CMVM condena CGD a multas de 300 mil euros

Supervisor apoiou-se nas transcrições das gravações das conversas entre as mesas de trading da Caixagest e dos correctores da Caixa BI.

Foto
A CGD detém 15% da Fidelidade Gonçalo Português

O grupo estatal tem até esta quinta-feira (caso não haja prorrogação do prazo) para recorrer judicialmente, o que poderá não fazer por se tratar de um caso difícil de refutar — dado existir matéria gravada —, mas também pelo facto de a CMVM não imputar a culpa aos administradores, o que o Ministério Público poderia fazer. Acresce o facto de valor da coima ser baixo (para a natureza das infracções).

Em vários períodos de 2008, segundo as autoridades que investigaram os alegados delitos, a Caixagest, sociedade gestora de fundos de investimento mobiliários que actuou como trader, e a Caixa BI, enquanto corretor/broker, desencadearam movimentos irregulares de acções do Finibanco (hoje Montepio Geral), da Cofina, da SAGgest, da Martifer, da Impresa e da Sonae Capital. Situações que o supervisor considerou reconduzíveis a delitos (que a CGD alega serem condutas irregulares) de manipulação de mercado relacionados com transacções fictícias, sustentação do preço e marcação da cotação de fecho. Estes factos justificaram que, em 2012, fosse feita uma participação junto do Ministério Público (diferente da acção que correu na CMVM).

No contexto das suas averiguações, a CMVM solicitou as gravações das conversas (prática na actividade) entre as mesas de trading da Caixagest e dos corretores da Caixa BI. A transcrição das gravações na posse das autoridades é quase sempre de difícil decifração -  com muitos “experimenta”, “nem mexe”, “vê lá”, “deixa entrar”, “ok”, “dá-me um segundinho”, “boa”, “Eh pá”, “Oh pá”, “hum”, “queres que mude”, “entendido” -, mas à medida que as interlocuções se aproximam do final tornam-se perceptíveis. E para a CMVM os múltiplos registos fonográficos são claros quanto à estratégia de testar (pois as ordens eram anuladas) ou mesmo de marcar os preços de fecho dos títulos.

A título de exemplo: uma das conversas envolve 12 mil acções da Cofina (cerca de metade do negociado na sessão), com o intermediário da Caixagest a dizer ao da Caixa BI: “Agora Cofina, Cafeína”. E a receber como resposta: “Certo. Cafeína. Fomos buscar 30...” A Caixagest envia sinais de força ao corrector da Caixa BI: “Boa. 10, 20, compra mais 30. Não, compra mais ora…10…”. Antes de terminar a frase, a Caixagest sugere. “Não. Tem de ser mais 30 mil ao melhor, que é para fechar a 11”. A CaixaBI termina: “Ok”. A conversa prosseguiu, pouco depois, nos mesmos moldes. Neste caso em concreto, terá havido, segundo as autoridades, uma intenção inequívoca por parte das sociedades estatais de marcarem o preço a 1,1 euros (a oferta foi integralmente executada ao preço de 1,1 euros superior ao último valor da negociação em contínuo (1,09 euros) e a Caixagest foi responsável por todas as compras efectuadas no leilão de fecho.

Na sua argumentação, o regulador alega que os arguidos (dois corretores da Caixa BI e três traders da Caixagest) agiram conscientemente e voluntariamente com o intuito de valorizar os activos nas carteiras dos fundos de investimento. Na sociedade da CGD, a remuneração variável do responsável pela transmissão para execução das ordens tinha dois critérios: um qualitativo (30%), outro quantitativo (70%), sendo que este último envolvia a avaliação do desempenho das carteiras (quanto mais valorizadas melhor) da Caixagest face à concorrência e por referência ao seu posicionamento no mercado.

Numa fase inicial, a CGD pugnou pela nulidade da acusação por os movimentos não conferirem o delito de manipulação de mercado (transacções fictícias), sendo simples compras (de pequenos lotes) efectuadas ao longo do dia contra oferta, isoladas ou continuadas, sem o intuito de secar o mercado ou de influenciar o preço. E as ordens de compra ou venda que não se realizaram não visaram sustentar o preço. 

Contactada pelo PÚBLICO para esclarecer se vai recorrer judicialmente das multas de 300 mil euros aplicadas à Caixagest (150 mil) e à Caixa BI (150 mil), fonte oficial da CGD declinou pronunciar-se. Mas o PÚBLICO apurou que a CGD e os dois corretores e os três traders, cujas condutas são questionadas, estão a ser aconselhados a aceitar a decisão do regulador. Não só porque a coima é “um valor mínimo”, mas também por se tratar de um tema sensível, com riscos reputacionais e materiais, que convém não colocar na praça pública. Mas, sobretudo, por existirem na posse das autoridades gravações que ajudaram a blindar a sentença da CMVM e cujas transcrições, a serem ouvidas pelo juiz (que iria avaliar o recurso judicial), não beneficiariam o grupo estatal.

O facto de o supervisor não ter “castigado” os administradores das sociedades da CGD, mas somente os corretores e os traders, também não foi esquecido pelos advogados. Uma fonte do mercado de capitais, externa à CGD, lembrou que o recurso para os tribunais abriria a porta a uma decisão que abrangesse as administrações, isto porque o parecer da PGR (de 10 de Julho de 2013), sobre a responsabilidade contra-ordenacional das sociedades, aponta para que os ilícitos dos trabalhadores sejam também imputados aos administradores.

A CMVM analisou ainda as condutas do BESI, do BIG, da Fincor e do Santander, nomeadamente por terem executado ordens  da Caixagest, e aplicou-lhes multas que, no total, somam 125 mil euros (entre 50 mil e 25 mil euros), com execução parcialmente suspensa por dois anos. O regulador alega ter existido quebra do dever de defesa do mercado, mas, ao contrário da Caixa BI e da Caixagest, as infracções foram consideradas de menor gravidade e não foram denunciadas ao Ministério Público.
 

 
 
 

Sugerir correcção
Comentar