CNPD arrasa acordo entre EUA e Portugal para troca de informações fiscais

Troca automática de informações proposta no acordo não cumpre a Lei de Protecção de Dados nem garante confidencialidade, diz a Comissão Nacional de Protecção de Dados.

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Autoridade tributária deveria receber o primeiro relatório na primeira metade do próximo ano OXANA IANIN

Com base no acordo, as instituições financeiras portuguesas são obrigadas a transferir dados para os EUA cumprindo, assim, o FATCA, cuja regulamentação final foi publicada em Janeiro do ano passado. Este regime tem como intenção o combate à evasão fiscal de cidadãos norte-americanos que residam fora do seu país e impõe às empresas financeiras a obrigação de reportar às autoridades dos EUA os nomes dos titulares de contas bancárias. Reino Unido, Irlanda, Dinamarca e Suíça já assinaram acordos semelhantes com os Estados Unidos e nos casos em que não haja parceria firmada, as entidades americanas com rendimentos no estrangeiro terão de aplicar uma retenção na fonte de 30%.

A intenção do governo americano é travar a perda de receita fiscal provocada por rendimentos não declarados, que se estima rondar os 345 mil milhões de dólares (257,6 mil milhões de euros ao câmbio actual), refere um relatório da consultora pwc.

No parecer de 11 páginas da Comissão Nacional de Protecção de Dados, lê-se que o acordo pretende obrigar as instituições portuguesas a transferirem dados pessoais para os Estados Unidos, algo que a lei nacional não autoriza. Em causa está a identificação dos nomes de titulares de contas bancárias, o número de conta ou os saldos. Esta informação está sujeita a sigilo e, refere a CNPD, o seu tratamento “só pode ser legitimado por lei ou autorização da CNPD, desde que para o efeito exista o consentimento expresso dos titulares dos dados ou interesse público importante”. Além disso, pelas regras nacionais, o próprio Estado português não pode obter “parte dos dados pessoais a que a autoridade dos EUA pretende aceder”, não fazendo, por isso, sentido fornecer este tipo de informação a uma entidade externa.

O acordo é omisso quanto à forma como os donos das contas bancárias podem rectificar ou aceder aos dados, nem define limites temporais para a conservação dessa informação. E define uma “hierarquia normativa diferente da que está consagrada na Constituição da República Portuguesa”, ao fazer “prevalecer legislação fiscal interna” sobre a restante lei nacional. “Não pode deixar de estranhar-se que, num acordo internacional que tem por objecto a troca de informações de dados pessoais sujeitos a sigilo, se considere que o padrão interpretativo das normas seja a legislação fiscal, que prevalecerá sobre o significado dado ao termo ou expressão pela restante legislação do Estado”, aponta a CNPD que critica durante esta disposição, considerando-a “inadmissível tal como se encontra redigida”.

A comissão também aponta falhas à ausência de garantias de sigilo e confidencialidade e coloca “muitas reservas” ao facto de estar previsto num dos artigos o recurso a prestadores de serviços externos para a troca de informações. “Uma tal abertura de previsão, sem outras condicionantes e garantias, importa um risco considerável para os dados pessoais sensíveis que aqui estão em causa”, refere o parecer, assinado pela relatora Maria Cândida Guedes de Oliveira.

Bancos têm de identificar clientes americanos
O acordo intergovernamental entre os dois países permite a troca anual destas informações fiscais e implica que Portugal inclua o regime FATCA no seu ordenamento jurídico. Esta partilha de dados tem por base o artigo 28 da Convenção assinada em 1994 entre a República Portuguesa e os Estados Unidos para evitar a dupla tributação e para prevenir a evasão fiscal.

Com a FATCA, os bancos e as instituições financeiras nacionais passam a ter de identificar os clientes norte-americanos e a fazer chegar informações sobre o seu património financeiro à Autoridade Tributária e Aduaneira que, por sua vez, comunica os dados ao IRS americano (o Internal Revenue Service). De acordo com a informação prestada por bancos nacionais aos seus clientes, o primeiro relatório para a AT terá de ser enviado durante o primeiro semestre de 2015 e será relativo ao ano anterior.

As instituições financeiras portuguesas têm de classificar os seus clientes (particulares e empresas) de acordo com as categorias previstas no FATCA. No processo de abertura de novas contas, passaram a ser pedidas informações adicionais para apurar se o cliente é ou não uma “US person”, definição que inclui cidadãos norte-americanos, residentes nos EUA, nascidos nos EUA ou entidades criadas ao abrigo da lei norte-americana.

O PÚBLICO enviou questões ao Ministério dos Negócios Estrangeiros mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
 

   

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