sem as estatísticas que são conhecidas em muitos outros. Na Guiné Equatorial, não é possível saber a taxa de mortalidade infantil ou o número de óbitos nos hospitais. Esse vazio de informação permite ocultar o que a académica espanhola Alicia Campos-Serrano, da Universidade Autónoma de Madrid, considera ser a diferença entre os que vivem com “a escassez e a degradação dos serviços públicos” e aqueles que “beneficiam dos lucros gerados pelo petróleo”, num artigo integrado em 2013 nas publicações dos Cambridge Journals.
“Muitos dos benefícios da indústria extractiva estão a ser acumulados longe do país, não só pelas companhias estrangeiras, mas também por pessoas que ocupam cargos do Governo”, denuncia, embora reconhecendo que, nos últimos anos, alguns ganhos tenham começado a ser investidos no país. E acrescenta: “O Presidente Obiang Nguema e os seus familiares constituem os principais intermediários entre os grupos económicos estrangeiros e o território do Estado.” E expõe uma situação em que parte dos ganhos – dos pagamentos devidos às empresas estatais de gás e de petróleo (GEPetrol) nos contratos assinados – acaba por ser depositada “em contas bancárias no estrangeiro em nome de altos responsáveis [do Governo] com a necessária cooperação das empresas”.
Alicia Campos-Serrano apoia-se na investigação ao Riggs Bank nos Estados Unidos, conduzida pelo Senado norte-americano, que, em 2004, revelou que a família de Obiang tinha recebido, a título pessoal, pagamentos de companhias petrolíferas norte-americanas como a Exxon Mobil ou a Amerada Hess. Mas não só. Além desta realidade, acrescenta a investigadora, que fala em “despotismo predador da família Nguema”, a acumulação de riqueza “por parte da elite política toma forma também através do controlo de empresas nacionais, como a GEPetrol ou a Sonagas”.
A pouca informação existente é, porém, suficiente para perceber que o boom do petróleo teve impacto nos indicadores macroeconómicos, mas não nas condições de vida da população, acrescentava em 2013 esta professora e autora de vários estudos sobre petróleo em África em países como a Guiné Equatorial. E dizia que, depois da descoberta de petróleo, o clã Nguema formou uma rede de importantes parceiros – desde empresas a governos estrangeiros – que contribuíram para manter “a lógica de domínio político” assente na repressão.
Acusações de corrupção
Neste país, com uma parte continental (entre os Camarões e o Gabão) e duas ilhas, Bioko e Annabon, as pessoas vivem com medo de falar, ou de se manifestar, dizem opositores e críticos que acabam por escolher o caminho do exílio.
As prisões e a tortura de opositores do regime são frequentes, tal como é regular a realização de eleições. Mas estas apenas servem para perpetuar o poder de Obiang, com vitórias acima dos 98% com o seu Partido Democrático da Guiné Equatorial. Este controla 99 dos 100 lugares no Parlamento.
Obiang Nguema é o chefe de Estado africano há mais tempo no poder, onde chegou em Setembro de 1979, um mês antes de José Eduardo dos Santos, em Angola. Sucedeu ao seu tio Francisco Macías Nguema, num golpe de Estado violento, condenando-o depois à morte. Teodoro Obiang Nguema pôs assim fim a um dos mais violentos regimes de África, para iniciar outro, não tão violento, mas repressivo, muito rico em petróleo desde as primeiras descobertas na década de 1990 e sem perspectivas de mudanças – nem no plano da política nem no da transparência.
O escolhido de Obiang para vice-presidente, e tido como provável sucessor, é o seu filho Obiang Mangue, sobre quem pende um mandado de captura em França, no quadro de uma investigação a corrupção em vários países africanos.
Mas as suspeitas e acusações contra Obiang Mangue também têm seguido o seu curso nos Estados Unidos, onde o Departamento de Justiça norte-americano iniciou um processo para congelar 700 milhões de dólares (cerca de 550 milhões de euros) que lhe pertencem. O processo foi interposto em 2011 pelo próprio Governo dos EUA, que acredita que o dinheiro, detido em contas pessoais, provém dos cofres do Estado e de actos “de corrupção e lavagem de dinheiro”, como mostra a página do Departamento da Justiça norte-americano.
Às acusações de denúncias de prisões e execuções sumárias, de tortura, silenciamento e censura, juntam-se as de corrupção. Nem umas nem outras travam o interesse de vários países – como Portugal –, em franca aproximação ao país de 650 mil habitantes, com negócios a florescer em diversos sectores. A Guiné Equatorial tornou-se independente de Espanha em 1968 e manteve o castelhano como uma das línguas oficiais, ao qual mais tarde juntou o francês, para aderir à Organização da Francofonia, e ao português, com o objectivo de aderir como membro de pleno direito da CPLP, o que poderá acontecer na cimeira da organização, prevista para Julho, em Díli.