Ministra das Finanças põe em causa credibilidade das contas do PS

Maria Luís Albuquerque diz ter a expectativa de encurtar a devolução dos cortes dos salários na função pública, mas sem assumir compromisso.

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A ministra das Finanças defendeu a estratégia do Governo, que diz partir de “uma realidade que existe” Daniel Rocha

No Parlamento, onde na tarde desta quinta-feira se discute o Plano de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas que o executivo vai enviar à Comissão Europeia, Maria Luís Albuquerque duvidou das contas dos economistas, falando numa “colagem de previsões que no mínimo não se percebe”. “Para algo que tinha tanta importância achámos estranho”, alfinetou.

A ministra das Finanças defendeu a estratégia do Governo, que diz assentar em projecções credíveis e partir de “uma realidade que existe”, aproveitou o debate para apontar o dedo à base de trabalho dos economistas convidados pelo PS, centrando a discussão na tecnicidade do documento coordenado pelo economista do Banco de Portugal Mário Centeno.

As dúvidas foram levantadas depois de o deputado do PS João Galamba questionar a ministra sobre o impacto na actividade económica das propostas do Governo para as pensões. Galamba perguntou à ministra como vai ser possível cortar 600 milhões de euros em pensões e “não haver qualquer impacto no consumo”.

A ministra negou que esteja em causa um corte de 600 milhões de euros nas pensões, argumentando que o que está no programa é um “impacto positivo” nas contas da Segurança Social que vai depender do corte na despesa e do aumento da receita. A forma de reduzir a despesa, a ministra não explicou. Maria Luís Albuquerque disse que o modelo para chegar ao objectivo de poupar 600 milhões ainda está em aberto.

O valor apresentado tem por base a reforma chumbada pelo Tribunal Constitucional (TC) que previa a criação de uma "contribuição de sustentabilidade" entre 2% e 3,5% a aplicar às pensões acima de 1000 euros. Esta reforma estava apoiada noutras duas medidas - o aumento da taxa normal do IVA (de 23% para 23,25%) e dos descontos dos trabalhadores para a Segurança Social (de 11% para 11,2%) - que foram abandonadas pelo Governo.

A medida chumbada pelo TC valia 372 milhões de euros, enquanto o aumento do IVA valia 150 milhões de euros e a TSU dos trabalhadores100 milhões. Ao todo, a Segurança Social encaixaria mais de 600 milhões de euros.

A ministra defendeu ainda que o problema da Segurança Social não está resolvido e vinculou o PS a esta análise, referindo que foi isso mesmo que o estudo dos socialistas demonstrou.

Maria Luís Albuquerque argumentou que o modelo não está fechado, remeteu a solução para a próxima legislatura e voltou a chamar o PS à mesa das negociações. “Passada esta fase das eleições”, a ministra promete fazer “os ajustamentos que serão necessários”.

O PS e o Governo/partidos da maioria trocaram acusações sucessivas sobre a responsabilidade governativa de cada um, com a ministra das Finanças a insistir na estratégia de que não há alternativa e o deputado Vieira da Silva a reafirmar uma mudança de estratégia. “Sosseguem bancadas da maioria, sosseguem. Não vos vou confrontar com a reincarnação de Passos Coelho [antes e depois das últimas eleições legislativas]”, começou por ironizar o deputado Vieira da Silva.

O ex-ministro recuou até 2011, não para falar do Governo do PS que a maioria acusa de irresponsabilidade, mas para recordar o Documento de Estratégia Orçamental (DEO) apresentado pelo actual executivo nesse ano e comparar as previsões que ali estavam inscritas com os valores actuais. A conclusão do PS é só uma: a de que a queda do PIB, a perda de postos de trabalho e o aumento do desemprego é a “melhor prova de fracasso de quatro anos de políticas erradas, de incapacidade para corrigir os anos”. Um exemplo lançado por Vieira da Silva: “O PIB previsto então para 2015 só será atingido em 2019”. “O Governo não assume este falhanço”, mas os números “representam esse falhanço”, criticou.

