Carlos Costa espera ofertas pelo Novo Banco no início de 2015

Governador do Banco de Portugal é o primeiro a ser ouvido nos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito ao BES.

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A comissão de inquérito começou com uma intervenção de Carlos Costa. O governador do Banco de Portugal começou por explicar que o BdP interveio num clima de "grande urgência, sublinho de grande urgência", o que salvaguardou os depósitos e a solidez do sistema financeiro. Avançou ainda que os auditores estão a terminar os relatórios finais, havendo quatro linhas de intervenção, e que estes, no final, serão apresentados ao Ministério Público para que as suspeitas sejam averiguadas. Costa admitiu poder haver lugar a novas contra-ordenações.

O BdP, explicou, "só tomou conhecimento dos desvios das contas do BES [que resultaram num prejuízo histórico de 3400 milhões] a 25 de Julho", quando foi informado pela auditora – recebeu os dados a 10 de Julho. "Na noite de 31 de Julho fui avisado pelo Banco Central Europeu pela iminente perda do estatuto de contraparte por parte do BES e "face à iminência de perda do estatuto de contraparte, foi necessário accionar a única medida ao dispor do BdP para salvaguardar a actividade do BES, os depósitos e a estabilidade do sistema financeiro."

Após uma reunião por teleconferência do Conselho de Governadores [a 1 de Agosto], o BCE "aceitou adiar para dia 4 de Agosto a retirada ao BES do estatuto de contraparte". E "apenas depois da decisão do Conselho de Governadores", o BdP optou por avançar com a solução de resolução. Naquela altura, havia apenas duas possibilidades: ou a resolução ou a liquidação, pois a recapitalização já não era exequível pois exigia opções e procedimentos complexos.

Carlos Costa terminou a sua intervenção com uma confissão: "O Banco de Portugal não tem a pretensão da infalibilidade e retirará ilações da avaliação deste caso." A ronda pelos partidos com assento parlamentar começou com perguntas do PSD.

Devia, ou não, o Governador ter levantado a idoneidade a Ricardo Salgado?
O diálogo iniciou-se, entre o deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim, e Carlos Costa, governador do Banco de Portugal. O coordenador do PSD começou por qualificar de "extensa" e "exaustiva" a declaração inicial de Costa, que falou durante mais de 45 minutos. 

Amorim entrou ao ataque, falando das consequências negativas de um "choque cívico", provocado por mais uma falência na banca, afirmando que após os casos BPN e BPP seria de esperar que "coisas destas nunca mais possam acontecer".

Carlos Costa admitiu: "A evidência é que houve falhas." Abreu Amorim insistiu: "Quero-lhe perguntar: tanto conselho nacional, tanta auditoria, tanta versatilidade, mas o resultado não parece ter sido muito diferente do caso BPN..."

Carlos Costa manteve a sua afirmação anterior: "Este caso nunca teria sido detectado num processo normal de supervisão, porque a ESI [Espírito Santo Internacional] nunca teria sido objecto de uma auditoria externa."

Nesta fase, os termos técnicos invadiram a resposta, cheios de metáforas como “conglomerados mistos”, “almofada de capital”. O governador insistiu. O Banco de Portugal foi até onde podia, na supervisão do BES: "Não se pode ser mais intensivo do que desafiar o modelo de negócio. Esse é o limite da intrusão." O resto, é normal, garante Costa, um pouco à semelhança do que o seu antecessor garantiu, perante os deputados da legislatura anterior, sobre o caso BPN. Nada se pode fazer quanto ao facto de a "realidade andar mais depressa e o supervisionado tentar ultrapassar os limites da lei". 

Abreu Amorim é jurista. "Sempre que acontece um caso mudamos a lei. Será que vamos ter sempre um quadro legislativo insuficiente?"

Costa garante que apenas considera insuficiente a lei que dá poderes ao governador para banir um banqueiro por falta de "idoneidade". "O controlo de idoneidade é um modelo demasiado reactivo. Eu não tenho a possibilidade de resolver um problema de idoneidade com uma palavra e afastar um dirigente de uma instituição financeira, como tem o governador do Banco de Inglaterra", lamentou Carlos Costa.

