Candidatos do PS levam sucessivas recusas nas nomeações do Governo
Têm sido repetidamente seleccionados por mérito pela comissão de recrutamento, mas nunca chegam aos cargos a que concorrem. Solução pode passar por hierarquizar candidatos ou pela escolha aleatória.
Neste universo, há um candidato que já chegou 11 vezes à recta final dos concursos sem ter sido nomeado. Outros quatro estiveram em dez short-lists e também não foram escolhidos. Acima de cinco vezes, há 20 pessoas. Concorreram aos mais diversos cargos na administração pública, sob a alçada de tutelas tão diferentes quanto a Segurança Social, a Saúde, a Cultura ou a Economia. Têm em comum o facto de terem sido sucessivamente preteridos. Muitos deles têm ligações directas ao maior partido da oposição ou foram nomeados pelo anterior Governo.
Fernando Marques Mano é um dos exemplos. Militante de base do PS, viu o seu nome chegar a dez propostas de designação – a lista dos três melhores candidatos que a Cresap faz chegar aos membros do Governo quando os concursos terminam. E acredita que a explicação para não ter sido nomeado é apenas uma: a sua filiação política. “A existência da Cresap [que foi criada, em 2012, pelo executivo de Passos Coelho] é um passo louvável, em termos abstractos. Estou convencido de que funciona com muita isenção, mas o Governo é absolutamente parcial na escolha e nomeia sempre a pessoa da sua conotação política”, denuncia.
O facto de pertencer ao maior partido da oposição “tem pesado completamente a desfavor”, diz, sugerindo que a única forma de resolver este problema seria obrigar a Cresap a hierarquizar os três melhores candidatos, o que hoje não acontece, já que os nomes são enviados por ordem alfabética. “Se o Governo escolhesse o segundo ou o terceiro, teria sempre de justificar bem essa escolha”, defende. Fernando Marques Mano, que é vereador pelo PS na Câmara Municipal de Fronteira, fala das consequências futuras: espera que o próximo executivo “não destrua a Cresap”, embora alerte que “terá de ficar com os dirigentes que o actual está agora a escolher” (por mandatos de cinco anos).
Também com dez entradas nas short-lists enviadas às tutelas surge Nuno Pólvora, antigo assessor da ministra da Cultura do PS, Gabriela Canavilhas. O actual director de espectáculos do Teatro Nacional de São Carlos endereçou na semana passada uma carta ao primeiro-ministro, com conhecimento ao secretário de Estado da Cultura e aos grupos parlamentares, em que se queixa precisamente do facto de a escolha do Governo, quando já tem as propostas de designação na mão, ser “inquestionável e assumidamente política”.
Ao PÚBLICO, Nuno Pólvora afirmou que o facto de estar conotado com o PS, apesar de nunca ter militado, levou a que fosse sempre preterido. “Em nenhum momento estive contra a Cresap, mas o momento pós-Cresap torna esta comissão completamente desprovida da razão de ser” – a de seleccionar pelo mérito e não pelas ligações políticas. Os resultados dos procedimentos a que concorreu também suscitam algumas dúvidas: um deles aguarda por escolha do dirigente há mais de um ano e outros dois sofreram um adiamento, tendo o secretário de Estado da Cultura alegado que o organismo estava a ser reestruturado para fazer as nomeações em regime de substituição, sem concurso.
O “clube de amigos”
A lista de candidatos com mais presenças nestas short-lists é liderada por Ângelo Augusto Santos Oliveira, que conseguiu classificar-se nos três melhores em 11 propostas e designação. O PÚBLICO tentou contactá-lo, sem sucesso, não tendo sido possível comprovar se tem ligações a algum partido. No levantamento feito com base nas propostas divulgadas no site da Cresap também o caso de uma pessoa ligado ao PSD, João Filipe Jesus, que chegou a dez short-lists sem nunca ter sido nomeado. Este responsável, que está actualmente à frente da Direcção Regional de Economia do Alentejo, não quis fazer comentários.