Vieira da Silva procurou afastar a ideia de que não há alternativa. Reconhecendo que os próximos anos não são um “caminho sem riscos”, disse que “o rigor tem de ser compatível com esperança”. E colocou a tónica na resposta social com a qual, assegura, o PS está comprometido. Agravar um défice social para suportar um excedente orçamental, lançou Vieira da Silva, “não é um caminho de justiça, não é sequer um caminho de humanismo”.

O PCP, pela voz do deputado António Filipe, apontou o dedo ao discurso do Governo “pré-eleitoral” mas que entra em contradição com as medidas previstas.

“O Governo tem um discurso pré-eleitoral, o país está melhor, a troika já se foi, os sacrifícios já se foram. Mas depois vêem as letras miudinhas, os cortes têm de continuar até ao infinito e mais além”, criticou o comunista. Numa frase, o deputado resumiu a contradição e o fantasma do reaparecimento da troika, usando uma frase brasileira: “Se fugir o bicho pega, se ficar o bicho come”.

Na resposta, a ministra desvalorizou o discurso optimista, rejeitando “dourar a pílula” antes das eleições. “Estamos a dizer que os próximos quatro anos vão ser menos difíceis mas não vão ser iguais aos anteriores. Não vou dizer que é um paraíso”, afirmou.

Um novo reparo ao PS viria na resposta de Maria Luís Albuquerque a Vera Rodrigues, do CDS. “Como é que com os mesmos protagonistas o resultado pode ser diferente?”, questionou a centrista, referindo-se à bancada socialista.

A ministra lembrou a sua condição de funcionária pública. “Já vimos uma receita antes das eleições de 2009. Eu como funcionária do Estado aumentaram-me 2% e depois cortaram-me 10%”, relatou para concluir que o que espera é “a mesma coisa” e que foram os portugueses a pagar a factura.

A ministra assumiu não ter gosto em dizer que o Governo demora quatro anos a devolver os cortes nos salários. Mas entrou em campanha: “Queremos vir a seguir, devolver a sobretaxa”. Num ponto, Maria Luís Albuquerque acabou por concordar com a bloquista Mariana Mortágua quando lembrou a desvalorização que o salário dos funcionários públicos sofreu nos últimos anos.

“Dez anos depois, os funcionários vão voltar a receber o seu salário. Mas dez anos depois o salário vale menos. Vão receber 75% do valor do seu salário. Vão deixar de pagar a sobretaxa, 10 anos depois. É só um quarto do brutal aumento de impostos”, apontou a bloquista, perante um plenário mais silencioso. A ministra concordou: “É verdade que são dez anos para recuperar o salário na Função Pública. É lamentável que tenhamos de esperar 10 anos para repor o salário”.

Depois de o PS propor uma devolução mais acelerada dos cortes dos salários na função pública (em dois anos), a governante disse ter a expectativa de a devolução prevista pelo Executivo – ao longo de quatro anos – seja encurtada, embora sem assumir qualquer compromisso. Logo a seguir a ministra fez pairar o fantasma dos riscos de uma recuperação imediata de todos os rendimentos. “Nos próximos quatro anos não se pode deitar a perder o que se conquistou”.

Para muitas famílias, disse a ministra, descer os impostos “será útil e dará jeito”. Mas, na perspectiva do Governo, ainda não há condições para um desagravamento da carga fiscal. “Ninguém gostaria mais do que eu [de descer os impostos]. Só que nos temos responsabilidade. Não devemos prometer aos portugueses aquilo que não podemos [ver cumprido]”, insistiu Maria Luís Albuquerque.

Para defender a credibilidade do plano de estabilidade, a ministra elencou as análises feitas pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e do Conselho das Finanças Públicas, e deixou uma provocação aos socialistas, sugerindo que submetam à UTAO as suas previsões para que os técnicos que prestam auxílio orçamental ao Parlamento (e só ao Parlamento) avaliassem “se o cenário do PS é ou não consistente”.

Para defender a credibilidade do plano de estabilidade, a ministra elencou as análises feitas pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e do Conselho das Finanças Públicas e deixou uma provocação aos socialistas, sugerindo que submetam a estas duas entidades as suas previsões para que os técnicos avaliem “se o cenário do PS é ou não consistente”.

 

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