As lojas do futuro não vão ter caixas registadoras nem filas para pagar

Smartphones estão a revolucionar a forma como escolhemos e pagamos produtos. A tendência é transformar uma ida ao supermercado num pretexto para conhecer chefs de renome, arranjar as unhas ou comprar flores.

Mistura-se o conceito de boutique ou grande armazém (como o El Corte Inglés, por exemplo), aplica-se à venda de bens alimentares e o resultado é uma loja totalmente nova que, garante José António Rousseau, pode muito bem ser realidade nos próximos 20 anos.

O coordenador da pós-graduação em Visual Merchandising e Store Design do IADE (Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing) enumera em catadupa as mudanças que o comércio vai sofrer nos próximos tempos, fruto das alterações no perfil do consumidor, a importância dos telemóveis e smartphones como ferramentas quotidianas, as exigências de uma sociedade acelerada. “Nos próximos 20 anos iremos assistir a profundas alterações, desde as características da oferta e do ponto de venda (lojas) às tecnologias e formas de pagamento”, antecipa.

A tradicional linha de caixa “vai desaparecer”, garante. Os pagamentos através do telemóvel e o acesso rápido à Internet em qualquer altura e lugar já estão a revolucionar a forma como compramos produtos. Qualquer trabalhador de um super ou hipermercado, loja de roupa ou livraria pode atender os clientes sem precisar de uma caixa registadora e aceitar o pagamento das compras através de, por exemplo, um iPad. Grandes armazéns norte-americanos como o Nordstrom ou o J.C. Penny estão a eliminar as caixas e a substituí-las por tablets, permitindo pagamentos móveis. Até 2014, todas as 1100 lojas da texana J.C. Penny vão ter colaboradores munidos de iPads. Mais de 6000 trabalhadores da Nordstrom já usam estes dispositivos para atender clientes.

Os telemóveis, sobretudo os smartphones, são hoje uma espécie de “canivete suíço” (como descreve Rousseau), cheios de soluções e aplicações. De acordo com um estudo elaborado pela Economist Intelligence Unit, a pedido da MasterCard, os retalhistas europeus prevêem que a partir de 2020 estes aparelhos ultrapassem as lojas físicas, os sites na Internet ou os call centers como o mais “importante canal de comunicação com os clientes”. Em 2013, 44% das grandes superfícies vão oferecer tecnologias de pagamento sem contacto nas lojas, e as empresas do sector consideram que este é um investimento prioritário para o negócio.

Depois da tecnologia, os retalhistas elegem o serviço personalizado como área crucial para manter a fidelidade dos clientes e aumentar a quota de mercado. E também aqui os smartphones têm um papel a desempenhar. João Günther Amaral, director de desenvolvimento e inovação da Sonae (grupo que detém o Continente e o PÚBLICO), diz que as mudanças que o comércio enfrenta são quase sempre assentes na “experiência do cliente”.

“Nas mãos dos clientes, os smartphones estão a mudar muita coisa no retalho. Antes não havia tanta noção sobre o momento de decisão de compra, a deslocação até à loja, a experiência na loja, o consumo efectivo e o momento pós-consumo”, começa por dizer. A forma como se elabora a lista de compras, por exemplo, é radicalmente diferente com uma plataforma digital nas mãos. “Posso abrir o frigorífico, tirar o último iogurte, digitalizá-lo e acrescentá-lo à lista de compras ou à da minha família. Quando for à loja, ou site, posso saber que promoções há e onde. No estabelecimento vou poder ser ajudado a fazer algo que é muitas vezes difícil: encontrar os produtos que procuro e saber que promoções especiais há para mim”, descreve.

De telefone em punho podemos ler os códigos de barras ou outros sistemas de identificação e pagar tudo sem tirar o cartão bancário da carteira. São cenários futuros que João Günther Amaral não antecipa para já. “A taxa de penetração dos smartpohnes em Portugal ainda é limitada e é algo que ainda vai demorar. E não estou a ver que substitua uma caixa. Há clientes que gostam de usar smartphones e outros não”, lembra.

O consumidor é que manda. Hoje, as filas de caixas registadoras já incluem terminais onde é o próprio utilizador a registar e a pagar os produtos. “Se olharmos para a linha de caixa, existe uma série de soluções diferentes. Há uma percentagem de caixas automáticas, caixas tradicionais, caixas para entrega de compras ao domicílio, caixas rápidas…”, enumera Ricardo Fonseca, administrador da Auchan com o pelouro da inovação. A maior revolução será nos meios de pagamento, a questão é saber “qual será a tecnologia vencedora”. “Fizemos uma experiência de pagamentos sem contacto na loja, usando cartões RFID, com frequência de rádio, em que o cliente não tem de digitar um código. Foi interessante, mas estes dispositivos de leitura implicam uma mudança nos cartões”, exemplifica.

Os novos avanços nos códigos de barras também vão ajudar o consumidor a conhecer melhor os produtos. Em 2014 haverá mudanças visíveis com a adopção do Data BAR, que a GS1 está a implementar também em Portugal: encostar o telemóvel a uma caixa de fruta embalada vai permitir seguir o rasto do produto, desde o momento em que é colhido, embalado e distribuído, explica João de Castro Guimarães, director executivo da organização.

Certo é que a experiência de compra está a mudar. O gigante alemão Metro fez um teste-piloto com tablets incorporados nos carrinhos. O cliente regista-se e tem acesso à sua lista de artigos habitual, às promoções que mais lhe interessam e, se quiser, a um mapa que o ajuda a chegar mais depressa aos produtos desejados. Outro exemplo: a britânica Tesco montou um pequeno supermercado no metro da Coreia do Sul totalmente virtual. A ideia valeu-lhe um prémio de inovação no World Retail Awards, que decorreu em Setembro em Londres, e ajudou a impulsionar as vendas online. Os passageiros do metro de Seul podem fazer compras com os smartphones tablets encostando os aparelhos às fotografias dos produtos, afixadas na parede. As compras são entregues em casa ao final do dia. Por cá, a Renova também testou uma ideia semelhante no metro de Lisboa e Porto.

Nas lojas alimentares, a tendência é transformar uma ida ao hiper e supermercado num pretexto para conhecer chefs de renome, arranjar as unhas ou comprar flores. “Com a tendência cada vez maior de compras à distância, o que nos faz ir a uma loja é a experiência. Tem de justificar pegar no carro, ir para as filas e perder horas. O que nos faz ir a uma loja é o contacto com um cozinheiro famoso, por exemplo”, diz José António Rousseau. “O visual merchandising é fundamental. Para encenar a sua oferta, dramatizar os produtos e serviços oferecidos, comunicar de forma emocional com os clientes que forem à loja”, acrescenta. Neste contexto, os hipers de prateleiras compridas podem não ser uma realidade por muito mais tempo.
 
 

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