Ligação da KPMG à Anbang e Fosun gera polémica no Banco de Portugal
Contornos do processo de venda do Novo Banco, cancelado por Carlos Costa, levantou dúvidas dentro do regulador.
Para além de poder haver um potencial conflito de interesses, a KPMG, enquanto auditora do BES (e do BES Angola e de outras sociedades problemáticas do GES), de 2002 até ao colapso em 2014, tem sido alvo de críticas por parte de Carlos Costa, nomeadamente, por não ter “identificado atempadamente” as deficiências financeiras que justificaram a intervenção de 3 de Agosto de 2014.
O PÚBLICO apurou que a KPMG esteve activamente a apoiar dois dos candidatos, ambos chineses, o Anbang (com a oferta mais elevada em numerário) e a Fosun (a segunda melhor proposta), seleccionados pelo Fundo de Resolução para disputar o Novo Banco na fase final das negociações com o BdP. O terceiro concorrente que entrou na última etapa do concurso público, mas com o envelope financeiro menos atractivo, o fundo norte-americano Apollo, foi assessorado pela PwC, que actualmente audita as contas do Novo Banco.
As três propostas acabaram a revelar-se insuficientes e longe da fasquia de 4900 milhões pretendidos pelo vendedor (equivalente ao valor injectado pelo Fundo de Resolução). Perante a recusa do Anbang em melhor as condições da sua oferta, o BdP cancelou esta terça-feira a operação e anunciou novo concurso público, agora em novos moldes, para arrancar no final de 2015 ou em 2016.
“Não há qualquer conflito de interesse. A KPMG Portugal esteve a apoiar a Fosun e a KPMG Londres esteve do lado do Anbang e ambas as instituições tinham conhecimento do facto e não colocaram obstáculos.” Foi esta a declaração de fonte oficial da KPMG ao ser inquirida sobre a existência de um eventual conflito de interesses.
Apesar dos dois grupos chineses se terem posicionado aparentemente de forma autónoma nas negociações com o Fundo de Resolução, no meio das auditoras há quem admita que possam ter actuado de modo coordenada, o que fonte da KPMG não confirma.
O facto de a KPMG Portugal ter certificado as contas do BES entre 2002 e 2014 (e de outras sociedades financeiras problemáticas do grupo) dá-lhe um conhecimento detalhado da situação do Novo Banco e ainda do BES "tóxico", onde se mantém como auditora. Já a KPMG Angola auditava o ex-BES Angola (agora Banco Económico). A KPMG Portugal e a KPMG Angola partilhavam então o mesmo presidente: Sikander Sattar.
No último ano, verificou-se um braço-de-ferro entre a KMPG e o BdP, com Carlos Costa a levantar dúvidas sobre as responsabilidades da auditora nas falhas de fiscalização ao ex-BES. Declarações que surgiram quando a 30 de Julho de 2014, o BES divulgou prejuízos semestrais históricos de 3600 milhões de euros, em resultado do reforço imprevisto de imparidades e contingências no valor de 4300 milhões. Três dias depois seria intervencionado, dando lugar a dois bancos: BES "tóxico" e Novo Banco, que recebeu fundos de 4900 milhões.
Em defesa do BdP, acusado de não ter antecipado os problemas no BES, que culminaram numa situação de pré-falência, Carlos Costa tem evocado que a 11 de Julho de 2014, e tendo em conta a informação reportada pelo BES e pelo seu auditor externo, a KPMG, o banco “detinha um montante de fundos próprios suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do GES sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor”.
Ao mesmo tempo, argumenta que, até 25 de Julho, “em nenhuma situação (reunião ou contacto por correio electrónico)” foi identificada “pela KPMG a existência de um risco material de os resultados poderem colocar em causa o cumprimento dos rácios, o mesmo é dizer que tornassem insuficiente o buffer de capital existente à data.”
Sikander Sattar já veio garantir que cumpriu com as suas obrigações de auditor e tudo fez para alertar o BdP quando detectou os problemas. Carlos Costa manteve até hoje a idoneidade da KPMG para continuar a certificar as contas dos bancos por si supervisionados.