Governo aprova na quarta-feira multas 83 vezes mais altas por vendas com prejuízo
Montante máximo passa de 30 mil euros para 2,5 milhões. Diploma discutido amanhã em Conselho de Ministros.
Cadeias da grande distribuição como o Pingo Doce, da Jerónimo Martins, e o Continente, da Sonae (dono do PÚBLICO) foram condenadas, no ano passado, pela Autoridade da Concorrência (AdC) por venderem alguns produtos abaixo do preço de custo. Com a nova lei, que actualiza um diploma de 1993, o valor das coimas máximas será 83 vezes superior, passando de 30 mil euros (com cúmulo jurídico) para 2,5 milhões de euros. Quanto mais pequena for a empresa que cometer a infracção, menos paga: os micronegócios incorrem numa multa máxima de 50 mil euros.
Foi preciso uma autorização legislativa do Parlamento para que o Governo pudesse alterar os valores inscritos na lei. Contudo, na prática, no caso concreto do Pingo Doce - e tendo em conta as actuais regras - o Tribunal da Concorrência decidiu reduzir para menos de metade a multa máxima aplicada pelo regulador. Em causa esteve a campanha de 50% de desconto no 1º de Maio e das 15 infracções inicialmente identificadas pela AdC, sobrou apenas uma.
Num outro caso de vendas com prejuízo, que surgiu com a apreensão de leite pela ASAE no Continente e no Modelo Continente, do grupo Sonae, o tribunal também manteve a acusação, mas baixou a coima de 7793 euros para 6500 euros. Já o Continente terá de pagar os 29.927,88 euros que o regulador tinha aplicado. Todas as decisões judiciais foram objecto de recurso pelos arguidos.
Além do aumento expressivos das multas – aplaudido pelos fornecedores, mas muito criticado pela grande distribuição – o projecto da nova lei introduz uma cláusula de revisão obrigatória dos contratos de fornecimento em vigor, define melhor conceitos de práticas negociais abusivas e os conceitos de recusa de venda de bens ou de prestação de serviços.
A tensão negocial entre distribuição e produtores é uma constante, mas adensou-se num contexto de crise, quando a pressão para reduzir custos aumentou em todos os elos da cadeia. Depois das promoções do início de 2012, a ministra da Agricultura, Assunção Cristas anunciou alterações na lei para regulamentar a relação entre as partes. Criou a Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agro-Alimentar (PARCA) que juntou à mesma mesa os representantes da agricultura, indústria agro-alimentar, pequeno comércio e grande distribuição. E após meses de reuniões, propôs novos regimes jurídicos, em conjunto com o Ministério da Economia.
O primeiro a ser publicado em Diário da República diz respeito à redução dos prazos de pagamento aos pequenos fornecedores, organizações de produtores, cooperativas e empresas da fileira do pescado, passam de 60 para 30 dias. O Governo elaborou, depois, uma proposta de lei sobre o novo regime das práticas restritivas do comércio, que amanhã deverá ser aprovado em conselho de ministros, conforme noticiou o Jornal de Negócios.
Promoções previstas nos contratos
Além do aumento das multas, este diploma transfere para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) o controlo de todo o processo de instrução das multas que, actualmente, é responsabilidade da Autoridade da Concorrência. Mas é na regulação das relações entre fornecedores e vendedores finais que a nova lei se distingue. Neste novo diploma há uma nova tendência “para a protecção dos fornecedores contra práticas unilaterais”. Com a nova lei, qualquer desconto ou promoção terá de passar a estar firmado em contrato.
“Este diploma pode ser um primeiro passo, mas um passo importante na minimização de muitos dos constrangimentos actuais, associados a práticas manifestamente abusivas exercidas pelos clientes da moderna distribuição, mas também sabemos que a real aplicação do novo regime estará dependente da capacidade efectiva da entidade fiscalizadora, no caso concreto a ASAE, que passará a acolher em exclusivo as competências antes repartidas com a Autoridade da Concorrência”, diz João Paulo Girbal, presidente da Centromarca.
A Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) tem sido muito crítica do aumento das multas, encarado pelo Governo como dissuasor de más práticas. Em comunicado, a associação defende que o diploma está “ferido de inconstitucionalidade”, já que as coimas serão “mais um imposto” sobre a actividade desenvolvida pelo sector, dada a sua “desproporção”.