Demagogia toma conta do discurso europeu

Os líderes europeus estão a felicitar Portugal por ter feito uma escolha que, na realidade, não fez.

Quando Passos Coelho anunciou no domingo que Portugal iria sair do resgate “sem recorrer a qualquer programa cautelar”, o primeiro-ministro tentou passar a ideia de que o Governo teria ponderado entre duas hipóteses, ambas ao nosso alcance e ambas à mão de semear: uma saída limpa ou um programa cautelar. Passos repetiu até à exaustão que o Governo fez uma escolha: “Concluímos que esta é a escolha certa...”; “é a escolha que defende mais eficazmente os interesses de Portugal”; “podemos fazer agora esta escolha...”; “fazemos esta escolha porque...” e “a nossa escolha está alicerçada no...”.

Uma ideia errada porque a Portugal nunca foi dada a opção de escolher. Aliás, o país vai terminar o resgate sem sequer saber quais seriam os condicionalismos que teria se escolhesse um programa cautelar. Os parceiros europeus colocaram à nossa frente duas portas, mas só nos deram a chave para abrir uma delas. E a demagogia é pedir a Portugal que agora escolha uma porta. E a demagogia é Portugal entrar na única porta acessível e dizer que fez uma escolha. E a demagogia é ver os nossos parceiros europeus felicitarem Portugal pela escolha que fez.

Há cinco meses, também se pensou que a Irlanda tinha escolhido uma saída limpa. Só algumas semanas mais tarde é que se descobriu que Dublin afinal não pôde escolher; tal como em Portugal lhe foi imposta uma saída sem rede. Há poucas semanas, quando Olli Rehn despiu o fato de comissário europeu e colocou as vestes de candidato às eleições europeias disse a verdade: que países como a Finlândia tinham exigido à Irlanda e estavam a exigir a Portugal garantias reais (a hipoteca de activos) para aceitarem disponibilizar nova ajuda.

Não está em causa a bondade de termos escolhido a saída limpa. O que está em causa é a demagogia de alguns líderes europeus que ontem nos vieram felicitar por termos feito uma escolha que não fizemos.
 

  

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