Reestruturação? "A minha posição é semelhante à de Alexander Hamilton", respondeu Vítor Gaspar

Ex-ministro recorreu ao exemplo do homem que assumiu a pasta das Finanças após a independência dos Estados Unidos.

Foto
Manuela Ferreira Leite com outros ex-ministros das Finanças no debate desta quarta-feira Daniel Rocha

Gaspar, o mais recente dos ex-ministros – acompanhado por Manuela Ferreira Leite, António Bagão Félix e Fernando Teixeira dos Santos na sessão de abertura do Fórum das Políticas Públicas realizado esta quarta-feira no ISCTE –, começou por dizer que não podia nem queria assumir uma posição sobre a proposta de reestruturação de dívida. "Mas vou dizer umas coisas", avisou. E o que disse, em resumo, foi: "A minha posição é semelhante à de Alexander Hamilton."

E quem foi Alexander Hamilton? Secretário do Tesouro dos Estados Unidos desde a independência em 1789 até 1795, teve de enfrentar uma grave crise financeira e orçamental no país, optando por proceder ao pagamento integral da dívida, não seguindo os apelos à concretização de um default.

Não querendo referir-se explicitamente ao actual caso português e ao manifesto lançado por 74 personalidades, Vítor Gaspar usou a argumentação utilizada por Hamilton há mais de duzentos anos para defender que um Estado tem todas as vantagens em cumprir os seus compromissos de dívida. Cinco razões deu Hamilton para que um país evite a todo o custo um default:  um Estado irá precisar, no futuro, de realizar despesas extraordinárias e irá necessitar de ter crédito para obter financiamento; um país precisa de investimento externo; a existência de um activo sem risco como o sector público é uma pedra angular para o funcionamento do sistema bancário; o sistema financeiro é fundamental para o desenvolvimento; por fim, a capacidade de sustentar o crédito público é um bom indicador da capacidade de um Estado para prosseguir as políticas públicas. "Não consigo fazer melhor do que Alexander Hamilton", disse Gaspar.

Antes já tinha falado de um paralelo em Portugal, quando no meio de uma crise financeira e orçamental grave em 1892, o ministro das Finanças, Oliveira Martins, debatia um default com o líder do Governo, José Dias Ferreira, bisavô de Manuela Ferreira Leite.

 

Extremismos

Curiosamente, tinha sido a ministra das Finanças do Governo de Durão Barroso a lançar, na sua intervenção inicial na conferência desta quarta-feira, o tema da reestruturação de dívida e da dificuldade de Portugal cumprir as regras impostas pelo Tratado Orçamental, que força um país a fortes reduções anuais da dívida pública até que esta atinja os 60% do PIB.

"Tanto é extremista aquele que diz simplesmente que não pagamos a dívida, como é extremista quem diz que assinámos o Tratado Orçamental e que por isso não devemos discutir o assunto. É tão grave uma coisa como a outra", afirmou Manuela Ferreira Leite, alertando ainda que "não há nada mais perigoso para um país do que as posições extremistas".

Para a ex-ministra, "entre os dois extremos, há com certeza uma posição de bom senso",' referindo-se implicitamente às propostas realizadas no recente manifesto para a renegociação da dívida pública, do qual Ferreira Leite foi uma das subscritoras. "É o momento adequado para fazermos uma ponderação sobre o que nos espera", afirmou, defendendo que o impacto da aplicação das regras de redução da dívida previstas no Pacto Orçamental, "caso seja concretizável, é muito penoso".

Na sua resposta a Ferreira Leite, Vítor Gaspar não parece ter ficado embaraçado com a possibilidade de ser visto como extremista, de acordo com a definição da ex-ministra, e defendeu que as regras europeias são para cumprir, o que se deve debater é apenas de que forma. "A questão não é sobre as regras, que estão definidas e são reconhecidas, é sobre a qualidade da execução", afirmou relativamente ao Tratado Orçamental europeu, que diz ter sido a grande novidade na mudança das regras a nível europeu durante a crise.

Ferreira Leite não ficou satisfeita e disse não ter recebido qualquer resposta aos problemas que colocou.  "O que é que acontece às pessoas nestas circunstâncias? Cumprimos tudo, livramo-nos da dívida, mas ficamos com um país de pobres em que os jovens saíram. É isto que queremos? Se não queremos, temos de discutir as regras a nível europeu. Não se consegue mobilizar uma sociedade para 20 anos de sacrifícios, se não responder à questão sobre que país vamos ter", afirmou, arrancando os primeiros aplausos de uma plateia maioritariamente constituída por alunos e professores do ISCTE.

Vítor Gaspar respondeu novamente com Hamilton e com um estudo académico mais recente que analisa os casos de reestruturação de dívida pública do último século e que mostra, segundo o ex-ministro, que existem custos muito significativos para quem não cumpre o pagamento da dívida. Vítor Gaspar concordou com Ferreira Leite quando esta disse que este tema tem de ser discutido entre os líderes europeus, com a participação de Portugal, mas avisou que os devedores ficam, nestes debates, numa posição de fraqueza.

António Bagão Félix, também um subscritor do manifesto da renegociação da dívida, criticou a visão de que as regras europeias estejam sempre certas e de que seja preciso cumpri-las cegamente. E condenou a forma como o Governo "e alguns sectores" reagiram ao manifesto. "A resposta dos políticos ao manifesto foi pavloviana"' disse.

Teixeira dos Santos foi menos óbvio na sua posição em relação a uma reestruturação, deixando, contudo, claro que considera que Portugal tem, neste momento, um poder negocial muito reduzido. "De que é que nos serve fazer uma reestruturaçao da dívida, se não resolvemos estruturalmente os problemas das nossas financas públicas? É essa dúvida que temos de retirar dos nossos parceiros europeus", disse, demonstrando estar muito pessimista em relação às perspectivas de crescimento do país, num cenário de necessidade de políticas de consolidação orçamental e elevado endividamento das empresas e das famílias.

 

Sugerir correcção
Comentar