Banco de Portugal começou a preparar resgate do BES cinco dias antes da intervenção
Alarmes começaram a disparar na sede do regulador dias antes da apresentação das contas semestrais, que revelaram prejuízos de 3600 milhões.
O PÚBLICO apurou que o Banco de Portugal começou a planear o resgate ao BES no princípio da semana passada quando se tornou evidente que a trajectória descendente da cotação do banco era já imparável e que os indícios de que poderia a qualquer momento haver uma corrida aos levantamentos se acentuaram. Foi nessa altura que o BdP contratou o gabinete de advocacia VdA para prestar assessoria na matéria e ajudar a “formatar” uma solução que respeitasse o novo quadro da União Bancária europeia.
O PÚBLICO apurou que naquela altura havia entre os responsáveis do BdP, e em certos círculos do Governo, a forte convicção de que o banco poderia “cair” na quinta, 31 de Julho, ou na sexta-feira, 1 de Agosto. Até porque, na noite de quarta-feira, 30, o BES, que tinha sido alvo de várias inspecções por parte do BdP, iria pôr à mostra todas as suas fraquezas e revelar o maior prejuízo da história empresarial portuguesa, 3600 milhões, e imparidades de 4300 milhões [perdas potenciais]. A gravidade da situação do BES “surpreendeu” o governador Carlos Costa, como o próprio relatou esta semana aos deputados de Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública.
A dimensão dos prejuízos levou os investidores, no dia seguinte, a reagir atirando as acções do BES ao tapete: a cotação recuou 42,07% para 0,20 euros. Um dia também de perdas para os restantes títulos bancários: o BCP recuou 4,37% para 0,10 euros, o Banif perdeu 3,23% para 0,009 euros e o BPI cedeu 0,99% para 1,50 euros. A evolução negativa bolsista foi acompanhada de novos levantamentos de depósitos aos balcões do grupo, uma tendência que começou aliás, na semana anterior à saída de Ricardo Salgado do BES.
Na sexta-feira, dia 1 de Agosto, as acções do BES foram suspensas à cotação uma hora antes do fecho do mercado, após uma queda de 50%. O BdP procurava ganhar tempo para encontrar a solução que melhor defendesse os vários interesses em jogo e afinar durante o fim-de-semana o cenário que seria adoptado. Se nada fosse feito o banco reabriria segunda-feira insolvente, desde logo porque o BCE não voltaria a emprestar fundos ao grupo.
E foi isto que Carlos Costa foi também contar aos deputados na passada quinta-feira: “Tenho consciência de que estivemos em cima do fio da navalha e que saímos bem desta situação.” “O BES tinha e tem grande importância do ponto de vista do sistema financeiro português e estivemos na iminência de incidente sistémico, que abrangeria todos os bancos do sistema.” Ou seja: a falência em cascata dos restantes bancos. O mesmo disse Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu, na conferência de imprensa mensal: “O que posso dizer é que as autoridades agiram rapidamente e de forma eficaz”.
Mas os termos gerais do “plano” apenas seriam definidos no sábado à noite e os detalhes finais articulados minuto ao minuto durante o domingo, 3 de Agosto. E a comunicação de que o resgate ao BES estava em curso chegou às 22h. O banco reabriu na segunda-feira seguinte, só com a parte “boa” e com outra designação (ainda que transitória). Para o Novo Banco transitaram os depósitos e os créditos normais ou recuperáveis, assim como os trabalhadores e as agências. O “lixo” ficou concentrado no BES, onde também permanecem os accionistas e subscritores de dívida subordinada.
Dentro do sector há quem admita que o BdP teria preferido que o resgate do BES fosse mais directo e não envolvesse o resto do sector, o que exigiria o recurso ao fundo de recapitalização da troika, num aumento de capital que desse entrada a um novo accionista: o Estado. O que trazia custos para os contribuintes e se iria reflectir no agravamento do défice público. Pedro Passos Coelho recusou a alternativa do BdP. E só assim se explica que na quinta-feira da semana passada, três dias antes da intervenção, o Governo continuasse a falar, através do seu porta-voz, Marques Guedes, “numa via para o BES essencialmente privada”. O que, aliás, também fizeram, na véspera, Carlos Costa e o CEO do BES/Novo Banco, Vítor Bento.
