Indemnização de 169 milhões do TGV vai a tribunal arbitral em Fevereiro
Num momento em que o Governo lança o debate sobre infra-estruturas prioritárias no país, falta ainda resolver o diferendo com o consórcio Elos por causa da suspensão da alta velocidade.
O PÚBLICO confirmou que tanto o Estado, como o consórcio Elos já escolheram os dois árbitros que os vão representar em sede de tribunal arbitral. Do lado do primeiro está Paulo Otero, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Já o consórcio Elos, que tem como maiores accionistas a Brisa, a Soares da Costa e os espanhóis da ACS, indicou António Carneiro da Frada, docente da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
É a estes dois árbitros que caberá a decisão de escolher o presidente do tribunal arbitral. Quando for feita essa escolha, será iniciado o processo, prevendo-se que tal aconteça em meados do próximo mês. A data ficou, aliás, estabelecida num compromisso assinado a 22 de Janeiro de 2013 entre o Estado e consórcio. Esse documento, que nunca chegou a ser tornado público, mas que é referido num despacho do Governo emitido em Junho, definia ainda em seis meses o prazo de duração do tribunal, o que significa que a decisão definitiva deverá ser conhecida ainda este ano, salvo se for pedido algum prolongamento extraordinário.
Apesar de a decisão de suspender o TGV remontar a 2012, na sequência do veto do Tribunal de Contas à adjudicação da obra de construção, as partes concordaram em só avançar com o litígio no início deste ano. Ao que o PÚBLICO apurou, a opção também estará relacionada com o facto de o executivo querer ter margem orçamental para acomodar uma vitória da Elos, ou seja, o pagamento de 169 milhões de euros.
Este montante, que está associado aos custos suportados com construção, expropriações e encargos financeiros, foi reclamado formalmente pelo consórcio a 26 de Abril de 2013, quando solicitou ao Estado a constituição de um tribunal arbitral. Tal como o Diário Económico noticiou em Outubro, o Governo respondeu à reclamação dentro do prazo (60 dias), contestando a acção. O PÚBLICO contactou o Ministério da Economia, mas não obteve respostas até ao fecho desta edição.
Debater prioridades
O início deste processo acontece numa altura em que o Governo quer alimentar um debate público sobre as infra-estruturas prioritárias no país, com base no relatório de um grupo de trabalho criado em Agosto. Um dos projectos considerados mais importantes e urgentes é o do corredor Sines-Badajoz. Esta ligação ferroviária também era encarada como prioritária pelo anterior Governo PS, embora em sintonia com o TGV, pois estava previsto que no mesmo corredor se construiria a linha de alta velocidade para passageiros e a linha de mercadorias. Depois de ter afastado esse cenário, o actual executivo acabou por recuperar uma parte dessa ideia, prevendo ligar finalmente Évora à fronteira espanhola. O traçado será, porém, o mesmo do TGV.
O relatório do grupo de trabalho estabelece 30 projectos prioritários para o horizonte temporal 2014-2020, dando primazia ao sector marítimo-portuário e à ferrovia. Este grupo de projectos está avaliado em 5085,7 milhões, dos quais 25% serão suportados pelos cofres públicos. O comité nomeado pelo Governo estima que a maior fatia possa vir a ser suportada por fundos comunitários (entre 2760,6 e 3113,2 milhões de euros), ficando o restante a cargo de privados (entre 682,6 e 1035,2 milhões de euros).
Em Paris, onde se encontra num roadshow com empresários e investidores, o ministro da Economia afirmou à Lusa que é importante que “as prioridades de investimento possam ser alvo de uma discussão e de um consenso que junte as principais forças da sociedade portuguesa”. Já o presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) disse ao PÚBLICO que “não há desculpas para o Governo não avançar rapidamente para a calendarização” das 30 infra-estruturas listadas como prioritárias. Questionado sobre o risco de a discussão pública se arrastar ao longo do ano de 2014, Reis Campos foi peremptório: “Não podemos perder mais um ano.”
O líder do grupo de trabalho, José Eduardo Carvalho (que é presidente da Associação Empresarial de Portugal), referiu à Lusa que o país “não pode aumentar a competitividade sem criar condições para melhorar a base exportadora da economia nacional”, justificando assim as apostas nos portos e nas ligações ferroviárias. Dos 30 projectos considerados prioritários, apenas quatro não se enquadram nestes dois sectores, ligando-se à rodovia e aos aeroportos. O relatório, que já foi publicado num site criado de raiz sobre o tema, foi remetido para o Parlamento.
Divórcio nacional
Para Manuel Tão, investigador em Transportes da Universidade do Algarve, este documento revela “um divórcio entre as redes transeuropeias e aquilo que resta da rede ferroviária portuguesa, porque não há nenhum investimento que perspective uma redução de tempo significativa entre o corredor Atlântico e o resto da Europa”. Isto é: Portugal acentua a sua posição periférica ao nível dos portos, dos centros de serviços e do turismo, que continuarão distantes. Algo que só poderia ser resolvido, defende, com linhas de alta velocidade.
Por outro lado, aquela que é a coluna vertebral da rede ferroviária portuguesa – a linha do Norte – já chegou ao fim da sua vida útil enquanto linha de velocidade, pelo que as intervenções propostas “serão meros remendos que não vão alterar nada de substancial, para não falar na própria frota dos pendulares que está também a chegar ao fim de vida”.
Já como aspectos positivos Manuel Tão vê as anunciadas electrificações das linhas do Oeste, do Algarve e do Douro, que permitirão uma maior utilização do transporte ferroviário nestes eixos. Mas, globalmente, em termos de grandes distâncias, considera que o comboio é uma opção em declínio devido à falta de investimentos que aumentem as velocidades e face à concorrência da rede de auto-estradas. Exemplo desse paradigma, refere, é o facto de Viseu, a maior cidade da Europa continental que não está ligada ao caminho-de-ferro, continuar sem comboio.
Do lado da Associação Nacional de Municípios Portugueses, o presidente Manuel Machado considerou que ainda há “muita pedra para partir” sobre os investimentos prioritários. “Não é para nós um dossier encerrado", referiu. Acrescentou que deve haver “um debate muito amplo” sobre este tema.