Abreu Amorim continuou: "Permito-me discordar. O Monte Branco não era suficiente para retirar a idoneidade a Ricardo Salgado? A evasão fiscal?"

Carlos Costa sorriu. "Todas as questões que coloca são pertinentes. Mas a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é diferente."

"Falha grave", denuncia governador
"Excelente questão. É o espírito com que estou cá, de aprender." Foi assim que Carlos Costa começou por responder ao deputado do PS Pedro Nuno Santos que iniciou a sua intervenção perguntando "como é que foi possível?". O deputado observou ainda que "isto não é um julgamento, não é uma caça às bruxa", mas que é necessário retirar ilações do que se passou.

Para Carlos Costa "quando alguém emite garantias em favor de terceiros e não informa a gestão" estamos perante uma "falha grave". Costa referia-se à garantia de cerca de 285 milhões dada pelo BES, ainda nos primeiros meses de 2014, assinada por Ricardo Salgado e José Manuel Espírito Santo, a favor de empresas venezuelanas por dividas das holdings da família.

"Entre o poder e o querer" há uma diferença, explicou o governador, notando que Salgado lhe fez chegar pareceres de dois juristas de Coimbra, sobre a idoneidade do ex-presidente do BES, e que aconselhavam a não o suspender das funções. Recorde-se que Salgado teve de corrigir por três vezes a sua declaração fiscal por juros e mais valias gerados no exterior e não declarados ao fisco português, o que o levou, em Dezembro de 2012, a prestar esclarecimentos ao Ministério Publico. 

Costa observou que "a primeira linha" de fiscalização de um banco "não é o supervisor, mas os órgãos sociais do banco". "Houve uma grave falha do modelo económico e de gestão do BES que possibilitou" que tudo acontecesse, concluiu. O BdP "procurou sempre negociar" com o BES para salvaguardar a "estabilidade do sistema financeiro".

Sobre o conflito de interesses expresso na acumulação de cargos entre o BES e holdings do GES, por parte da família, Costa relatou que foi o BdP que decidiu que os membros da família tinham de abandonar a área não financeira", o que se verificou em Maio. 

O valor de avaliação da Tranquilidade apurado pela PwC foi de 839 milhões de euros e "fizemos [em Março] uma provisão de 700 milhões" garantida por acções da seguradora, avançou o governador. "Mas aquilo que hoje sabemos é que uma provisão de 700 milhões estava garantida por activos de menos de 200 milhões", observou o deputado do PS. A seguradora viria a ser vendida recentemente por 125 milhões. 

"O BdP trabalha com auditores credíveis", garantiu Carlos Costa e se em Março a PwC "considerou que 700 milhões é um valor conservador, o BdP tem de considerar aceitável."

Só havia duas hipóteses
À pergunta do PS se pode "garantir que [o Fundo de Resolução] não tem custos para o contribuinte", Carlos Costa avançou: "Depende do tratamento que for dado, há variáveis que não estão determinadas, pode haver no curto prazo um fenómeno de impacto negativo no orçamento e, no longo prazo, um impacto positivo. No final do processo compensa-se totalmente. O tratamento contabilístico será diferente." "As operações de recapitalização pública só se fizeram após um parecer de viabilidade do BdP. Este estudo de viabilidade assenta num plano de negócios que poderia eventualmente não se realizar."

Sobre a venda do Novo Banco o governador avançou: "Se o adquirente for um banco com presença relevante haverá redundâncias" e o adquirente "terá interesse em racionalizar recursos e pode estar sujeito a escrutínio da DGCOm [Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia] que pode impor remédios" em várias frentes.  

O certo "é que num quadro de recapitalização do BCP, do BPI e do Banif, e em escala diferentes, houve remédios com muitas implicações" e se aparecer um interessado sem presença ou com uma pequena presença no mercado, haverá menos remédios, aponta Carlos Costa. 

