Comércio Justo pouco conhecido em Portugal
Em Portugal, ainda a dar os primeiros passos, a primeira Loja do Mundo, como são conhecidas as unidades de comércio justo, abriu em 1999, em Amarante.
A mais recente, e a primeira a Sul do Tejo, fica no Pragal, concelho de Almada, e ainda não tem um mês.
Ocupa o primeiro piso do edifício de uma antiga cooperativa e passa quase despercebida.
Subindo-se por umas escadinhas, acede-se a uma sala ampla onde estão dispostos os produtos à venda. Num recanto existe um bar improvisado com um balcão forrado a cana e algumas mesas e cadeiras.
Em nada igual aos supermercados, a loja tem arrumados os alimentos e as bebidas em prateleiras feitas com materiais artesanais.
Não há carrinhos de compras nem filas para pagar, porque os clientes são ainda poucos.
Carlos Gomes, da Cooperativa Mó de Vida, que gere a loja, esclarece, em declarações à Lusa, que o comércio justo é ainda pouco conhecido em Portugal.
Apenas dez organizações não governamentais ou cooperativas aderiram a este projecto.
Os clientes ainda são conquistados, discretamente, via Internet, correio electrónico ou em acções de divulgação em universidades, colectividades, bibliotecas...
No Pragal, adianta Carlos Gomes, alguns habitantes do centro histórico, movidos mais pela curiosidade das obras no edifício-sede da Mó de Vida, acabaram por se tornar seus fiéis clientes.
Na loja desta cooperativa, como em outras Lojas do Mundo, pode-se comprar arroz, açúcar, feijão, rum, vinho, café, chá, chocolate, compotas, brinquedos, roupa, artigos de decoração e bijuteria da Bolívia, do Brasil, da Índia, da Tanzânia, do México, da Nicarágua, do Nepal, de Moçambique, Cuba, Guatemala ou do Peru.
Produzidos por famílias ou cooperativas de agricultores e artesãos que vivem em comunidades pobres, os artigos do comércio justo são ligeiramente mais caros, e em menores quantidades, que os do comércio convencional.
"Mas têm mais qualidade", adverte Carlos Gomes.
Os produtos, justifica, são fabricados segundo os saberes tradicionais - muitos deles de origem indígena -, sem aditivos químicos e respeitadores do meio ambiente.
O papel de um envelope, por exemplo, é reciclado e a madeira usada na construção de brinquedos é retirada de árvores que morreram naturalmente.
Há que acrescentar que, no comércio justo, a margem dos lucros para o produtor é substancialmente maior, dado que são eliminados os intermediários desnecessários.
Tal possibilita - e esse é um dos princípios fundamentais - que um camponês e um artesão recebam um salário digno, e o que sobrar dos lucros dê para financiar um projecto da comunidade, como a construção de uma escola ou a instalação da rede de saneamento básico.
Carlos Gomes assinala, a este propósito, que "um produtor de café recebe 33 por cento dos lucros da sua produção no comércio justo, ao passo que no comércio convencional recebe menos de três por cento".
Regra geral, no comércio justo, há apenas dois intermediários entre o produtor e o consumidor: o importador e o comerciante.
Além de assegurar o transporte, o armazenamento e a distribuição dos produtos, o importador garante o financiamento antecipado da produção até 60 por cento e o seu escoamento durante um período mínimo de cinco anos, para que os produtores se possam auto-sustentar sem recorrer aos empréstimos da banca.
O importador compromete-se ainda a dar formação aos produtores em gestão financeira, para que estes possam melhorar a sua organização de trabalho, e a fiscalizar o cumprimento dos critérios do comércio justo.
A mão-de-obra infantil e a desigualdade de tratamento entre homens e mulheres são proibidas.
Aos comerciantes, normalmente cooperativas de consumo ou organizações culturais e juvenis, compete vender os produtos, informando os consumidores das suas qualidades e origens, e divulgar a cultura das comunidades produtoras.
A Cooperativa Mó de Vida, por exemplo, organiza bailes tradicionais e debates temáticos sobre o quotidiano dos povos e tenciona, de futuro, promover oficinas de construção de instrumentos e brinquedos antigos e ciclos de vídeo dedicados à exploração do trabalho infantil e às desigualdades sociais.
Sendo a primeira entidade nacional a desenvolver o conceito de turismo ético e solidário, organiza também viagens em Portugal e no estrangeiro, privilegiando o contacto directo com as populações de pequenas comunidades e com a natureza.
Parte do custo da viagem é revertida a favor da comunidade visitada.
Criada no ano passado, a Mó de Vida é um dos membros fundadores da Coordenação Portuguesa do Comércio Justo. Em Portugal existem dez organizações não governamentais ou cooperativas que promovem o consumo justo, mas nem todas têm lojas abertas.
Mas em Itália, Espanha, França, Bélgica, Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos ou Canadá contam-se às dezenas, e mesmo centenas, as Lojas do Mundo, de acordo com Carlos Gomes.
Mesmo na Holanda, na Suíça e nos países nórdicos os produtos são comercializados em supermercados e hipermercados.
Há, inclusive, organizações europeias e internacionais de importadores, vendedores e de certificação.
Carlos Gomes crê que, a médio e a longo prazo, Portugal terá igualmente grandes superfícies comerciais com produtos do mercado justo.
"É interessante do ponto de vista da imagem do supermercado apoiar os países subdesenvolvidos", afirma.
"Mas", ressalva, em jeito de recado, "quando se lhe exige o cumprimento das leis laborais e as senhoras da caixa não podem ir à casa de banho, aí... é complicado".