Mas, de facto, o padrão é outro: os excluídos ou estão associados ao PS ou não tem qualquer ligação aos partidos que sustentam a maioria governamental (PSD/CDS). Desta lista fazem parte nomes como o de Jorge Seguro Sanches, deputado socialista que ficou na recta final de sete concursos. Ou de Maria do Céu Madeira, que foi adjunta do secretário de Estado da Saúde no segundo Governo de António Guterres, com nove entradas em short-lists sem direito a nomeação. Também surge em sete propostas de designação o nome de Joana Neves, professora universitária e militante de base do PS. Nenhum dos três aceitou comentar a sua situação.
O PÚBLICO falou com outros candidatos que, por estarem a exercer funções públicas, pediram para não ser identificados. Um deles, que também tem ligações ao PS, disse ter concorrido “no pressuposto de que, pela primeira vez, iria haver concursos isentos”, mas admite que foi “ingénuo”. “Sempre achei que a administração pública deveria ser independente dos aparelhos partidários e que deveria ser profissionalizada, mas a ideia com que se fica é que não se sai do clube de amigos, do grupo de pertença”, referiu. E, por isso, defende que o mais transparente seria “assumir-se que há nomeações políticas, porque se perde muito tempo e dinheiro com algo que não passa de uma encenação”.
Outro candidato que pediu para não ser identificado e que foi recrutado pela primeira para o Estado por um governo PS deixou outro alerta: “Agora fala-se muito das quotas para as mulheres na administração públicas, mas também deveria falar-se de quotas para os independentes”, categoria em que diz inserir-se. “Um dos méritos da Cresap foi eliminar as aberrações nas nomeações, mas o decisor, na dúvida, escolhe sempre alguém da sua confiança”, disse, garantindo que não voltaria a concorrer. “Implica um investimento muito grande.”
“Desisti de concursos [além daqueles em que foi seleccionado] quando comecei a perceber o funcionamento. O facto de ser militante do PS influenciou sem sombra de dúvida a decisão do Governo”, apesar do atestado de mérito passado pela Cresap, contou outro candidato. “Independentemente disso, concordo com o modelo da Cresap, mas a short-list tem de ser hierarquizada”, defendeu, lamentando que “as escolhas estejam a ser feitas em função do cartão partidário”.
As soluções da Cresap
Há também um caso nestas listagens que chegou a dez short-lists, mas que não tem qualquer ligação política. Este candidato, que também preferiu não ser identificado, conta que, nas entrevistas que os membros do Governo fazem depois de receberem os três nomes, lhe fizeram perguntas que “sabiam que teria mais dificuldades em responder” para que o pudessem “afastar legitimamente”, mesmo após ter passado no crivo da Cresap. “Se já têm no lugar uma pessoa com que se entendem, quase se sentem forçados a mantê-la. E, por isso, não mudam”, acrescentou.
Esta é, de facto, uma das conclusões que se retira deste levantamento. As negas repetidas dadas a estes candidatos seguiram-se da nomeação de dirigentes que já estavam no cargo. A Cresap, aliás, não tem escondido que 90% dos nomeados se encontravam anteriormente nas funções. E há áreas, dentro do Governo, em que a tendência partidária é evidente. Como o PCP denunciou numa audição a João Bilhim, presidente da comissão de recrutamento, os nomes escolhidos para a Segurança Social tinham fortes ligações ao PSD e ao CDS.
Questionada pelo PÚBLICO sobre as recusas sucessivas que têm sido dadas a muitos candidatos, o presidente da Cresap respondeu que a sua missão “é avaliar e seleccionar de acordo com o mérito, através de um processo transparente que garanta a imparcialidade”. João Bilhim admitiu, porém, que a explicação para este fenómeno pode ser evidente. “Receio que sejam factores político-partidários” que explicam as escolhas do Governo, afirmou, garantindo que a comissão “não foi criada para partidarizar ou despartidarizar a administração” pública.
Para resolver o problema, João Bilhim propõe duas soluções: os membros do executivo escolherem “aleatoriamente um entre os três candidatos” ou que estes passem a ser “hierarquizados por mérito” nas propostas de designação. Apesar das melhorias que podem ser introduzidas, o presidente da Cresap defende que, com o actual procedimento, “pelo menos foram excluídos do processo de selecção os militantes ou simpatizantes incompetentes”, que era “coisa que antes não acontecia”.
O PÚBLICO também questionou o gabinete do primeiro-ministro sobre estes casos, mas não recebeu resposta até ao momento.