Inflexibilidade indiana põe em causa acordo de liberalização do comércio

Os 159 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) estão reunidos na ilha indonésia de Bali mas a assinatura do acordo está bloqueada pela intransigência da Índia, que apresenta a agricultura como principal motivo de discordância.

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O ministro do Comércio indiano disse que a proposta não pode ser aceite ADEK BERRYA/AFP

A intenção de chegar a um acordo “agora ou nunca” declarada pelo director-geral da OMC, Roberto Azevêdo, terça-feira na sessão de abertura da conferência, esbarra assim nas reivindicações de Nova Deli. Anand Sharma deixou bem claro no seu discurso que a questão da segurança alimentar “não é negociável”.

Com o acordo assente em três grandes pilares (facilitação do comércio, agricultura e desenvolvimento), Azevêdo, no discurso inaugural, alertava para a necessidade de um acordo nas três frentes: “Não se pode retirar um tijolo de um pilar sem fazer com que o edifício caia”.

A posição indiana torna o acordo inviável, até porque, segundo o diário britânico Financial Times, o gigante asiático lidera um grupo composto por Bolívia, Cuba, Venezuela, Zimbabwe e África do Sul. O diferendo está relacionado com os subsídios atribuídos pelo governo indiano, que ultrapassam o limite de 10% do valor total da produção de alimentos, imposto pela OMC. Os Estados Unidos estão particularmente preocupados com os efeitos dos subsídios, caso esses produtos acabem no mercado global.

Em cima da mesa está uma “cláusula de paz” que permite que os países menos desenvolvidos e em desenvolvimento ultrapassem o limite de 10% durante quatro anos, não mais.

Citado pelo jornal Indian Express, o ministro chinês do comércio, Gao Hucheng, afirmou que respeita a posição indiana mas, uma vez que “cada parte assumiu compromissos”, a China “está a trabalhar num resultado positivo”.

Uma questão de pressão interna
Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da comissão de comércio internacional do Parlamento Europeu, Vital Moreira, apontava para questões de “política interna” como a origem desta posição. A Índia vai a eleições legislativas em Maio de 2014 e o governo está mais sensível ao que a oposição e imprensa têm a dizer.

Na quarta-feira, o jornal diário indiano The Hindu Times dava conta da posição do Partido do Povo Indiano – o maior partido da oposição. O secretário-geral do partido, Murlidhar Rao, defendia que a Índia “deve liderar os países em desenvolvimento no encontro da OMC” e entendia que "qualquer sinal de submissão a uma solução fragmentada terá implicações adversas para a soberania económica [indiana]". O dirigente da oposição considera que uma aceitação dos termos da OMC iria penalizar os indianos mais pobres e que “cláusula de paz” é “condicional, portanto não garante a paz”.

Em 2012, o peso da agricultura no produto interno bruto (PIB) indiano era de 17,4% (na União Europeia esta dependência baixa para 1,8%). Segundo dados do Banco Mundial, o crescimento do PIB tem vindo a desacelerar desde 2010 e, de entre os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), é o país que pior lugar ocupa no índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas.

Os jornais indianos especializados em economia concordam com a necessidade da obtenção de um acordo sobre o comércio livre mas, tal como o maior partido da oposição, opõe-se à “cláusula de paz”, embora por motivos diferentes.

Em editorial publicado na terça-feira, o Business Standard defende que “a origem” do problema remonta aos anos 1990, quando a OMC teve como base os preços entre 1986-88 para calcular os subsídios. “Essa referência adequava-se aos países desenvolvidos, mas não à Índia”, escreve o jornal que lembra que, “desde então, os preços subiram mais de seis vezes”. Devido a esta realidade o governo também aumentou a “aquisição e armazenamento de alimentos”, o que obriga o executivo a ultrapassar os 10%.

Já no final de Novembro, o indiano Business Line contestava a “cláusula de paz”. Também em editorial, o jornal explica que não há necessidade de tal disposição uma vez que, o actual regulamento da OMC já “oferece uma excepção, no que toca ao subsídio a produtores "de baixo rendimento ou poucos recursos".

O diário económico indiano acena com os últimos censos, de 2011, que mostram que mais de 85% dos terrenos agrícolas têm uma dimensão menor que dois hectares, enquanto os grandes agricultores (donos de terrenos com mais de 20 hectares) detêm apenas 11% da área total. Por isso “os subsídios agrícolas vão principalmente para produtores de baixo rendimento, ao contrário do que se passa nos Estados Unidos ou Europa”, argumenta o Business Line.

A 9ª Conferência Ministerial da OMC decorre em Bali até sexta-feira mas, depois das declarações proferidas quarta-feira pelo ministro indiano, chegar a um acordo nos próximos dois dias deve ser mais difícil. O futuro da organização depende do resultado do encontro.

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