Ministério das Finanças terá de fazer parte das negociações das 35 horas ao lado das câmaras
Governo homologou parecer da PGR sobre negociação colectiva nas autarquias.Sindicatos e câmaras exigem divulgação do documento.
A negociação e celebração de acordos colectivos de entidade empregadora pública (ACCEP) nas autarquias, prevendo entre outras matérias, horários de trabalho inferiores a 40 horas semanais, tem de contar com a participação do Ministério das Finanças. Esta é a conclusão que o Governo retira do parecer que pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) em Maio e que foi homologado esta sexta-feira, contrariando a posição assumida por algumas autarquias e sindicatos.
“Das conclusões do parecer resulta o reconhecimento da legitimidade dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública para a celebração de ACEEP em conjunto com as autarquias locais, devendo a
sua actuação ser conjunta e articulada durante todas as fases da negociação”, refere um comunicado divulgado pelo Ministério das Finanças esta tarde.
O mesmo comunicado diz que ao longo de todo o processo deverá haver articulação entre as entidades da Administração Central e as autarquias.
E embora a intervenção do Governo não se possa traduzir “na emissão de ordens ou directivas às autarquias locais”, cabe-lhe garantir o respeito pelos “princípios de racionalidade orçamental e de gestão e de coordenação das políticas de recursos humanos em toda a Administração Pública, cabendo-lhe dar resposta fundamentada e sugerir soluções negociais que assegurem a equidade interna no âmbito das Administrações Públicas e garantir a legalidade destes instrumentos de regulação colectiva de trabalho”.
Quanto aos cerca de 400 ACCEP já celebrados sem a intervenção do Governo – que na sua maioria prevêem horários semanais de 35 horas - e que estão nas mãos do secretário de Estado da Administração Pública, Leite Martins, o comunicado diz que o Governo lhes dará “resposta fundamentada”. Mas também diz que irá “desenvolver os necessários processos negociais no sentido de se alcançar o entendimento e consenso quanto aos diversos aspectos das propostas”.
Embora não o diga claramente, fica a ideia de que os processos negociais terão que ser reabertos. É que o comunicado refere que “através da sua intervenção naqueles processos negociais e respeitando os direitos fundamentais de negociação colectiva, o Governo procurará assegurar os princípios orientadores acima referidos”. Em causa estão, “os objectivos globais e individuais de equilíbrio financeiro das autarquias (em particular em matéria de endividamento e saldo orçamental), de não agravamento da respectiva massa salarial (incluindo em horas extraordinárias) e de efectivos ganhos de eficiência”.
O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre se isto significa que todos os processos serão reabertos, mas ainda não teve resposta.
Sindicatos reagem
Em reacção ao anúncio das Finanças, a Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP) lamenta que o Governo "tenha aguardado tantos meses até homologar este parecer e apresentar uma solução para esta importante questão, sobretudo se tivermos em consideração que a posição assumida no comunicado de hoje vai no sentido de desenvolver novos processos negociais sobre as propostas de ACEEP [Acordos Colectivos de Entidade Empregadora Pública] negociadas e celebrados entre os sindicatos e as autarquias".
"De acordo com o comunicado hoje divulgado, o parecer do Conselho Consultivo da PGR prevê uma actuação conjunta e articulada entre o SEAP [Secretário de Estado da Administração Pública] e as autarquias em todas as fases do processo negocial, facto que consideramos inaceitável considerando a boa-fé negocial vigente em todos os acordo celebrados", salientas a FESAP.
No entanto, a federação, de acordo com uma nota citada pela Lusa, vai procurar reunir com o SEAP o mais rapidamente possível, "para que sejam prestados esclarecimentos e apresentadas soluções" para desbloquear os acordos "no mais curto espaço de tempo possível, garantindo as 35 horas de trabalho semanal".
A FESAP considera "inaceitável" que o Governo "continue a manter em segredo o conteúdo integral do parecer da PGR e que, depois de tanto tempo de espera, continuemos sem saber como e quando serão resolvidos os processos relativos aos ACEP negociados".
Por sua vez, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) defendeu que o Governo publique os acordos colectivos para a manutenção das 35 horas de trabalho semanais nas autarquias e divulgue o parecer sobre a matéria.
"Acabamos de enviar um ofício ao Ministério das Finanças [MF], sendo parte interessada, a comunicar que se homologaram o parecer já não têm nenhuma razão para não dar o parecer", afirmou à agência Lusa Francisco Braz, presidente do STAL.
Francisco Braz revelou que o secretário de Estado da Administração Pública, após ter sido intimado judicialmente, em segundo instância, a justificar a suspensão da publicação dos mais de 400 acordos na posse do Governo, "foi notificado para dar conhecimento do parecer da PGR, mas ainda não o entregou".
"Uma lei não se sobrepõe à Constituição da República, que defende a autonomia do poder local, nomeadamente nas questões de organização do trabalho", salientou o dirigente do STAL, que classificou o anúncio do MF como "uma tentativa de assustar alguns municípios no sentido de que não podem aplicar as 35 horas".
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) também reclamou hoje que o Governo divulgue o parecer sobre os acordos colectivos para a manutenção das 35 horas de trabalho semanais nas autarquias, para então poder tomar uma posição.
"A ANMP reclama que lhe seja dado a conhecer esse documento que está há muito tempo na gaveta do Governo. Quando forem conhecidos os dados, fará o seu pronunciamento", afirmou numa declaração enviada à agência Lusa uma fonte oficial da associação.
A origem do problema está num diploma, de Setembro do ano passado, que institui as semanas de 40 horas na administração pública. Confrontado com um pedido de fiscalização sucessiva, o Tribunal Constitucional entendeu dar luz verde ao diploma, com o argumento de que nada impedia que sindicatos e entidades empregadoras acordassem horários inferiores.
Confrontado com uma avalanche de ACEEP que chegaram à Direcção-Geral da Administração e do Empego Público (DGAEP), Leite Martins pediu então à PGR para se pronunciar, especificamente, sobre a autonomia das autarquias para celebrarem esses acordos, sem a intervenção do Governo. Desde que o pedido foi feito, em Fevereiro passado, nenhum acordo de organismos autárquicos do Continente foi publicado em Diário da República. O parecer foi aprovado pelo conselho consultivo da PGR a 23 de Maio e enviado ao executivo, demorando quatro meses até aparecer a decisão das Finanças.
Em causa está a interpretação do regime do contrato de trabalho em funções públicas. A lei diz que têm legitimidade para celebrar acordos colectivos de entidade empregadora pública os membros do Governo responsáveis pelas Finanças e administração pública, o que superintende o órgão ou serviço, bem como a entidade empregadora. Mas enquanto a DGAEP entende que a lei exige a intervenção cumulativa do Governo e da entidade empregadora e não apenas de uma, alguns autarcas e os sindicatos consideram que a autonomia do poder local vai no sentido de as câmaras poderem celebrar os ACEEP. Com Lusa