Aos deputados Carlos Costa contou que na sexta-feira, dia 1, antes do almoço, “em reunião por teleconferência entre os membros do conselho de governadores [do Banco Central Europeu, BCE]” recebeu esta orientação: “Até segunda-feira tínhamos uma data limite até à qual tínhamos de ter uma solução e tínhamos de ser nós a encontrar a solução.” No sábado, dia 2 de Agosto, Bruxelas enviou a Lisboa técnicos da Direcção Geral da Concorrência Europeia para dar apoio às autoridades nacionais.
Reguladores de costas voltadas
A semana que agora termina ficou também marcada por um braço de ferro entre Carlos Costa e Carlos Tavares, presidente da CMVM, organismo que regula o mercado de capitais. Carlos Tavares garante que apenas foi informado no sábado depois das 22h sobre o que se iria passar no BES. Aliás, o que também terá acontecido com os restantes bancos do sector chamados a resgatar o seu concorrente através de uma injecção de 4900 milhões no Novo Banco via Fundo de Resolução bancária – o Estado empresta ao sector, através da linha da troika, 3900 milhões, e os bancos com a parte restante (em garantia o Fundo recebe o Novo Banco).
No Parlamento, o governador assegurou que a decisão de “salvar” o BES só foi tomada na sexta-feira, 1 de Agosto, e que a CMVM esteve sempre informada. Carlos Costa recusou assim a tese de que permitiu operações em bolsa quando já tinha em seu poder a informação do resgate e que os accionistas (nomeadamente os pequenos) iriam ficar sem o que aplicaram. O BdP é acusado de ter passado mensagens erradas ao mercado (que o banco tinha uma almofada para acomodar perdas e que haveria privados a entrar no BES), o que criou a expectativa de que os accionistas não perdiam os investimentos.
Carlos Tavares voltou a reagir logo no dia seguinte à intervenção de Carlos Costa: “A CMVM determinou a suspensão da negociação, o que ocorreu logo após ter tido conhecimento de iminentes desenvolvimentos que vieram a ser conhecidos durante o fim-de-semana”. Os títulos ficaram suspensos depois das 15 horas de sexta-feira dado que “só por volta dessa hora teve conhecimento que haveria “desenvolvimentos” ainda que desconhecendo os termos concretos dos mesmos.” A CMVM reitera “igualmente que em momento anterior não foi informada sobre outras decisões tomadas relativas ao BES e que, tudo indica, influenciaram a formação dos preços”.
Este não é o único tema que hoje divide os reguladores, de costas voltadas a propósito do último aumento de capital do BES de 1140 milhões de euros. Um tema sensível pois o banco foi autorizado a colocar um “produto complexo” junto dos seus clientes de retalho. E agora nenhum dos reguladores aceita assumir responsabilidades.
Carlos Costa e Carlos Tavares refugiam-se na forma e ignoram a substância. O governador diz que apenas tem de avaliar se o banco necessita de reforçar o capital e definir as suas necessidades, enquanto o presidente da CMVM lembra que a sua obrigação é garantir que o prospecto de emissão está bem concebido. Recorde-se que, apesar de no prospecto haver indicações de que o banco podia ter de mexer nas suas contas, ter sido potencialmente alvo de ilícitos e se admitir que a gestão de Ricardo Salgado pudesse ser mudada, a operação de mil milhões de euros, que decorreu entre Abril e Maio deste ano, foi autorizada.
Tal como o PÚBLICO já revelou anteriormente existem já acções judiciais a ser preparadas por accionistas do BES (que perderam os seus investimentos no banco) por lhes ter sido omitida informação certa, quer no aumento de capital, quer na semana que antecedeu o resgate.