Governo contraria parecer e permite recondução no supervisor de aviação
Apesar da oposição da PCM, os estatutos da ANAC não proíbem que a actual administração volte a ser nomeada. Uma pretensão que o Ministério da Economia e o presidente do regulador nunca esconderam.
Os estatutos do supervisor da aviação, publicados na segunda-feira em Diário da República, são omissos quanto a esta norma, que se tornou imperativa com a nova lei-quadro das entidades reguladoras, publicada no Verão de 2013. Uma constatação que surge depois de meses de polémica e troca de argumentos dentro do Governo sobre a possibilidade de se reconduzir a administração liderada por Luís Trindade dos Santos, que nunca escondeu a vontade de ver o seu mandato renovado.
O decreto-lei conhecido na segunda-feira, e que foi aprovado em Conselho de Ministros a 23 de Dezembro, parece acabar com as dúvidas. Nas disposições transitórias, é apenas referido que “a entrada em vigor do presente diploma não implica a cessação dos mandatos dos membros do conselho directivo do INAC” (a designação que a ANAC assumia até agora e antes de se tornar autoridade de regulação).
Já na parte relativa ao conselho de administração, nada é referido sobre a duração ou impossibilidade de renovação do mandato. É feita uma remissão para o artigo da lei-quadro que define a composição e designação dos administradores, mas não há nenhuma referência ao artigo 20.º. Se houvesse, permitiria ler que “o mandato dos membros do conselho de administração tem a duração de seis anos, não sendo renovável”.
Esta ausência é estranha sobretudo quando se compara os estatutos da ANAC com os dos restantes reguladores abrangidos pela lei-quadro. Os da Autoridade Nacional de Comunicações, igualmente publicados na segunda-feira, são muito claros nesta matéria. Nas disposições transitórias, também se refere que “os mandatos dos membros do conselho de administração em curso não cessam com a entrada em vigor do presente decreto-lei”, mas acrescenta-se logo a seguir que mantêm “a duração inicialmente definida, sem possibilidade de renovação”. E, mais à frente, especifica-se que o mandato dos administradores “tem a duração de seus anos (...) e não é renovável”, seguindo os preceitos da lei-quadro.
O mesmo se confirma nos estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (antigo ISP) ou da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Em todos eles surge uma alínea em que se determina como limite os seis anos de mandato, sem possibilidade de recondução. A mesma fórmula é usada nos diplomas da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos, da Entidade Reguladora da Saúde e da Autoridade da Concorrência. Não há, de facto, registo de qualquer omissão relativamente a esta regra.
PCM contra recondução
A ausência que se verifica no caso da ANAC surge já depois de a Presidência do Conselho de Ministros (PCM) se ter pronunciado contra a possibilidade de reconduzir a administração do regulador da aviação. Num parecer que remeteu ao Ministério da Economia, que sempre defendeu que fosse feita uma excepção para este caso, considerou que deveria ser seguida a regra geral da lei-quadro dos reguladores.
A tutela da ANAC tem uma posição contrária, tendo igualmente tentado defendê-la juridicamente. Aliás, o secretário de Estado dos Transportes tinha mesmo assumido, em Novembro, que a administração seria reconduzida, justificando a decisão com o facto de ser um “regulador diferente, com competências e uma estrutura de financiamento diferente”. Mas, com o parecer da PCM, o assunto parecia resolvido.
Quem também nunca escondeu a pretensão de ser reconduzido foi o presidente da ANAC, que nos comentários que fez à lei-quadro dos reguladores criticava o facto de essa possibilidade ficar vedada aos gestores em funções. Luís Trindade dos Santos está à frente do regulador da aviação desde 2011 e o seu mandato terminou em Novembro. O facto de já ter chegado ao fim chegou a ser equacionado como um argumento para alegar que a sua manutenção no lugar não significa uma recondução, mas sim a nomeação de um novo dirigente para uma entidade que passou de instituto para supervisor.
Se a omissão nos estatutos irá realmente resultar na recondução dos actuais administradores ainda é uma interrogação. A dúvida só será desfeita quando o Governo enviar os nomes que propõe para a equipa de gestão à comissão de recrutamento, que os avalia e dá parecer sobre a sua adequação ao cargo. Esse passo será dado em breve.
Esta polémica não é única no mais recente historial da ANAC. Em Agosto do ano passado, um dos elementos do conselho de administração foi nomeado sem passar pela comissão de recrutamento. Lígia Fonseca, que era técnica especialista do Ministério da Economia, foi designada para vogal em regime de substituição pelo secretário de Estado dos Transportes. A tutela alegou que o regulador deveria ser equiparado a um organismo do Estado, sujeito a concurso público (a não ser quando a nomeação é em regime de substituição), embora a comissão defendesse que o parecer era obrigatório.