Cidália Lopes: cidadãos precisam de ver a “repercussão social” dos impostos

Cidália Lopes, economista e investigadora sobre fiscalidade, duvida que o sorteio do fisco aumente a “consciência fiscal” dos cidadãos.

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Para Cidália Lopes, autora de “Quanto custa para impostos em Portugal?”, é preciso dirigir os inspectores tributários para os sectores de maior risco Sérgio Azenha

O Governo apresentou a iniciativa do “sorteio” de facturas como um prémio à cidadania fiscal. Acredita que a medida vai contribuir para uma maior consciencialização do dever dos cidadãos em pedir factura ou mesmo despertar de forma mais abrangente a consciência fiscal?
O sorteiro “factura da sorte” pode ser visto como uma recompensa positiva para o comportamento honesto do contribuinte podendo constituir, por esta via, um incentivo para o cumprimento fiscal e para a consciência fiscal. Não podemos, porém, esquecer os efeitos perversos de uma medida desta natureza: o aumento dos custos administrativos e de contexto dos contribuintes.

A iniciativa “factura da sorte”, por um lado, incentiva os contribuintes a pedir e a comunicar as facturas à Autoridade Tributária (AT) e, por outro lado, aumenta e “asfixia-os” com mais custos burocráticos e de contexto. Trata-se de uma medida com objectivos semelhantes à instituída pelo novo regime de facturação, em 2013, de “dedução de 15% do IVA pago pelo consumidor final”. Esta última não teve, contudo, os resultados esperados pois os portugueses vão receber apenas 19 milhões de Euros de benefício fiscal dos 140 milhões que poderiam obter dado que apenas 6,6% de facturas foram pedidas com NIF. Estes dados são reveladores do peso dos custos de contexto na decisão final do contribuinte. A situação agrava ainda mais se pensarmos que também a Administração Tributária está a ser invadida com uma carga burocrática muita elevada, dado o acumular progressivo de informação, a qual muitas vezes não é analisada, dado que Portugal possui, como é sabido, um índice de cobertura fiscal (Número de Inspectores/Total de funcionários da AT) dos mais baixos (11%) da OCDE (média OCDE 29%; Espanha 27%, Finlândia 45%), segundo dados de 2010.

A aposta em mais recursos qualificados e uma administração fiscal mais forte e qualificada, com mais formação e mais meios materiais, parece-me ser o caminho, num contexto que em que a maioria dos contribuintes portugueses se encontra em “asfixia fiscal”.

A ideia é trazer mais contribuintes para dentro do sistema ao invés de onerar os contribuintes, que já estão no sistema, com mais custos de cumprimento, dado que têm agora a missão de inspeccionar os sectores de risco, pedindo factura. No actual contexto de crise económica, o contribuinte pode sentir que já é suficientemente penoso pagar impostos tão elevados quanto mais exercer, de forma gratuita, actividade inspectiva por conta do Estado. O valor dos prémios não poderá ultrapassar 10 milhões de euros, porém, não podemos esquecer que este valor é pago com impostos e reverterá a favor de apenas alguns contribuintes. Para aumentar a “consciência fiscal” é necessário uma estratégia de “Educação Fiscal” de raiz, assente na formação cívica e tributária generalizada nas escolas, à semelhança de outras experiências internacionais, como caso sueco, bem conhecido no mundo académico.

A iniciativa não é consensual – gerou algumas críticas, nomeadamente por parte da OTOC, por se vulgarizar um acto de cumprimento da cidadania. Como olha para esta questão?
Trata-se de uma medida que, chamando a atenção mediática do público em geral, contribuirá certamente para os cidadãos dialogarem mais fiscalmente, porém, se aumenta a “consciência fiscal” já tenho mais dúvidas. Mais do que a atribuição de um prémio, o importante é uma estratégia punitiva aos contribuintes não cumpridores, aumentando os recursos qualificados da AT, bem como realçar, naturalmente, a importância do pagamento de impostos através da educação fiscal nas escolas. Os contribuintes estão no limite de mais exigências em impostos, com taxas cada vez mais elevadas e o abandono de quase todos os benefícios fiscais.

O benefício fiscal de “15% do IVA suportado consumidor final” não teve expressão na economia portuguesa pois tratou-se de um valor pouco significativo no IRS a pagar (percentagem muito baixa e limitado a alguns sectores de actividade, não seria mais acertado um alargamento aos sectores de risco e um aumento da percentagem de dedução?) Pelo menos esta medida era generalizada e atingia todos os contribuintes e não só aqueles que tiveram “sorte”. Afinal ao optar pela “sorte do contribuinte” em detrimento da “educação do contribuinte” estamos a optar pela forma mais rápida e “popular” da obrigação de um dever de cidadania (pedir factura), em última análise o prémio pode ir para um contribuinte que só tenha pedido a factura uma vez e, por sorte, foi premiado com o dinheiro dos impostos dos contribuintes que, por regra, pedem factura e cumprem.

Considera que medidas como o “sorteio” de facturas terão efeito imediato – e de longo prazo – no combate à economia paralela?
A questão da corrupção e da economia paralela depende de diferentes factores, como o nível de desenvolvimento das sociedades e a sua cultura cívica e tributária. Este processo é, como qualquer processo educativo, um processo de longo prazo e não de curto prazo. A educação fiscal tem como objectivo a transmissão de ideias, valores e atitudes favoráveis à responsabilidade fiscal e contrários à evasão e fraude e seus efeitos. É necessário sensibilizar os contribuintes para a importância do pagamento dos impostos mas, ao mesmo tempo, dar-lhes a conhecer o valor económico e a repercussão social dos bens e serviços públicos reestabelecendo a confiança na relação entre contribuintes e Estado. Penso que uma medida isolada como a “factura da sorte” sem estar inserida numa acção conjunta de mobilização para a “educação discal” não trará os efeitos pretendidos no combate à economia paralela.

Que outras medidas de combate à evasão fiscal e à economia paralela considera que deveriam ser adoptadas?
É preciso o governo estar atento aos sinais que a economia e os contribuintes portugueses vão dando e, na verdade, apesar das novas regras de facturação e do incentivo a pedir factura por parte do contribuinte com o objectivo de obter um benefício fiscal e combater desta forma a evasão fiscal, as estatísticas evidenciam um aumento da economia paralela de 25,4% para 26,74% (Oscar Afonso, Obejef), de 2011 para 2012. Por este motivo, não posso deixar de sublinhar a necessidade de reforçar o nosso índice de cobertura fiscal, isto é, o peso da Administração Tributária e o seu papel no combate à economia paralela. São necessários mais recursos, humanos e materiais, mais qualificados e com mais formação adequada e continua a respeito das questões fiscais. A complexidade do actual sistema fiscal e a instabilidade legislativa assim o exigem.

O tecido empresarial português é constituído, na sua esmagadora maioria, por micro, pequenas e médias empresas. A subfacturação ainda é um problema com grande extensão?
Tradicionalmente, a subfacturação é um problema com uma grande extensão para as pequenas empresas, porém, o excesso de gastos e a utilização de planeamento fiscal abusivo (por exemplo, preços de transferência) são as formas mais utilizadas de evasão fiscal nas médias e grandes empresas, respectivamente. Na verdade, a população de contribuintes não é homogénea. É necessário dirigir as medidas certas às pessoas certas. Pelo que eu diria que se torna fundamental, não só aumentar os recursos inspectivos da AT, bem como dirigi-los para os sectores de maior risco.

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