A 31 de Julho só havia duas soluções: liquidar o banco ou aceder ao Fundo de Resolução. E foi feito o que era possível para salvaguardar os depositantes, a instituição e o sistema financeiro, recorda.

Partidos da maioria prosseguem interrogatório cerrado a Carlos Costa
A deputada do CDS, Cecília Meireles, questionou a opção do governador do BdP por uma solução "mal-menor". "Qual foi o primeiro momento, no tempo, em que sentiu que alguma coisa podia estar a correr mal?" Costa deu uma resposta pronta: "O relatório da KPMG." Ou seja, já em 2014. "Creio estar a explicar-me mal", insistiu a deputada. 

"Algumas coisas, e muito graves, chegaram ao BdP. É público e notório que terá sido recebido um presente e há um momento em que o BdP emite um comunicado. Se achava que a idoneidade estava posta em causa porque decidiu escrever um comunicado a dizer precisamente o contrário?" 

"É preciso contextualizar", retorquiu Carlos Costa, que alegou "risco de instabilidade" e insistiu que "o BdP tem de trabalhar com factos". "Ficava a ideia que a instituição estava em risco", prosseguiu.

"Compreendo isso. Se achava que esta pessoa não reunia condições de idoneidade poderia ter-se remetido ao silêncio. O senhor disse exactamente o contrário...", insiste a deputada. Carlos Costa manteve a explicação: "O BdP limitou-se a dizer que não havia nada. Era fundamental para salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro."

Cecília Meireles referiu, depois, a venda aos clientes do BES de fundos de tesouraria contaminados pela dívida do GES. Carlos Costa descartou responsabilidades na supervisão desses fundos.

A deputada enumerou depois a "exposição excessiva" do BES ao BES Angola. Carlos Costa voltou a responsabilizar outro regulador, o seu congénere angolano. E distinguiu "exposição" de "risco". 

"Sabendo o que sabe hoje, se o tempo pudesse voltar atrás, teria tomado a mesma decisão?" Respostas: "Se tivesse os poderes e soubesse o que sei hoje, teria começado por convidar os accionistas a resolver a questão através dos accionistas. Esta é a via normal." 

PCP pergunta: "A supervisão foi diligente?"
O deputado do PCP, Miguel Tiago, começou por dizer que Carlos Costa foi ao Parlamento repetir "a sua tese fundamental" de que tudo fez para "garantir a estabilidade do sistema financeiro", o que justificou que o BdP tivesse omitido que o BES tinha práticas duvidosas e "a sua exposição ao risco GES". Para o BdP, salientou, há três premissas que sustentam a sua acção: receber informação, receber informação fidedigna, ter a cooperação dos supervisores das partes relacionadas. E, a isto, o PCP acrescentou outra: que haja uma boa supervisão do BdP. "A supervisão foi diligente ou não?"

Carlos Costa respondeu: "Proibo-me a mim próprio fazer um juízo sobre as práticas do passado com os olhos de hoje. O conhecimento das práticas são da área não-financeira. Os esquemas só se revelaram fraudulentos com os relatórios da KPMG."

Para Miguel Tiago "o BdP já sabia há muito tempo" do que se passava no BES "e foi gerindo da forma que foi gerindo" e "não podemos ficar convencidos que uma troca de cartas e alguns avisos tenham sido suficientes". O BdP "não tem poder de supervisão sobre a ESI, mas podemos questionar isso". 

"O BdP não esteve ausente do terreno, pelo contrário", defendeu o governador, para quem "a ESI não era uma instituição financeira. Era e é submetida às regras do Luxemburgo. O BdP não podia intervir nessa área." "O que nos falta neste momento? Sistemas de pesquisa. Varrer a informação num dado dia."

