BCE declara guerra à deflação, mas guarda principal arma do combate
Com financiamento de longo prazo, banco central lança injecção de 400 mil milhões de euros. Juros de referência baixaram. Em aberto fica um programa de compra de activos em larga escala.
Pressionado a agir depois de ter criado a expectativa nos agentes económicos e nos mercados de que estava disposto a evitar novos riscos deflacionistas, o presidente do banco central desvendou nesta quinta-feira em Frankfurt um pacote alargado de medidas de estímulos com o objectivo de conter a descida dos preços e fazer chegar o crédito à economia real.
Além de descer a taxa de juro de referência para um novo mínimo histórico e de colocar a taxa de depósito dos bancos num valor negativo, o BCE anunciou um novo programa de cedência de crédito de longo prazo aos bancos da zona euro (uma medida de estímulo a que a instituição já recorreu durante a crise) e o fim da esterilização de títulos de dívida pública para injectar mais dinheiro na economia. E deixou ainda a promessa de dar gás a um programa de compra de dívida titularizada no sector privado (subjacente aos empréstimos às famílias e às empresas). A expectativa é que a inflação comece, pouco a pouco, a descolar dos 0,5% historicamente baixos a que chegou em Maio (evitando que a zona euro caia num ciclo em que a descida sucessiva dos preços leva os consumidores a adiar a realização de despesa e, com isso, haja uma queda generalizada da procura). Caso as medidas não surtam os efeitos desejados pelo BCE dentro de nove a 12 meses, Draghi admite ir mais longe e abrir mão de mais armas “não-convencionais”. Neste campo, no entanto, o banco central tem sido cauteloso em dar passos no sentido de avançar com um programa – complexo e não unânime no interior da zona euro – de criação de liquidez quantitativa para a compra de títulos de dívida pública e privada. Mas este poderá vir a ser o caminho a percorrer pelo BCE quando as taxas de juro de referência estão já em mínimos históricos. A taxa directora (operações de refinanciamento) estava em 0,25% desde Novembro e recua a partir de 11 de Junho para 0,15%, enquanto a taxa de juro de depósito dos bancos desce pela primeira vez na história do BCE para terreno negativo (desde Julho estava a zero e passa agora para -0,1%). Com esta última medida, os bancos passam a pagar juros pelo dinheiro parado no BCE, o que na prática funciona como um incentivo a que as instituições financeiras da zona euro emprestem mais dinheiro às empresas e às famílias e que esse movimento se reflicta igualmente na taxa de inflação. A expectativa do BCE é que as taxas se mantenham a este nível historicamente baixo por um longo período de tempo, não estando no horizonte do banco central voltar a decidir-se por um novo corte. “Tecnicamente, considero que chegámos hoje ao limite [até ao qual se deve descer as taxas]”, afirmou Mario Draghi. Em condições normais, o financiamento das instituições financeiras é feito através de cedência de liquidez com prazos mais curtos. Mas, confrontado com um crescimento muito baixo (de 0,2% em cadeia no primeiro trimestre) e uma fragmentação nos fluxos de concessão de crédito na zona euro, o BCE vai retomar o seu programa de operação de refinanciamento de longo prazo. A operação – conhecido pela sigla inglesa LRTO – passa por realizar empréstimos aos bancos com prazos que chegam aos quatro anos (com maturidades até Setembro de 2018). Este ano, vão ser lançadas duas operações LTRO: uma em Setembro e outra em Dezembro, num total de 400 mil milhões de euros. A medida já foi usada pelo BCE durante a crise, quando o mercado interbancário chegou a estar praticamente fechado em alguns países, como Portugal. E volta agora a ser accionada “num contexto caracterizado por uma inflação baixa” e uma recuperação lenta da economia, justificou Mario Draghi. O LRTO é reactivado com uma condição. O empréstimo que for concedido aos bancos através deste instrumento tem de ser direccionado em exclusivo ao sector privado e desde que os empréstimos às empresas e às famílias não sejam investimentos imobiliários. O objectivo é que o circuito do financiamento chegue de facto à “economia real”, vincou Draghi. “Acreditamos que [este] é um pacote significativo, mas se me pergunta se chegámos ao fim? [Se for necessário] não”. E o BCE actuará sempre dentro do seu mandato, garantiu. Além deste programa, o BCE vai deixar de esterilizar as compras de obrigações, uma estratégia para aumentar a liquidez do mercado. Durante a crise, o banco central adquiriu obrigações de países em dificuldade no mercado secundário de dívida e fazia ao mesmo tempo a “esterilização” desses títulos para travar uma verdadeira injecção de dinheiro. É esta operação que o banco agora deixa de fazer para os títulos de dívida que ainda tem em carteira. “Mario Cesar Draghi”
A estratégia adoptada por Draghi e a sua equipa foi aplaudida pelo Fundo Monetário Internacional e pelo presidente francês, François Hollande. Mas alguns analistas vieram deixar avisos sobre o que fica em aberto da reunião de quinta-feira. Draghi – que no Verão de 2012 disse que tudo faria para salvar o euro – “compreendeu que seria obrigado a agir [agora] para não perder a sua credibilidade”, comentou à AFP Alexandre Baradez, analista do IG France.
Em Maio passado, o jornal económico alemão Handelsblatt apelidou-o de Mario Cesar Draghi. Mas, depois do que disse quinta-feira, “as expectativas em relação a um programa de compra de activos vão começar a surgir dentro de pouco tempo”, avisou o economista da RBS Richard Barwell, citado pela Reuters. O presidente do BCE admitiu que as preocupações do BCE “são reais”, mostrou-se convicto de que, com as medidas agora anunciadas, “o crescimento virá” e que “a retoma será efectiva”. “Reagimos ao risco que constituiria um período longo de inflação baixa”, afirmou, dizendo que o BCE não vê riscos de uma entrada em deflação. A inflação, que tem vindo a cair nos últimos meses e a afastar-se do objectivo de médio prazo do BCE (próximo de 2%), voltou a descer em Maio, recuando para 0,5%. E a previsão do banco central é agora menos optimista quanto à progressiva subida dos preços nos próximos anos. Em vez de uma taxa de inflação de 0,8% este ano, o banco central reviu a projecção para 0,7%. E em 2016 prevê que esteja em 1,4%, num valor mais baixo do que previa há alguns meses.
Notícia corrigida às 17h42 de 6/06/2014: Rectificada a data de entrada em vigor da descida das taxas de juro do BCE, erradamente referida como sendo a 11 de Julho. O correcto é 11 de Junho.