Fundo de resgate do euro continuará a vigiar Portugal até 2045

Cinco meses antes de pagar comissões, juros ou o capital, o Governo terá de dizer de onde virá o dinheiro. Isto nas próximas três décadas.

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Maria Luís Albuquerque assinou o requerimento qu Enric Vives-Rubio

Dos três organismos oficiais que emprestaram dinheiro ao país, já se sabia que a vigilância do Fundo Monetário Internacional (FMI) iria durar até 2021 (ano em que a dívida por pagar deverá ser inferior a 200% da nossa quota no Fundo) e que o acompanhamento por parte da Comissão Europeia iria continuar até que o país conseguisse reembolsar 75% do empréstimo contraído, ou seja, algures em 2037. Mas os regulamentos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla inglesa), o terceiro organismo que emprestou dinheiro a Portugal, mostram que neste caso a vigilância só terminará quando Portugal reembolsar a totalidade do dinheiro, o que só está previsto acontecer em 2045.

O programa de ajuda da troika a Portugal previa um cheque de 78 mil milhões de euros, sendo que o FMI, a Comissão Europeia e o EFSF garantiram, cada um deles, 26 mil milhões de euros. O empréstimo do FMI e da Comissão Europeia acabou por ser ligeiramente inferior já que, na sequência dos chumbos recentes do Tribunal Constitucional, o Governo optou por prescindir de receber a última tranche de 2,6 mil milhões de euros. Mas, no caso do EFSF, Portugal recebeu a totalidade dos 26 mil milhões de euros previstos e, segundo os regulamentos do fundo, o país ficará agora sujeito a um Early Warning System, ou seja, a um sistema de vigilância que visa garantir que o Governo está a executar as políticas orçamentais e de tesouraria compatíveis com a necessidade de ter de devolver o dinheiro que pediu emprestado.

Este sistema implica, segundo apurou o PÚBLICO, que todos os cinco meses anteriores ao pagamento de juros, comissões ou do reembolso do capital, o EFSF contactará as autoridades nacionais para saber em que rubrica orçamental estará previsto o dinheiro para pagar ao fundo de resgate da zona euro. Com o final do programa da troika, Portugal irá começar agora a pagar as comissões e os juros a esse fundo, mas o reembolso do capital só está previsto começar em 2023, tendo o empréstimo uma maturidade média de 22 anos.

Isto significa que a vigilância do EFSF se prolongará por mais tempo do que aquela que será feita pelo FMI e pela Comissão Europeia, ou seja, durará até 2045. Isto no caso de Portugal não antecipar o reembolso do empréstimo. De acordo com o regulamento do fundo, este Early Warning System implica “detectar, de forma precoce, os riscos de não pagamento” e garantir, em caso de desvios, que o Governo adopta “acções correctivas”. No entanto, o regulamento é omisso em relação às consequências se o país recusar seguir essas “acções correctivas”. Este mecanismo de vigilância é aplicado a Portugal e a todos os outros países que receberam dinheiro do EFSF e do ESM, ou seja, Espanha, Chipre Grécia e Irlanda.

O EFSF é o organismo que cobra menos a Portugal pelo empréstimo da troika. Pelos 26 mil milhões de euros que emprestou cobra actualmente juros anuais médios de 1,6%, o que comparando com os valores de mercado permite ao país uma poupança anual a rondar os 1,3 mil milhões de euros. No entanto, o valor dos juros cobrados a Portugal pelo EFSF não é estático, já que depende do juro a que se financia o próprio fundo nos mercados, que actualmente tem dívida contraída com uma maturidade média de seis anos.

Dinheiro da banca livre
O dinheiro do EFSF, tal como o do FMI e da Comissão Europeia, serviu para o país cumprir as suas obrigações durante o período em que esteve arredado dos mercados, sendo que uma parte desse dinheiro (12 mil milhões de euros) foi destinado para recapitalizar a banca. Desse montante para o sector financeiro sobram ainda 6,4 mil milhões e o PÚBLICO sabe que é intenção dos credores oficiais desbloquearem essa verba caso a banca portuguesa consiga superar com sucesso os testes de stress previstos para o final desde ano.

A Autoridade Bancária Europeia (EBA) vai realizar testes de stress a mais de 120 bancos europeus, entre os quais o BPI, BCP, CGD e ESFG (BES). As conclusões destes testes serão conhecidas em Outubro e a sua publicação será feita em simultâneo com um exame aos balanços que o Banco Central Europeu (BCE) também está a fazer ao sector financeiro. Este será um passo determinante antes de o BCE assumir a supervisão bancária única na Europa, um dos pilares da futura união bancária.

Junto dos credores oficiais de Portugal impera o optimismo em relação ao resultado que os bancos portugueses poderão ter nesses testes e, caso se confirme que não existe insuficiência de capitais, a Europa prepara-se desbloquear o dinheiro que emprestou a Portugal recapitalizar os bancos portugueses.

Aliás, a própria ministra das Finanças, na conferência de imprensa da 12.ª avaliação do programa da troika, já tinha dado indicações de que o país poderia vir a usar sem restrições os 6,4 mil milhões caso o sector financeiro não viesse a precisar do dinheiro. Na altura, Maria Luís Albuquerque disse que o Governo iria manter este montante reservado, não porque tenha “qualquer razão para antecipar necessidades adicionais de financiamento dos bancos, mas por uma questão de tranquilidade dos mercados, que é uma questão muito importante”.

Tranquilidade é uma palavra que também impera no sector da banca nacional, graças ao trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos meses pelo Banco de Portugal que tem preparado os balanços do sector para que nada falhe nos testes de resistência. Aliás, os bancos que recorreram à linha de recapitalização – BCP, BPI e Banif – já estão a reembolsar parte do dinheiro que receberam da troika, e o BES, o único do grandes que não recorreu à ajuda estatal, acaba de completar com sucesso um aumento de capital de 1045 milhões.

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