Ao preço do gás engarrafado vai ser abatido o que fica no fundo da botija

Revisão da lei que organiza o sistema petrolífero em Portugal traz novas regras para o gás engarrafado e abre a porta à utilização do oleoduto entre Sines e Aveiras a outras empresas além da Galp, Repsol e BP.

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Segundo dados recentes da Deco, há cerca de 300 gramas de gás (ou três quilos, se a botija for usada apenas num esquentador) que não são aproveitados e que por norma são devolvidos às marcas. O custo anual deste desperdício para cada consumidor foi estimado pela associação em cerca 72 euros.

Com a nova lei, este é um cenário que estará prestes a acabar nos dois milhões e meio de lares portugueses onde o gás natural ainda não chegou. Ao preço da garrafa de butano (que, segundo a Deco, ronda em média os 25 euros) será descontado o valor que ficar no fundo.

A nova lei prevê assim a “possibilidade de comercialização de GPL em unidades de aferição de peso, permitindo a valorização do gás que fica no fundo da garrafa”, revelou um comunicado divulgado pelo Ministério da Energia. Por conhecer ficam ainda os detalhes sobre quem suportará os custos associados às balanças que terão de existir nos estabelecimentos comerciais ou como será o procedimento no caso das entregas ao domicílio.

A par disto, a lei também obriga os comercializadores a trocarem garrafas de qualquer marca, sem qualquer custo adicional para o consumidor. Na prática, um revendedor da Galp (que domina o mercado) passa a ter de aceitar uma garrafa da Rubis (antiga BP), por exemplo, o que impede que fique "preso" a uma determinada marca.

As medidas, que terão agora de ser regulamentadas pela Entidade Nacional do Mercado de Combustíveis (ENMC), que desde o ano passado publica no site preços de referência para o gás engarrafado, já deverão estar em vigor no próximo Outono, apurou o PÚBLICO. Vêm juntar-se a outra imposição que já tinha sido definida para o sector do gás engarrafado no sentido de se harmonizarem os requisitos técnicos para os redutores, para eliminar mais uma barreira à mudança de comercializador e à entrada de novas empresas num mercado de que ainda depende 75% da população portuguesa.

Alterações à cadeia logística do petróleo
A nova lei de bases do petróleo, que vem regulamentar e rever um decreto-lei de 2006 que nunca tinha entrado efectivamente em vigor, traz também alterações à cadeia logística do sector petrolífero. O novo diploma vai obrigar a CLC, companhia logística detida maioritariamente pela Galp, a garantir o acesso de outras empresas ao oleoduto entre Sines e Aveiras. A Galp tem 65% da CLC, a BP e a Repsol têm ambas participações de 15% e a Rubis Energia tem 5% do capital.

A propriedade do oleoduto e dos tanques de armazenagem de combustíveis vai continuar nestas empresas, mas as infra-estruturas foram consideradas de interesse público, pelo que o acesso a outros operadores passará a ser possível “mediante tarifas negociadas com o proprietário”, revelou o ministro da Energia, Jorge Moreira da Silva.
“Com a aprovação deste diploma é declarado o interesse público das grandes instalações de armazenamento de produtos de petróleo em Aveiras, com ligação por conduta ao terminal portuário de Sines”, referiu entretanto o Ministério da Energia em comunicado.

O acesso de terceiros operadores (além das grandes petrolíferas) às infra-estruturas de transporte e armazenagem da CLC era uma das medidas que a Autoridade da Concorrência reclamava há vários anos como sendo “a medida estrutural com mais impacto no mercado dos combustíveis”.

Com este acesso, em teoria, os operadores mais pequenos passam a poder importar combustíveis para o mercado nacional, já que o uso do oleoduto e do parque de armazenagem deixa de ser exclusivo dos seus accionistas (que controlam cerca de 90% do mercado).

No entanto, a declaração de utilidade pública abrange o oleoduto, que liga Aveiras à refinaria da Galp, em Sines, mas não garante a sua ligação ao porto, como esclareceu o PÚBLICO junto de fonte oficial do Ministério da Economia. Os sete quilómetros de acesso entre a refinaria ao porto continuarão a ter de ser feitos por via rodoviária, o que anula um efeito imediato do diploma, já que os operadores alternativos continuam a ter constrangimentos na utilização do oleoduto.

A construção de um tanque de armazenagem no porto de Sines e a ligação deste ao pipeline que começa na refinaria da Galp têm sido apontados como os investimentos necessários para que os operadores alternativos tenham condições de importar combustível em escala suficiente aos grandes comercializadores internacionais. Com a abertura do oleoduto da CLC, “dá-se um sinal e aumenta-se a atractividade para que esses investimentos possam surgir”, disse ao PÚBLICO uma fonte do sector.

É “uma solução equilibrada”, que vem “reforçar a concorrência” e que terá como “principais beneficiários os consumidores”, disse Moreira da Silva na conferência de imprensa. O governante admitiu que “as empresas possam desencadear alguns mecanismos”, mas garante que o Governo tem “segurança jurídica” quanto às disposições da lei.

Frisando que não conhece o diploma, Rui Mayer, sócio da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira responsável pela área de Oil, Gas & Mining, considerou, todavia, que “a discussão [sobre a concorrência no mercado dos combustíveis] não se tem baseado em factos, mas em percepções e aparências de existência de excesso de poder de um operador”, neste caso a CLC.

O antigo director dos serviços jurídicos da Galp sublinhou ao PÚBLICO que “mais de 50% dos preços dos combustíveis em Portugal é imposto” e adiantou que provavelmente “não haverá interesse das companhias [proprietárias da CLC] em contestar a medida”, mas que se pode sempre “questionar a sua razoabilidade”.

 

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