Ao fim de quase quatro horas, Carlos Costa invocou "segredo bancário"
Foi logo no início da inquirição da mais jovem deputada da sala, Mariana Mortágua, do BE. "Em 2011 Álvaro Sobrinho é constituído arguido. Quais foram as diligências do BdP?" Costa foi rápido, e evasivo: "As questões de idoneidade do BESA cabem ao Banco central de Angola". A deputada insistiu: "Perante a informação não fez nada?" Costa repetiu a evasiva: "Não disse isso." O pingue-pongue continuou: "Então o que fez?" E a resposta lá veio, invocando uma razão para o silêncio: "É matéria coberta pelo segredo."

A deputada fez notar que o único segredo admissível para que uma testemunha não responda nesta comissão é o segredo de justiça. Carlos Costa frisou que está vinculado a outro: "É segredo bancário." 

A deputada interpelou Fernando Negrão, presidente da comissão, que remeteu uma decisão para a reunião de coordenadores. Ou seja, Carlos Costa poderá vir a ser obrigado a responder mesmo à questão inicial. O que fez quando soube que um dos administradores do BES Angola, Álvaro Sobrinho, era acusado num processo em Portugal?

A Comissão de Inquérito à gestão do BES e do GES foi retomada por volta das 14h30, depois de uma pausa para almoço, com uma segunda ronda de perguntas a Carlos Costa, que espera ter ofertas indicativas para o Novo Banco no início de 2015 e vinculativas a meio do segundo trimestre. E "se conseguirmos interessados que ofereçam um valor" que implique o mínimo de perdas (para o Fundo de Resolução) e que permita uma solução concorrencial para o sector financeiro "podemos passar ao lado de uma tempestade:" "Mas isto não esta afastado."

"Falhámos porque houve um acidente"
Durante a manhã, o governador do Banco de Portugal confirmou que o processo de "salvamento" do BES via Fundo de Resolução, que implicou perdas para os accionistas e obrigacionistas, começou a a ser equacionado na noite de 31 de Julho. O esclarecimento levou o deputado do PSD Duarte Pacheco a colocar a questão: "Em que momento avisou a CMVM?" Isto, porque o presidente da CMVM, Carlos Tavares, que será amanhã ouvido nesta comissão, já revelou que só foi informado no sábado à noite, já depois de o comentador da SIC Marques Mendes ter anunciado a solução. Recorde-se que as acções do BES estiveram até ao início da tarde de sexta-feira a ser transaccionadas, altura em que a CMVM suspendeu a negociação em bolsa. 

Os contactos entre o BdP e a CMVM foram múltiplos, com troca de relatórios, mas cabe à entidade supervisionada revelar "factos relevantes" e não ao BdP, explicou o governador, para quem a lei prevê que a via do Fundo de Resolução seja comunicada ao mercado depois de o processo estar finalizado. Ainda assim, Carlos Costa disse que telefonou à CMVM a dizer que era necessário suspender a negociação.

Carlos Costa veio lembrar que um grupo de quadros do BdP trabalhou ao longo de muitos meses "como escravos" para "que isto [colapso] não acontecesse". E "tal como eu, ficaram desiludidos". "Falhámos? Sim, mas não foi por falta de conceito e de visão. Tínhamos calculado e medido os risco. Fomos pacientes. Mas falhámos porque houve um acidente. Foi nossa culpa? Não foi nossa culpa."

No que respeita ao facto de se ter demorado mais de uma semana a nomear substituto de Salgado, Costa relatou que a indicação de Morais Pires, o ex-CFO (também investigado pelo fisco), para substituir o ex-presidente do BES atrasou o processo "uma semana". Houve, por parte de Salgado, um facto consumado que levou o regulador a lembrar que ele "não tinha maioria accionista" para fazer nomeações e "não o podia fazer de forma unilateral."  "Houve um autêntico braço de ferro entre mim, que estava no BIS na Suíça", e Salgado, evocou Carlos Costa, revelando ainda que depois recebeu um contacto de Vítor Bento a perguntar "se o nome dele seria aceite": "Eu disse claro que sim", revelou o governador do BdP: "Tenho uma dívida de gratidão em relação a Vitor Bento."

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